domingo, 27 de novembro de 2011

Até breve!

Caros amigos e amigas: estarei em Buenos Aires até o dia 5 de dezembro, num festival de tango. Do exterior fica difícil manter postagens. Volaremos a ter contato em breve.
Beijos!
Milton Saldanha

sexta-feira, 25 de novembro de 2011

Novo escândalo

Ufa, finalmente pegaram a Controlar
A Controlar virou sinônimo de martírio para os proprietários de veículos de São Paulo, tomados como bodes expiatórios da poluição da cidade, quando se sabe que o grande poluidor é a indústria, não fiscalizada, ou mal fiscalizada. Ufa, eis que dois promotores resolveram desmascarar e enfrentar a máfia. A Controlar não está apta a fazer os testes que continua fazendo, o que coloca em questão as taxas com valores abusivos que vinha cobrando dos já espoliados contribuintes.
Nas duas vezes em que fui enfrentar o martírio dos testes fui percebendo a sacanagem. Em cada reprovação o proprietário tinha que pagar nova taxa de quase 70 reais, engordando os cofres da Controlar. Então eles reprovavam o maior número possível de carros, claro. Os testes adotavam patamares absurdos, tanto que provou-se que até carros zero, recém saídos da fábrica, eram reprovados. Enquanto isso, os carros muito velhos, os verdadeiros poluidores, sequer eram abrangidos pela lei. Muito menos os veículos dos órgãos públicos, com manutenção precária, que trafegam soltando fumaça preta pelas ruas da cidade.
O prefeito Kassab está sob suspeição e acusado de irregularidades na contratação da Controlar. Não sou eu falando, são os promotores. Hora boa de ir fundo e apurar toda a extensão da pilantragem. E devolver o dinheiro aos lesados, que são todos os proprietários. Não é pouca gente. Para isso é indispensável que a Justiça vá em cima da empresa e dos seus donos, que ganharam montanhas de dinheiro com esse trambique.
Algum dia isso teria que acontecer. Não conheço ninguém que não estivesse de saco cheio com essa Controlar. Encontrei na fila uma senhora que havia sido reprovada cinco vezes. Pagou cinco taxas. Um absurdo. Eles poderiam até reprovar, mas jamais cobrar nova taxa. É muito roubo. A máfia cria as leis e fatura alto com elas. Eis um caso típico.

Educação no trânsito

“Multe” um marronzinho
Excelente essa idéia dos internautas de começar a denunciar os abusos no trânsito dos marronzinhos da CET. Sim, deles mesmo, que nos multam com especial prazer e sem aceitar argumentos na primeira oportunidade. Esses safados se acham acima da lei e precisam ser enquadrados. As fotos postadas na internet e reproduzidas por algumas TVs mostram viaturas cometendo todo tipo de abuso. Param sobre faixas de segurança de pedestres, estacionam em vagas para idosos ou deficientes, dirigem falando ao celular, andam na contramão, etc. Isso quando não param em diagonal numa esquina, prejudicando a visão dos motoristas que precisam atravessar. Quem treinou esses caras? Fizeram alguma prova de habilidade e civilidade? Conhecem legislação de trânsito?
Não tenho a menor idéia de quem seja a idéia de postar essas fotos, parece que foi do próprio UOL, mas merece os cumprimentos. A lei é para nós e para eles também. Ainda que eles nunca acreditem nisso. Outro exemplo de abuso é o uso indevido de sirenes. Nas horas de pico em São Paulo é muito comum ver carros de polícia em alta velocidade, sirene em alto volume, abrindo caminho e... só o motorista a bordo. Esses caras devem ser aqueles heróis de filmes, que agem sozinhos...
A postagem é uma forma de protesto e de exigir respeito no trânsito em primeiro lugar de quem deve dar o exemplo. Sempre que flagrar um abuso, fotografe e denuncie!

terça-feira, 22 de novembro de 2011

Tecnologia & Futuro

Parar ou continuar?
Tenho um jornal impresso, com 17 anos. Trabalhei em jornalismo impresso por mais de 40 anos. Aí começo a ler sobre os dilemas desse tipo de jornalismo, com a migração para os sistemas on line, tablets e outros bichos. Corre um frio pela espinha. A sensação de que algo pode mudar, ou vai mudar. Com revistas é diferente. É outra estrutura de informação. Os jornais terão que virar revistas diárias, se quiserem sobreviver. Só que isso é mais complicado. Fazer um jornal é mais rápido (eu não disse mais simples) que uma revista. A diferença é mais ou menos assim: o jornal informa rapidamente; a revista informa lentamente. Ou seja, a revista aprofunda o jornal. O impulso de querer parar tudo e usufruir de uma tranqüila aposentadoria começa a ficar tentador. Por mais estranho que pareça, é provável que sem o jornal, portanto sem trabalhar, me sobre mais dinheiro no bolso. E mais tempo para usufruir dos anos que me restam a bordo deste planeta. Viajar (sem compromisso com trabalho e prazos), dançar, voltar a freqüentar teatro, ver mais filmes, caminhar e fazer turismo em minha própria cidade, visitar amigos, experimentar restaurantes sem precisar ficar consultando o relógio e a agenda. Tudo isso soa maravilhoso, mas tropeça no medo da frustração, do sentimento de inutilidade, do vazio que é o sofá depois de praticamente meio século produzindo e discutindo idéias, fatos, comportamentos. É uma decisão dura, mas pressinto que em algum momento poderá, ou terá, que acontecer. Não é improvável que os leitores também se cansem. É muita informação circulando, com predomínio maciço da informação de baixa qualidade, é bem verdade. Quando lembro que uma cidade como Porto Alegre chegou a ter cinco jornais diários... Hoje isso seria impossível, com o avanço da rede web. Sobrou praticamente um, a Zero Hora, que domina o mercado. O mesmo aconteceu no Rio, sobrou O Globo. E todos já discutem o futuro. O The New York Times, como sempre, está na vanguarda, revendo seu modelo e experimentando o serviço pago on line. Ainda sem nenhuma certeza de nada. O conflito íntimo começa a se instalar neste escriba. Parar ou continuar? Parar tem seus encantos, mas continuar ainda tem sido imperativo. O jornal Dance, é inegável, me proporcionou muitas alegrias esse tempo todo, além de me abrir portas mágicas. Que dilema...  

domingo, 20 de novembro de 2011

Shows no Dançata Master Tango

Sebastian Arce e Mariana Montes
levam público brasileiro ao delírio

A Dançata e seu evento Tanghetto viveram duas noites históricas em 19 e 20 de novembro, quando ocorreram os bailes do VI Dançata Master Tango: as apresentações arrebatadoras dos mestres argentinos Sebastian Arce e Mariana Montes. Eles reafirmaram aquilo que muitos tangueiros já sabiam e que o jornal Dance vem reafirmando em sucessivas matérias nos últimos anos: estão entre os (poucos) maiores bailarinos da modalidade em nível mundial. O público, mais de duzentas pessoas, aplaudiu com intensidade nunca vista antes em qualquer outro evento de tango em São Paulo e “obrigou” o casal a voltar várias vezes à pista para novas apresentações. Eles atenderam com visível prazer e emoção pela calorosa receptividade dos brasileiros.
Tem se tornado hábito na dança classificar todos os profissionais como artistas. Ainda que isso seja muito simpático, não é justo. Artistas, realmente dignos da definição, são poucos. E Mariana Montes e Sebastian Arce estão entre eles. Mais do que artistas, são duas estrelas que sabem tudo de tango, alternando movimentos de alta precisão e velocidade com momentos suaves e lentos, de rara beleza plástica. A maioria dos seus passos surpreendem, são inusitados e renovadores, fugindo da mesmice e do previsível. Quem nunca viu tango na vida fica de queixo caído. E quem é do ramo e tem noção do grau de dificuldade de determinados giros e movimentos que envolvem muito eixo e equilíbrio sai carregando o espetáculo na memória por longo tempo. Isso faz a diferença entre o que é ou não arte, como eu já disse certa vez no Dance comentando um espetáculo impar da Mimulus, do Jomar Mesquita. O trivial você esquece alguns minutos depois. A arte você carrega, leva para casa e para todos os lugares. Seu impacto custa a se dissipar. E dessa forma o artista transfere a emoção para você, enriquecendo também seu espírito.  

Esta e outras matérias você lerá na próxima edição do jornal Dance, com 10 mil exemplares impressos + integral na Internet + mais de 4 mil despachos em PDF + parceria com redes sociais de dança. Circulará a partir de 7 de dezembro. Não perca!

Celulares versus boa educação (2)

Todo texto analítico é resultado sempre de longa e exaustiva reflexão. A gente pensa no tema antes, durante a produção do texto, e depois da sua publicação, quando começa a repercussão. Nunca é pequeno o peso da responsabilidade. Uma releitura autocrítica do meu próprio texto anterior me leva a voltar a este tema. Recebi muitos comentários pessoalmente apoiando às críticas que fiz ao mau uso e à falta de educação com celulares. Contudo, quero aqui fazer uma ressalva, que deveria ter feito parte do texto anterior: é indispensável e justo reconhecer que algumas pessoas precisam sim estar conectadas o tempo todo. É o caso principalmente de médicos e outros profissionais de saúde, que podem ser acionados para emergências a qualquer momento; pessoas envolvidas com muitas atividades e negócios e agenda sempre lotada; jornalistas que precisam ser convocados para a cobertura de imprevistos; policiais civis e militares; e alguns outros que dependem da comunicação ágil com grande freqüência. Temendo ter sido injusto com essas pessoas, fiquei concentrado em não deixar passar esta pequena, mas muito importante, retificação.
Como última observação ao assunto, encontrei respaldo indireto às minhas críticas em informação que ouvi no Jornal da Band: a noticia sobre uma pesquisa estarrecedora, indicando que alguns milhões de usuários de celulares jamais tiveram uma escova de dentes. Isso diz tudo.




quarta-feira, 16 de novembro de 2011

Está faltando estratégia

Movimento contra corrupção pode cansar.
É isso que os corruptos desejam.
As marchas contra a corrupção tendem a virar rotina e muito em breve ninguém mais dará bola para elas, nem a mídia. Vão encolher cada vez mais em adeptos e no noticiário, pela falta de novidade e, mais do que isso, pela falta de propostas concretas para combater esse mal.
Qualquer pessoa do bem apóia todas as iniciativas anticorrupção. Mas é indispensável que elas sejam mais objetivas, ataquem alvos claros do cenário político e também empresarial, neste último onde estão os corruptores. Da forma evasiva como estão acontecendo acabam repetindo aquelas caminhadas pela paz, com todos de branco, enquanto os bandidos debocham e voltam a atacar até com mais furor.
Esse mal arquitetado movimento anticorrupção, por melhor que sejam suas intenções, pode acabar queimando o filme na hora em que se torne necessária uma mobilização organizada e de grande porte, que sirva de instrumento de pressão. Era o que deveria ter acontecido, e infelizmente não aconteceu, durante a crise do mensalão. E por que não aconteceu? Porque o mensalão não foi um crime isolado do Dirceu e de outros caciques do PT. Envolveu todos os partidos. Todos! Todos levaram o dinheiro do contribuinte. Logo, não havia respaldo para a montagem de um movimento de massas. É importante observar que as entidades que poderiam ter feito isso, como OAB, ABI e UNE, por exemplo, entre outras. estão de alguma forma atreladas a determinados partidos, ainda que não de forma explícita.
O atual movimento pode até ser muito simpático. Mas pode cansar e com o tempo esvaziar uma luta que a cada dia se torna cada vez mais necessária.

segunda-feira, 14 de novembro de 2011

Revendo o velho baú...

Às 6 da tarde um jornal que saiu pela manhã já é velho. No dia seguinte, então, já virou sucata. Agora imaginem um jornal de 30 ou 40 anos passados...
Pois é, fui revirar em meus arquivos para achar uma matéria produzida em 1976, no “Estadão”, como tema de uma crônica que logo vocês poderão ler aqui neste espaço. Numa pilha de recortes, revistas, fotos, cartas, telegramas, telex, o diabo, acabei fazendo uma ligeira viagem no tempo e retornei aos anos ancestrais da minha carreira como jornalista. Reencontrei matérias que nem lembrava mais que tinha feito, e olha que deram muito trabalho e na época me encheram de orgulho. Reencontrei também personagens que sequer imagino se continuam vivos, onde estariam, fazendo o que.
É um arquivo valioso da minha vida, mas quando eu não estiver mais neste mundo alguém jogará isso no lixo, como papel velho. Como aconteceu com aquela montanha de jornais e revistas onde escrevi e vivi grandes emoções. No mesmo dia multidões de leitores usaram para embrulhar qualquer coisa...
Esse é o lado frustrante do jornalista. Sua vaidade só encontra satisfação em algumas horas, esporádicas. Ele se mata trabalhando, para logo ser esquecido. Ao contrário do escritor, e aqui falo apenas do grande escritor, o autor das magistrais obras, que ficam famosas e duram séculos sendo reeditadas. Um Euclides da Cunha será lido para sempre. Já os grandes jornalistas de “O Cruzeiro”, “O Jornal”, “Tribuna da Imprensa”, “Diário de Notícias”, “Última Hora”, etc, por exemplo, nos anos 50 e 60 tão famosos como os atuais grandes Globais, quem hoje lembra deles? Só mesmo quem conheceu, e muito raramente, claro. Façamos um rápido teste: você já ouviu falar em Assis Chateaubriand? David Nasser? Carlos Lacerda? Helio Fernandes? Samuel Wainer? Luciano Carneiro? Mário de Moraes? Odilo Costa Filho? Péricles? Carlos Estevão? Se for jovem, com certeza não. No entanto, alguns destes nomes pontificavam com poder e força, se bobear até influenciando em importantes decisões nacionais. O que resta, então, para nós, simples mortais, quase anônimos? É o destino também traçado para tantas celebridades de hoje, que se julgam imortais, mas serão esquecidas na primeira curva da estrada.
É por isso que convém refletir sobre a inutilidade das grandes e pequenas patifarias que alguns praticam durante sua vida. Para que servem? Nosso trânsito neste mundo é extremamente rápido, essa é a verdade. Vamos sumir como fumaça. Então não vale a pena ser canalha. Melhor que fique algum fiapo de lembrança, por menor que seja, mostrando a grande alma que habitou nossos frágeis corpos.

sábado, 12 de novembro de 2011

Museu Oscar Niemeyer

35 mil metros de emoção a cada centímetro

Curitiba possui um tesouro que todos os brasileiros precisam conhecer. É muito fácil de achar, tem preços populares, e se chama Museu Oscar Niemeyer. Não é um museu qualquer. Enquanto você visita vai sendo surpreendido a cada momento, envolvendo-se em grande emoção.
Ali funcionavam repartições burocráticas do governo do Paraná. O conjunto foi totalmente reformado, com projeto de Oscar Niemeyer, este nome que orgulha o Brasil, por suas obras aqui e em muitos outros países.  
São 35 mil metros quadrados de emoção a cada centímetro. Hoje, abriga exposições de pintura, desenho, escultura, design, fotografia, maquetes, etc., com dois acervos, um sempre temporário e outro permanente. Este último fica alojado no popularmente chamado “Olho”, uma fantástica torre apoiada por uma coluna em forma de parede, que contrasta em porte com a impressionante leveza que transmite. O “Olho” parece flutuar no ar, como uma nave branca que ali estivesse pairando e espreitando a cidade. A inspiração foi na copa da araucária, árvore típica do Paraná, mas o povo, sempre imaginativo, passou a chamar como “Olho”. Síntese de toda a genialidade de Oscar Niemeyer, esse humanista de incrível simplicidade e generosidade, hoje reverenciado pela arquitetura mundial.
Visitar o museu vale a viagem a Curitiba. Nem que seja só para isso. Se o conjunto arquitetônico estivesse vazio já seria, por si só, uma imperdível atração. Com seu conteúdo, torna-se cativante passeio da alma pelas profundezas dos sentimentos mais edificantes e que fazem a vida e o mundo valerem a pena. A defesa do homem e dos princípios que devem reger suas relações estão presentes literalmente nas paredes deste santuário da cultura brasileira. É como um templo que prega em seus escritos e obras a redenção dos oprimidos, fazendo a denúncia da violência, das guerras, ditaduras, fome e miséria. A arte engajada, com seu compromisso único de ser agente de transformação social, mas nem por isso piegas, explicita e óbvia.
Serão inesquecíveis as emocionantes imagens que lá captei: é preciso buscar nos olhos das figuras esquálidas retratadas por um pintor como o equatoriano Guayasamín (1919-1999), por exemplo, a milenar dor legada pela civilização pré-colombiana depois do seu massacre pelo colonialismo ibérico. Em seus traços de gênio da pintura e do desenho, amado por Pablo Neruda, de quem era amigo, estão nítidas as influências dos muralistas mexicanos Orozco e Diego Rivera, Picasso, Portinari, Di Cavalcanti e outros guerreiros das telas, mármore e bronze.  Foi impossível não ficar paralisado na frente dos quadros de Guayasamin, sorvendo cada detalhe dos seus traços, não sendo difícil também ser levado às lágrimas. Pena mesmo é que não foram melhor divulgadas nem ficariam ali por mais tempo, pois são patrimônio artístico do Equador e precisavam voltar para casa.  Só isso já dá uma dimensão do que é essa casa curitibana onde se respira cultura e sensibilidade a flor da pele. Mas havia muito mais. As fotos do peruano Martin Chambi, em preto e branco, feitas com uma câmera rudimentar, de fole, são épicas e remetem ao esplendor e miséria do altiplano andino. Bastou trocar de sala para entrar num mundo totalmente diferente e menos angustiante, com as 25 telas de artistas que retratam a serenidade do porto de Paranaguá e seus navios docemente ancorados. Ou, em outra, na vida mansa e acolhedora do interior mineiro, com aquele estilo puro e inocente, gostoso, cheirando a café com bolo de fubá.
Visitar o Museu Oscar Niemeyer, enfim, é uma necessidade das almas famintas por ternura. Vale a viagem.
Os funcionários são gentis, a organização impecável, banheiros que brilham, há uma cafeteria confortável e irresistível, livraria e loja esbanjando classe e bom gosto. Tudo de primeiríssimo mundo.
Atravessar o túnel branco, em curva, que liga o prédio ao anexo “Olho”, parece uma caminhada pelo espaço sideral. Até quem detesta lugares confinados, como eu, ali nada sente, exceto deslumbramento.
Em ampla área estão as maquetes das principais obras de Niemeyer pelo Brasil e mundo. Vale a pena demorar ali, conferir cada uma, em detalhes, e ler cada texto onde o próprio artista do concreto armado explica sua paixão pelas curvas que marcam intensamente seu estilo. Inspiração que vem de várias fontes, incluindo as sedutoras curvas das mulheres belas. A catedral de Brasília, obra de um ateu assumido, quem diria, com sua estonteante beleza lembram mãos que se erguem em súplica ao céu. Niemeyer é ousado, atrevido, desafiador. Mas acima de tudo um poeta. Sorte nossa que é também brasileiro!

      

quinta-feira, 10 de novembro de 2011

Dança, uma porta para a felicidade

Tango. Amigas e amigos, é impossível descrever a magia e prazer que é dançar isso. É meu principal hobby há 8 anos. Mas se o tango é recente, danço os demais ritmos desde os 14 anos. Estou com 66, logo são 51 anos de baile. O hábito começou nos anos 60, em Santa Maria (RS), cidade cercada de morros, encravada no centro da Depressão Central, bem no coração do mapa gaúcho. Era uma das diversões de toda a família, meus pais e os quatro filhos, que não perdiam os bailes dos clubes Caixeral e Comercial, com suas sedes sociais na praça principal, a Saldanha Marinho. Nome sem qualquer parentesco com este autor, sequer sei quem foi a figura.
Fui também do tempo das reuniões dançantes domésticas, com Hi-Fi, disco de vinil, regadas a cuba libre (Coca-Cola, gelo, rodela de limão e uma dose de run). Naquele tempo a gente ia para esses encontros de terninho escuro e gravata, elas de vestido tubinho e coques altos, onde entrava até bom-bril para ajudar a segurar e dar volume. As mães ficavam tricotando ali por perto, simulando distração, mas de olho ligado na rapaziada, todos loucos por um bom amasso em suas filhas. Dançar de rosto colado era o máximo das ousadias, e as meninas que permitiam isso ficavam logo “faladas”, assunto inevitável de todas as rodinhas das fofoqueiras. As eletrolas, móveis grandes onde rodavam os LPs de vinil, emitiam samba, fox, bolero, tango, valsa e mambo. Com as vozes ou composições de Angela Maria, Elisete Cardoso, Maysa, Miltinho, Frank Sinatra, Nat King Cole, Caubi Peixoto, Lupicinio, Noel Rosa, Chiquinha Gonzaga. Aí surgiu uma novidade, que a gente também dançava, chamada Bossa Nova. Entraram em cena Vinicius de Moraes e Tom Jobim, precursores da safra que viria só bem depois, com Chico, Nara Leão, Edu Lobo, Vandré, Bethânia, Caetano, Gil e outros. As músicas mais conhecidas desse novo estilo de samba eram “O Barquinho” e “Samba de uma nota só”, até que surgiu a magistral “Garota de Ipanema”.
E assim rolavam nossas longas tardes domingueiras... Com a dança a dois, eu diria até precocemente, passando a fazer parte indissociável da minha vida. Quem não dança e nunca experimentou isso dificilmente entenderá tal prazer. Ele está ligado primeiro ao gosto pela música, seguido da satisfação de associar seu corpo a ela, através do movimento. Você então não apenas ouve a música, mas se integra totalmente a ela, descobrindo habilidades que nunca imaginou possuir. Torna-se senhor do seu corpo, faz dele o que bem entender. Vence bloqueios, solta suas amarras, ganha postura e independência. Aquele corpo que refletia uma mente reprimida, encolhido e tímido, de repente se abre, cresce e parece querer voar. Agrega, finalmente, ou em primeiro lugar, tanto faz, o prazer do abraço com o sexo oposto. Cria-se ali uma cumplicidade, seus corpos precisam estar sintonizados na mesma energia e na mesma emoção. Em alguns casos isso é tão forte que desperta também a química da atração sexual, absolutamente normal e saudável, estamos falando de homens e mulheres de carne e osso. O que não significa que os casais vão sair correndo do baile para transar, não é nada disso. O que quero dizer é que a dança, além de ser o mais completo e prazeroso dos exercícios, e de longe a melhor das terapias, é também uma via de acesso a relações que podem transformar vidas. Ali surgem muitos namoros e até casamentos. Contudo, mesmo que não se chegue a tanto, quem dança jamais sentirá solidão. Os bailes e academias, hoje facilmente encontráveis, formam verdadeiras comunidades de amigos. O convite para dançar quebra qualquer gelo. O contato físico abrevia a aproximação e o conhecimento do outro.
Não cansa, enjoa? Perguntará alguém. Taxativamente, não! Quanto mais a gente dança, mais quer dançar. E quanto melhor, mais insatisfeito se tornará com a própria performance, querendo aprimorar dia após dia. Fred Astaire, o fabulso dançarino que celebrizou a dança a dois no cinema com sua parceira Ginger Rogers e se tornou a eterna referência de todos nós, dançarinos do mundo todo, era um perfeccionista fanático. Consta que chegava a fazer mais de 60 vezes algumas cenas, de poucos segundos, para extrair da série e editar aquela mais próxima da perfeição. E quem vê os dois dançando imagina tudo um mar de rosas. Não era bem assim. Brigavam muito nos ensaios, em busca do melhor resultado. Aliás, como acontece com a maioria dos casais profissionais e amadores de hoje. Até engrenar, um tende a culpar o outro pelas dificuldades, que são normais e todas superáveis. Onde estava o segredo da perfeição? Deixemos que ele, Fred Astaire, nos responda: “Tem que parecer que é fácil”, dizia o mestre. Vendo, parece que qualquer um faz. Vá tentar!
  O tango para mim foi o estágio natural da busca da evolução e da novidade. Continuo dançando todos os ritmos, alguns no limitado estilo quebra galho, mas foi no tango que encontrei a suprema emoção. Porque sua música, e a interpretação na dança, refletem o amor, desejo, paixão. A sofisticação e beleza das composições atingem no fundo das almas sensíveis. Só alguém muito inculto, frio e grosseiro não fica extasiado ao ouvir um tango como “Adios Nonino”, de Astor Piazzolla. Mas este é apenas um exemplo, há centenas de outras obras primas, de compositores e intérpretes lendários como De Sarli, Darienzo, Pugliese, Troilo, Oswaldo Fresedo, Mariano Mores e muitos outros. E tem uma sofisticação técnica que raros estilos de dança de salão alcançam, só podendo ser comparado ao samba, igualmente complexo e difícil de aprender. Como danço os dois, considero o samba ainda mais difícil. Ambos oferecem inesgotável repertório de passos e efeitos, muitos deles que você próprio vai criando, com a experiência e a prática.
A beleza plástica do tango e sua música talvez expliquem porque se espalhou de tal forma que hoje é dançado no mundo inteiro, para sorte dos grandes mestres portenhos, disputados para dar cursos e fazer shows nos mais variados continentes. Diversos já estão ricos, são fluentes em inglês e conhecem dezenas de países.
Com o tango descobri um novo caminho para aprimorar minha dança e enveredar por emoções muito fortes, ainda que eu seja um eterno amador, nunca me passou pela cabeça fazer disso uma forma de ganho adicional. Coleciono DVDs de aulas e shows, faço aulas regularmente, danço pelo menos duas vezes por semana, vou com grande freqüência a Buenos Aires (mais de 30 vezes no total) para beber direto na melhor fonte. Vale só o prazer. Uma nova porta para a felicidade plena. Sigam meu exemplo e comecem na dança. Vão descobrir uma nova cabeça e moldar um novo corpo. E acharão uma pena, com certeza, quando descobrirem o que estavam perdendo, não ter começado muitos anos antes.

segunda-feira, 7 de novembro de 2011

Recordações da Ultima Hora: a vingança do Cabral

A Última Hora, fundada e dirigida por Samuel Wainer, formava uma rede nacional. Com o mesmo título, logotipo em azul, identidade visual e seções, até onde lembro era editada no Rio, São Paulo, Recife, Porto Alegre. Depois do golpe de 1964 foi fechada e mais tarde reaberta em São Paulo. Em Porto Alegre resultou na atual Zero Hora. Fui repórter da Última Hora, nesta segunda fase, trabalhando com o Samuel Wainer, nome lendário e polêmico do jornalismo brasileiro, que colecionava tanto amigos como inimigos. Só que nessa segunda fase ele não era mais dono do jornal e sim empregado do Otávio Frias de Oliveira, do grupo Folha de S.Paulo, que havia adquirido o título.
Naquela redação convivi diariamente com nomes notáveis: Plinio Marcos, Antonio Contente, Diaféria, e um vasto time de antigos jornalistas com muita estrada e quilometragem percorrida. Eu estava naquela fase de transição, já um bom repórter mas ainda meio foca. Já estava no jornal quando o Samuel Wainer assumiu a direção. Lembro-me que o Frias chegou com ele na imensa e ruidosa redação, bateu palmas pedindo silêncio: “O bom filho à casa torna”, disse Frias, anunciando o novo diretor.
Ali me aproximei de alguns veteranos, quase tietagem, em busca das suas histórias e experiências. Um deles era Cabral, que fumava cigarro com piteira e gostava de vestir coloridas camisas de seda. Cabral, diziam, foi uma lenda do jornalismo policial. Não sei se era verdade, mas contavam que chegou a localizar bandido em morro antes da polícia. Denunciava e ficava no local esperando a prisão para cobrir como furo.
Dele contavam também o seguinte episódio:
Mulherengo, Cabral gostava de cortejar moças bonitas com belos jantares, em restaurantes sofisticados. Não tomava o cuidado de checar antes os preços, mesmo ganhando mal como todo mundo naquela época. E foi assim que levou mais uma para jantar, com direito a entrada, camarão, vinho italiano, sobremesa. Quando pediu a conta levou um susto. O preço era um absurdo, consumia boa parte do salário que ganhava num mês inteiro de trabalho. Para não dar vexame agüentou no osso. Pagou com cheque, furioso, e se retirou com sua convidada.
Nos dias seguintes aquilo ficou martelando na cabeça de Cabral.   
Estava realmente revoltado com o absurdo da conta. “Isso não vai ficar assim”, pensou, e teve uma idéia.
Chamou um contínuo da redação, prometeu-lhe uma caixinha, e pediu que fosse ao mesmo restaurante para fazer reserva de jantar para quatro pessoas. Mandava até um cheque como sinal, por garantia, e pediu ao rapaz que voltasse com a nota fiscal.
Dia seguinte, quase duas horas antes do horário previsto na reserva, requisitou uma Kombi da frota do jornal e saiu. Mandou que o motorista seguisse para os baixos de viadutos da Zona Oeste onde precariamente se abrigavam grupos de mendigos. Chegou e anunciou: “estou convidando três de vocês que queiram fazer o melhor jantar das suas vidas. É só embarcar, é tudo por minha conta”. O grupo se formou em torno da Kombi, todos queriam ir. Cabral então selecionou os três privilegiados, procurando entre eles os mais feios, esfarrapados e mal-cheirosos.
O restaurante naquele horário já tinha bom movimento e a mesa de Cabral estava prontinha, com cartão de “reservada”. Quando ele entrou com seus convidados foi um choque geral. Silêncio. Garfos e facas pousaram silenciosos nas mesas. Olhares incrédulos de todos os lados.
Cabral acomodou-se com os mendigos e pediu o cardápio para os pedidos. O dono, ou gerente, surgiu do nada: “O que o senhor está fazendo? Não pode ficar aqui com essas pessoas. Vou chamar a polícia”. E Cabral: “Isso, chama a polícia, é isso que eu quero, escândalo. Vou chamar também meus colegas dos jornais. Discriminação racial e social é crime. Estes senhores são meus convidados, cidadãos como qualquer brasileiro, e parte do jantar já está até paga, está aqui a nota fiscal”.
Nesse meio tempo, vendo a encrenca armada, e não agüentando o odor que se espalhou pelo recinto, mais da metade dos clientes já se retirava, uns rindo, outros furiosos.
O gerente capitulou. Mandou servir, postando-se de braços cruzados e cara amarrada a alguns metros da mesa. O jantar foi uma cena dantesca, de bocas abertas desdentadas mastigando vorazes, líquidos e babas escorrendo pelos cantos dos lábios, mãos imundas avançando sobre copos e travessas cintilantes. Os garçons ficaram num grupo à distância, alguns usando lenço para tampar o nariz, outros de costas para a mesa, repugnados. E Cabral recostado na cadeira, fumando com sua piteira, sorrindo, feliz.
Quando terminaram, fartos, e sozinhos na casa, o gerente se aproximou. “Senhor Cabral, pelo amor de Deus, nunca mais faça isso de novo. O senhor pode nos arruinar. Só hoje perdi vários clientes. Mas a conta está certa, o senhor não precisa pagar mais nada. Volte quando quiser, traga sua noiva, será convidado da casa”.
“Jamais – replicou Cabral – vocês me roubaram descaradamente da outra vez e agora dei o troco. Estamos quites. Agora fique tranqüilo, nunca mais pisarei nesta casa”.

domingo, 6 de novembro de 2011

Uma pista para entender o apoio dos camponeses à guerrilha em Cuba

Há muitos anos venho lendo sobre a Revolução cubana que levou Fidel Castro ao poder. Um detalhe sempre me intrigou: o que explicaria o tão grande e decisivo apoio dos camponeses à guerrilha, na Sierra Maestra?
Nem mesmo quando viajei com meu irmão Rubem Mauro, ambos como repórteres, por mais da metade da ilha, durante 16 dias, em setembro de 2004, consegui uma resposta, ou sequer uma pista, para entender isso. 
Esqueça dos idealistas, poetas e sonhadores que acham que camponeses, pela vida dura que levam, são aliados naturais das revoluções. A realidade não é aquilo que eles gostariam que fosse. É bem diferente. Camponeses são pessoas simples, sem escolaridade, geralmente manipulados por religiosos e caudilhos, e com tendência a desconfiar de estranhos. Com miséria ou sem miséria, tendem a ser conservadores, como a maioria dos pobres, em decorrência da ignorância. Claro que isso não é uma regra, estou falando em tendência.
Os camponeses bolivianos, por exemplo, vivem na extrema miséria e, no entanto, apoiavam os regimes militares de direita. Eu estava em Cochabamba, em 1972, no dia do aniversário da cidade. Era feriado e havia uma festa, com a presença do ditador do período, o general Hugo Banzer, cercado de guardas-costas. Desfilaram militares, pessoas bem vestidas e brancas, da alta sociedade local, e finalmente os camponeses, todos maltrapilhos, com panos enrolados nos pés (fazia muito frio) porque sequer tinham sapatos e botas. E olha que era a roupa que tinham para ir à festa na cidade. Eram apoiadores do regime e um dos grupos, os milicianos, desfilou portando armas, inclusive uma metralhadora pesada apoiada em tripé sobre a cabine de um caminhão. Eu estava com um amigo suíço, loiro, e por nossos tipos e roupas ficava evidente que éramos estrangeiros. Isso provocava em alguns olhares hostis, beirando a agressividade. A gente fingia não perceber.
Esse conservadorismo dos camponeses de Cochabamba é totalmente oposto ao que se verifica entre os mineiros, os trabalhadores das minas de estanho de Siglo XX, que são politizados e contestadores, além de muito organizados. A explicação para isso começa em 1952, na revolução do nacionalista e populista Victor Paz Estenssoro, o Getúlio Vargas da Bolívia, que promoveu a nacionalização das minas de estanho e a reforma agrária. Estenssoro inclusive legalizou e armou as milícias camponesas e mineiras. A direita boliviana conseguiu um importante aliado, mas sua malandragem foi manter as terras boas nas mãos dos grandes proprietários, enquanto aos camponeses cabiam pequenas glebas de terras ruins, pouco produtivas. O que por sua vez explica a permanência deles na miséria, mesmo depois de uma reforma agrária com tantos anos. Nesse tempo todo foram maquiavelicamente levados a acreditar que o “comunismo” lhes tiraria suas propriedades. Vá tentar convencê-los de que isso não tem sentido...
Já os mineiros, morrendo de intoxicação aos 35 anos de idade, e cercados também de extrema miséria, nada têm a que se apegar. Não lhes resta uma mínima ilusão. Seus sindicatos são de esquerda.
Um dos fatores da derrota e morte de Che Guevara na Bolívia, além da sabotagem do Partido Comunista local, em outubro de 1967, foi não ter conseguido o apoio dos camponeses. Por medo ou safadeza alguns até simulavam isso, mas assim que chegava o exército apontavam a direção que Che tinha seguido com seus guerrilheiros.    
Voltando a Cuba, finalmente achei a grande pista que começa a me levar ao entendimento do que aconteceu. O apoio dos camponeses a Fidel Castro foi realmente muito grande e ocorreu com extrema rapidez. Ocorreram traições e vacilações, é bem verdade, como mostra a literatura sobre a guerrilha. Mas foram poucos os casos quando comparado com o decisivo apoio, que permitiu inclusive formar e treinar colunas guerrilheiras para a luta.
Essa pista está em poucas linhas, sem nenhum aprofundamento, no livro de Anthony De Palma: “O Homem que Inventou Fidel”. É a história da vida e da aventura do célebre jornalista norte-americano Herbert L. Matthews, do New York Times. Mattews foi o jornalista plantado pela própria guerrilha na Sierra Maestra para provar à opinião pública cubana e mundial que Fidel Castro estava vivo, organizado e lutando com seus guerrilheiros. Ao contrário do que alardeava a ditadura de Fulgência Batista, apontando Fidel como morto, logo depois do desastroso desembarque do iate Gramma (encalhado no lugar errado) e dos combates na parte oriental da ilha.
E vejam, aqui com minhas palavras, o que o autor nos conta: havia naquela região um conflito de latifundiários com antigos posseiros. Quando a guerrilha se instala nas selvas das montanhas, e todos achavam que logo seria esmagada, os pistoleiros pagos pelos fazendeiros aproveitaram para fazer a limpeza. Os camponeses eram expulsos das casas e terras onde viviam e plantavam há muitos anos, sem que o Exército ou a polícia de Batista lhes dessem qualquer proteção. Pelo contrário, acobertavam os crimes. Os guerrilheiros, por outro lado, prestavam toda assistência e proteção possível aos posseiros. Eram como anjos que ali tinham chegado do céu para ajudá-los e protegê-los.
Os fazendeiros, com seus crimes; e Batista e seu exército, com sua conivência; tinham, sem nenhuma percepção do que se passava, jogado aqueles pobres coitados nos braços da Revolução.
Alguns daqueles camponeses, que na época sequer eram alfabetizados, depois tiveram acesso à educação e hoje fazem parte dos quadros do governo, em importantes cargos.
Uma das primeiras e mais drásticas medidas da Revolução foi a reformar agrária, atingindo inclusive as terras da própria família Castro. Fidel não teve a menor gratidão pelo presente que recebera dos ambiciosos fazendeiros. Todas as suas terras foram loteadas e divididas em cooperativas de produção.
Hoje, discutir a questão agrária cubana virou uma questão polêmica. Na verdade, ocorreram acertos e erros. O açúcar, por exemplo, que por muito tempo foi a pedra basilar da economia da ilha, juntamente com a mineração do zinco, caiu em desgraça com a super oferta mundial do produto. Em certo momento o governo percebeu que quanto mais produzia, mais perdia dinheiro, porque o custo era maior que a receita. Além disso, a antiga União Soviética, para ajudar Cuba, comprava o açúcar a preços fora de mercado, pagando mais.
Viajando através do país de automóvel, como fizemos, sempre à luz do dia, pudemos observar a ociosidade de extensas regiões rurais cubanas, um desperdício num território tão pequeno e com tantas bocas a alimentar, fora os problemas causados por décadas de severo bloqueio econômico norte-americano. O modelo rural cubano precisa se repensado, disso não tenho dúvida. Como também não tenho nenhuma dúvida de que sem o apoio dos camponeses a guerrilha jamais teria vencido.

sábado, 5 de novembro de 2011

Celulares versus boa educação

Editorial do jornal Dance de novembro/2011.
Celulares versus
boa educação
Uma amiga me contou e custei a acreditar: estava dançando num baile com um rapaz, deu o intervalo entre as músicas, e ali mesmo, no meio da pista e na frente dela, ele puxou o celular para conferir suas mensagens. Dá para acreditar? A que ponto que chega a grossura daqueles que, há algum tempo, neste mesmo espaço, classifiquei como os “psicopatas da tecnologia”. É a nova doença que assola o país. É claro que a moça deixou o jumento lá mesmo, sozinho, como diria uma boa letra de forró.
Nunca vou esquecer do dia, durante um festival de dança, em que fui a um shopping para almoçar com um grupo de seis pessoas. Aguardando nossos pratos, sentamos numa rodinha. O natural e esperado seria uma gostosa conversa, até porque éramos todos de dança e afinidades e assuntos nunca nos faltariam. Mas eis que cada um puxou seu celular, em silêncio, e ali ficou, de cabeça baixa, dedilhando. E eu com cara de bobo, olhando para eles. Em tom amistoso e com humor irônico fiz algum comentário. Em vão, eles não se tocam. Então naquele momento fui percebendo a triste solidão daquelas pessoas e o grau de alienação em que estão mergulhadas. O celular é apenas um objeto, frio. Reflete a alma desses seres, que vão navegando na racionalidade tecnológica e perdendo gradualmente todo sentido emocional que envolve as relações humanas. Com o tempo, se tornarão incapazes de sentir e de amar.
Agora começa a surgir um comércio dessas porcarias para, pasmem... bebês. Algumas publicações estão mostrando opiniões de especialistas que apontam o perigo disso, porque afeta o desenvolvimento mental da criança. Ela precisa de brinquedos lúdicos e educativos, inclusive que possa destruir para ver o que têm dentro e assim trabalhar sua salutar curiosidade. Isso faz parte do seu crescimento e da preparação do seu cérebro para outros avanços. O grande risco é que essa tecnologia mal aplicada e fora de hora venha a formar no futuro uma legião de imbecis, inclusive com dificuldades de comunicação verbal e escrita, porque não tiveram tempo nem oportunidade de viver a infância corretamente, em todas as suas fases. A prova é que isso já está ocorrendo com adultos. É alarmante o crescimento do número de pessoas com dificuldades para falar e escrever. Porque não foram estimuladas a pensar, desconhecem leitura e conversam cada vez menos. Basta ver os horrores que aparecem nas redações dos vestibulares, para não falar nos erros grosseiros de grafia, e olha que ali está uma suposta elite. Mas todos eles, que certamente jamais leram um livro, não se desgrudam dos seus aparelhinhos.
A falta de educação no uso de celulares que se presencia em toda parte, principalmente de gente berrando em lugares públicos e atendendo em locais inapropriados, começa a ficar preocupante e explicita também esse processo coletivo de abestalhamento, como diria em preciosa contribuição ao vernáculo o filósofo e deputado Tiririca. Eleito por eles...
Puxa, quando lembro da minha juventude em família... nas noites de verão a gente colocava cadeiras na calçada, na frente da casa, e ali ficava horas olhando a lua e conversando. Alguns vizinhos vinham se juntar. De vez em quando alguém ia buscar uma limonada geladinha e bolinhos de fubá. Havia muito diálogo. Hoje, não se conversa mais. Ah, e como uma boa conversa, quando tem qualidade, é gostosa e nos enriquece culturalmente. Gosto de sair com grandes e velhos amigos para jantar e varar horas conversando coisas interessantes e produtivas. A gente esquece do tempo, é uma delícia. Todos são muito educados, imaginem se algum vai puxar celular para conferir e-mails ou mesmo chamadas. Aí quando me reúno com uma patotinha que não sabe abrir a boca para trocar idéias, nada tem de interessante para comentar, sequer uma sacada inteligente de algum detalhe do cotidiano, lamento pelo mundinho tão restrito e pobre em que vivem.    
Não tenho a menor dúvida que essas mesmas pessoas, assim que terminam de transar, ali mesmo, na cama, pegam o celular. Antigamente era o cigarro, que agora saiu de moda e é repelido (ainda bem). Alguns carinhos e palavras de ternura depois de gozar? Não dá tempo para tanto refinamento, o celular é sempre mais importante. Contém algum tipo de urgência que acalma a psicose e carência dos seus donos. Não sei o que tanto conferem e o que deve ser tão fascinante naquela engenhoca. A julgar pelas centenas de e-mails que recebo todos os dias... 95% das mensagens se destinam ao lixo. Só pelo tema exposto já descarto, sem abrir. Então fico imaginando que essa turma lê muita abobrinha o tempo todo. E assim seus cérebros, dia a dia, vão tomando o aspecto de um canteiro repleto de inutilidades.

quinta-feira, 3 de novembro de 2011

Coisas do trânsito brasileiro

A legislação de trânsito brasileira estaria virando uma piada não fosse por um detalhe: não tem a menor graça. Fico cada vez mais impressionado com a incompetência de quem cria e também de quem aprova essas leis. Os casos mais escandalosos foram os selos de parabrisa e depois os tais kits de primeiros socorros. Só podiam ser comprados os “homologados”, uma tremenda patifaria que enriqueceu alguns, e ficou tudo por isso mesmo. Outro exemplo, atual: se você não recorrer ao manjado esquema de repassar seus pontos das multas para outras pessoas acabará sendo punido. Mas se trambicar, fazendo isso, estará a salvo. E poderá continuar cometendo novas infrações, sem nenhum risco de ganhar um gancho de 30 dias, seis meses ou um ano de suspensão da CNH, fora o cursinho de reciclagem, que engorda de forma abusiva o caixa das auto-escolas (170 reais o presencial e 150 reais à distância, em valores de outubro), e o tremendo saco e perda de tempo que é enfrentar a burocracia do Detran. Um despachante cobra um absurdo para fazer esse serviço, chegam a pedir 900 reais, e na verdade trabalhará pouco: boa parte do abacaxi quem tem que descascar é o próprio cliente.
Onde está o furo da lei? Em permitir o repasse de pontos. Isso não poderia existir, recaindo sempre a responsabilidade sobre o dono do veículo. Aí o sujeito pensaria dez vezes antes de confiar seu carro ao filhinho irresponsável ou a qualquer outra pessoa não confiável. O dono do veículo seria transformado no principal agente fiscalizador, sobretudo com atitudes preventivas. O atual formato permite e incentiva as fraudes, portanto é uma lei burra.
Mas o principal é que haveria igualdade de tratamento para todos, eliminando a possibilidade do trambique. É inadmissível que sejam punidas só as pessoas que fizeram o correto, assumindo elas próprias suas multas e pontos, enquanto os espertinhos se safam.
A questão é que a atual estrutura dos Detrans não comportaria o movimento se a lei fosse aplicada com isonomia, ou seja, para todos. Basta ver o número de motoristas que repassam seus pontos para saber claramente quantos mais engrossariam as filas para cumprir os rituais burocráticos para o cumprimento das punições.
Outro absurdo é a dupla e tripla punição, que afronta todos os princípios do Direito: se o motorista já pagou a multa, como pode continuar sendo punido com pontos, suspensões e obrigatoriedade de cursos? Ou uma coisa, ou outra. Essa overdose punitiva na verdade só encobre a incompetência oficial, incapaz de achar soluções estimulantes para o trânsito. Só pensam em punir. Desconhecem que muito mais eficaz seria a motivação. Aqui faço 3 sugestões, como exemplos: 1) Isenção de um IPVA ao motorista que ficasse cinco anos sem nenhuma multa nem acidente em seu prontuário. 2) Abatimento de cinco pontos do seu prontuário se permanecer um ano sem nenhuma multa, a partir da data da última infração. 3) Criação da categoria “Motorista Exemplar”, ou “Motorista Padrão”, ou “Motorista Ouro”, ou qualquer outro nome criado em concurso popular, que lhe daria direito a uma cartela, por cada ano sem multas e sem acidentes, para abatimento progressivo no imposto de renda e desconto no seguro obrigatório. Essa renúncia fiscal compensa como investimento em educação e pela redução do custo dos acidentes aos cofres públicos. É importante observar, por exemplo, que um acidentado, com sua necessária prioridade, está tirando a vaga hospitalar de uma pessoa que espera na fila por doença. Se isso for reduzido, e são milhares os acidentados, desafogam de forma considerável os hospitais.
Hoje, com os recursos da informática, tudo isso é muito simples de criar e controlar. Com a soma dessas medidas, ao perceber que têm também a ganhar se começarem a mudar sua postura no trânsito, uma legião de agressivos e mal-educados seriam induzidos a buscar na direção defensiva (centrada na cautela e prevenção de acidentes) os caminhos de uma conduta civilizada. E o país, além de se tornar melhor, economizaria os milhões que hoje gasta para coibir os abusos no trânsito e pagar todas as suas conseqüência nefastas, incluindo a internação de acidentados, cerca de 400 mil por ano, na maioria em hospitais públicos. Os 1,5 milhão de ocorrências, com cerca de 34 mil mortes por ano, segundo dados oficiais do Sistema Brasileiro de Trânsito, evidenciam que só esse setor, fora as demais violências, é pior no Brasil do que qualquer guerra em curso no mundo.      
A combinação equilibrada e inteligente de punição com motivação nos daria um trânsito com certeza muito melhor. A prática apenas da punição só gera rancor, e mais ainda quando é injusta e só aplicada a alguns. A motivação, ao contrário, deixa as pessoas mais leves, educadas e até solidárias. Então minha sugestão é também que a motivação se sobreponha gradualmente, na lei, aos atos meramente punitivos.  
Ocorre que se todo mundo andar bonitinho e for educado no trânsito vai cair substancialmente a arrecadação. Isso derrubaria a indústria da multa, que hoje engorda os cofres públicos. E eles sabem disso. Tanto que o orçamento de arrecadação da Prefeitura de São Paulo prevê as receitas com multas de trânsito. Como pode uma coisa dessas? Como é que alguém pode fazer uma previsão de orçamento baseada no imponderável? E na ilegalidade? A não ser que infrações de trânsito não sejam mais interpretadas como ilegalidades dos motoristas... Em 2010, por exemplo, São Paulo bateu recorde de arrecadação em multas de trânsito, com o montante de R$ 473 milhões. Com o natural aumento da frota circulante e do número de radares (pularam de 508 para 576 em um ano), e de agentes pela cidade, é óbvio que esse valor vai crescer sempre. A previsão para 2012 é de R$832 milhões. As ruas mal conservadas mostram que essa fortuna não retorna na totalidade à sua origem, que é o sistema viário.
Sabe-se que em algumas cidades do interior o equilíbrio orçamentário depende desse tipo de arrecadação. Aí cabe a pergunta: interessa mesmo aos seus prefeitos um trânsito tanto quanto possível perfeito e sem infratores? É claro que ninguém vai admitir isso, seria uma estupidez, mas a resposta pode ser encontrada na sinalização sem critérios e sem racionalidade que se vê em toda parte, além de semáforos que fotografam sem tempo de tolerância nas mudanças.
Há vários absurdos na nossa legislação de trânsito. Um dos mais graves é o tratamento dado aos diferentes infratores. Um bêbado que enfia seu carro sobre calçadas e mata pessoas é menos punido, proporcionalmente, que o motorista flagrado a 65 por hora quando o limite era 60. Esses assassinos continuam impunes, ou cumprem penas ridículas. Outro absurdo é estabelecer níveis toleráveis de alcoolismo, quando o correto seria impor a tolerância zero. O certo seria não poder beber nenhuma gota, e ponto final, porque a reação de cada organismo à bebida é diferente, não segue um padrão homogêneo. E vai variar também em cada pessoa conforme sua alimentação e pressão arterial no momento da ingestão do álcool.
Alguns detalhes da legislação são incompreensíveis, para não dizer malucos. É o caso do motorista que “arremessa sobre pedestres ou outros veículos objetos ou detritos”. Isso é considerado uma infração média. Não consideram grave, muito menos gravíssima. Dá para entender? Essa tibieza da lei permite  que multidões de motoristas e passageiros mal-educados arremessem lixo nas ruas e estradas.  
Sei da inutilidade de escrever tudo isso neste país de autoridades cegas e surdas, para não entrar no lamaçal da corrupção. Vou encerrar contando o seguinte episódio: em 1995 eu era editor-chefe do “Jornal do Economista”, do Corecon - Conselho Regional de Economia (SP), e fiz uma matéria de duas páginas com várias sugestões (totalmente novas) para melhorar o trânsito de São Paulo. Sugeria, por exemplo, a criação da rádio trânsito, que só foi surgir muito tempo depois; sinalização de vias alternativas para desafogar as grandes avenidas; um sistema para organizar o transporte escolar e acabar com as filas duplas; e várias outras idéias.
Tive o cuidado de enviar o jornal, acompanhado de uma cartinha, para todas – eu disse todas – as autoridades que dirigem os órgãos de trânsito: Detran, CET, Secretaria Municipal dos Transportes, etc.
Ganha um doce quem acertar quantos me responderam com algum comentário ou mesmo simples agradecimento pelo interesse de um cidadão em melhorar sua cidade. Isso: quem pensou zero acertou. Nenhum diretor desses órgãos multadores e mal-afamados quando se trata de prestar serviços públicos teve sequer a delicadeza de acusar o recebimento da cartinha e do jornal.
Isso mostra o descaso deles com os cidadãos. Se fosse uma matéria de pau, denunciando patifarias, com certeza teriam respondido com um indignado texto.
Queridas e queridos, isso é o Brasil. Um país lindo e amado, mas também desolador.

quarta-feira, 2 de novembro de 2011

Amigas e amigos


Jornalista não se aposenta. Ainda mais como no meu caso, que aos 12 anos já sabia que profissão queria seguir. Era repórter do jornal mural do grupo escolar e cheguei a fazer um jornalzinho da minha rua, em Santa Maria (RS), que só tinha uma página e era escrito de punho. Minhas redações faziam sucesso na escola, porque deixava a imaginação viajar. Vale lembrar que naquele tempo ainda existiam escolas de datilografia, com formatura e diploma, o máximo que a tecnologia permitia alcançar. Fosse hoje, teria começado por onde agora estou terminando, com um blog.

É bem verdade, quem já me conhece sabe disso, que tenho um jornal mensal, impresso (10 mil exemplares) e também via internet. É o Dance, com 17 anos. Mas o Dance é um jornal especializado, voltado sobretudo à dança de salão, que amo e pratico desde os 14 anos. Estou com 66, façam as contas... No Dance não posso tratar de certos temas que me deixam altamente motivado a escrever todos os dias, seja para protestar ou elogiar. Mesmo assim, por falta de outro canal, já cometi ali algumas ousadias. Um bom exemplo foi a edição em que dediquei duas páginas à sugestões para melhorar a cidade. Coisa rara, convenhamos, alguém se arriscar propondo idéias, quando o mais cômodo é simplesmente falar mal. Distante há longo tempo das grandes redações, que me deixaram belas lembranças mas nenhuma vontade de retornar (tudo tem seu tempo), fiquei sem tribuna. Este blog, montado com a ajuda valiosa de uma querida amiga, a jornalista Liana Carolina, a quem nomeio como homenagem sua madrinha, nasce para dar vazão ao meu velho coração de repórter.

Espero continuar cumprindo bem o meu papel, com olho crítico e honestidade, contando com a leitura e opinião complementar de vocês, seja para concordar ou discordar, sempre com elegância e respeito, indispensáveis nas relações humanas civilizadas. Isso muito me honrará e deixará feliz.

Beijos!