Antes e Depois
do Tango
Milton Saldanha
Atalhos para
iniciantes
Aprenda a dançar
Conheça um mundo
fascinante
E mude sua vida
O que saber,
pensar, discutir
Dedicado a
Francisco Ancona
Amigo de longa
data e parceiro de muitas jornadas,
no mar e na
terra.
Homenagem
especial aos meus amigos argentinos.
O tango nos uniu
e nos ensina que só a paz interessa ao nosso continente, como exemplo ao mundo.
Conteúdo
·
Dicas
práticas e úteis
·
O
autor
·
Obra
do autor
·
Primeiros
passos no tango
· A caminhada,
acima de tudo
·
Prefácio
de Maritsela Zamoner
·
Glossário
básico
·
É
indispensável ter paciência
·
O
abraço, essência do tango
·
E
chega a hora do baile
·
Tango
show, tango salão,
·
Coreografia,
improviso
·
Filmar
ajuda muito
·
E
Youtube, ajuda?
·
A
cara dos bailes
·
Bailes
ruidosos atrapalham a música
·
Bailes:
vamos fazer um acordo?
·
Ensinar
é uma arte
·
Aula
em grupo ou particular?
·
Só
a técnica resolve
·
A
química perfeita na dança a dois
·
Corpos
musicais
·
Parceiro
fixo? Bom, mas não indispensável
·
Para
saber mais: livros sobre tango
·
Paixão
por Buenos Aires
·
Etiqueta
e códigos do baile
·
Conclusão
Não há como descrever o fascínio de
dançar tango. Só experimentando para saber. Neste trabalho, escrito por quem
estuda tango intensamente há 14 anos, e se declara eterno aluno, você
encontrará dicas e provocações para um amplo debate.
“Antes e depois do
tango”
pode ter variados significados. Comece a dançar. Rapidamente descobrirá o que
melhor se aplica a você.
Este trabalho,
focado em estimular e ajudar a orientar iniciantes, com visão crítica sobre o
ensino, reúne um pouco do que o autor aprendeu com renomados professores, argentinos e
brasileiros. Contém também sua própria experiência e conclusões.
Alerta
do autor: mesmo focado só no iniciante, este trabalho está longe de esgotar o
assunto, que é muito mais vasto. Só o tema metodologia de ensino comportaria
várias vezes o volume deste trabalho. O objetivo aqui é apenas fornecer, a quem
está chegando, uma visão básica sobre o universo tangueiro.
Duas propostas do autor constituem a espinha dorsal
de “Antes e Depois do Tango”, para reflexão e debate: a primeira é que a
caminhada e a técnica devem constituir a base inicial do estudo do tango. Só
depois de bem assimilado isso pelo aluno se partiria para os passos e adornos.
Motivos: fica mais fácil aprender e o aluno já parte de um padrão de qualidade
em sua dança.
A segunda se refere ao uso do tônus muscular
aplicado a cada tipo de música: mais intenso nas lentas, mais suave nas rápidas.
Motivos: a estrutura corporal tem que derivar da emoção passada pela música.
Isso determina a fluência nos movimentos e também a densidade da pisada.
O autor
Milton Saldanha Machado, 70 anos, começou no
jornalismo em 1963, aos 17 anos, no jornal A Cidade, de Santa Maria, RS. A
vocação foi um impulso natural: já na infância fazia jornais escolares e até
criou um da sua rua. Na adolescência, secundarista, fez política estudantil e
jornais engajados. Formado em Comércio e Propaganda. Cursou durante quatro anos
a escola de inglês Alumni e fez imersão nos Estados Unidos. Foi repórter,
redator, editor, tradutor de inglês, chefe de reportagem e editor-chefe.
Trabalhou na imprensa de Santa Maria, Porto Alegre e São Paulo, passando por
jornais, revistas, agência de notícias, rádios, TVs e assessoria de imprensa.
Entre os principais veículos, em cargos de chefia, no Estadão, Rede Globo e Diário
do Grande ABC. Em assessoria, na Ford Brasil, IPT e Conselho Regional de
Economia. Foi repórter/redator no Diário Popular, Shopping News, Folha da Manhã
(RS), rádio Jovem Pan, Ultima Hora, Metrô News e Guaru News, TV Manchete. O
último emprego formal foi como editor-chefe do Jornal do Economista.
Participou de projetos de lançamento de diversas
novas publicações, principalmente de economia e do setor automobilístico. Uma
delas foi a revista Motor 3, da Editora Três. Outro foi o semanal Boletim IOB
Negócios. Foi preso político em 1970, durante a ditadura, em pleno exercício da
profissão de jornalista, no Diário do Grande ABC. Em 1988, anistiado pela
comissão especial do Ministério da Justiça. Pouco antes de se aposentar, em
1994, fundou o jornal Dance, pioneiro na dança de salão. Com o Dance, fez
coberturas por todo o Brasil e em vários países, entre eles Cuba, como
convidado oficial, tema de uma edição especial com 16 páginas. Apaixonado por
dança de salão, um hábito de família, pratica desde os 14 anos de idade. São 57
anos de dança. Apreciador de viagens, já pisou em cerca de 70 países. Só a
Buenos Aires foi mais de quarenta vezes, atraído pelo tango. Em 1994, a convite
de Francisco Ancona, participou da equipe fundadora do Cruzeiro Dançante ao
Prata, no navio Eugênio Costa. Foi a semente do Dançando a Bordo e depois dos
cruzeiros Tango & Milonga e Movida Latina, pelas companhias irmãs Costa Cruzeiros
e Ibero Cruzeiros. Participou de todos, como membro da equipe organizadora. Além
dos próprios livros, escreveu, como convidado, apresentações e resenhas para
diversos livros de dança, entre eles de Carlinhos de Jesus, Maristela Zamoner,
Sandra Ruthes, Marco Antonio Perna, Alexandre Melo, Steven Harper, Marcelo
Grangeiro, Ana Maria Navés (Argentina). Atualmente é cronista do jornal
(impresso) “Falando de Dança”, do Rio de Janeiro, e administrador do grupo
público jornal Dance, no Facebook, juntamente com a jornalista e zouqueira
Liana Carolina. Na área do tango, que estuda e pratica intensamente há 14 anos,
escreveu dezenas de artigos e fez colaborações para revistas especializadas de
Buenos Aires, com textos e fotos. Como aluno e repórter de dança, freqüentou
festivais e campeonatos de tango, em várias cidades brasileiras e argentinas.
O autor nunca parou de fazer aulas, é frequentador
habitual de milongas, nunca competiu (mas foi jurado em concurso de tango).
Obra do autor
O País Transtornado (Editora
Movimento, Porto Alegre, 2012). Conta e comenta, com sua própria memória e
experiência, os principais episódios dos últimos 60 anos da História
brasileira.
As 3 Vidas de Jaime Arôxa (Senac Rio
Editora, Rio de Janeiro, 2007). Narra a vida turbulenta, mas depois de sucesso,
de um ícone da dança de salão. Teve patrocínio da Costa Cruzeiros e lançamento
no Dançando a Bordo.
Maria Antonietta, a dama da gafieira (Phorte Editora,
São Paulo, 2010). O autor, em projeto da Costa Cruzeiros, entrevistou e transformou
em crônicas os depoimentos de diversas pessoas sobre a grande mestra da dança
de salão carioca. Teve lançamento no Dançando a Bordo.
Porto Alegre, Ontem e Hoje (antologia,
Editora Movimento, Porto Alegre, 1972). Ao lado de consagrados escritores gaúchos,
o autor participa com uma crônica sobre uma praça histórica de Porto Alegre. O
livro foi bestseller no ano de
lançamento, na Feira do Livro de Porto Alegre.
Tapetes vermelhos
para quem chega ao tango
Maristela Zamoner
No Brasil são raras as obras sobre o tango, e voltadas para iniciantes. Assim, um livro brasileiro dedicado aos que
tem seu interesse despertado por esta arte já é, por si, relevante. Afinal, o
próprio autor nos lembra, com muita propriedade, que o futuro do tango está
naqueles que começam seus primeiros passos hoje.
Neste livro trata-se sem rodeios de temas como a relevância de se
dedicar incansavelmente à caminhada, a mágica descoberta do abraço, a
serenidade necessária ao aprendizado técnico, que nunca acaba, os encantos das
milongas que de tantas formas se expressam, os mistérios da química entre os
que dançam. E, ainda, nos é dada a oportunidade de passear deliciosamente por
Buenos Aires.
Além de situar um iniciante no contexto geral desta cultura magnífica do
tango, o livro traz idéias inéditas que o autor elaborou de forma original a
partir de suas extensas vivências em dezenas de países, incluindo participações
em milongas, aulas, realizando entrevistas com grandes nomes da área, cruzeiros
temáticos e os mais variados eventos experimentados ao longo dos seus 14 anos
no tango.
Um bom exemplo é o conceito do uso do tônus muscular conforme a música,
uma proposta do autor, que ultrapassa muito a ideia da adequação dos movimentos
aos sons.
A sensação que temos ao ler este livro é de estar ao lado do autor,
compartilhando um bom café em uma bela confeitaria portenha. Milton conversa de
forma leve, agradável, envolvente, permeada por dicas preciosas e livres de
conceitos engessados. A sabedoria perpassa cada parágrafo que nos apresenta
encantos e ao mesmo tempo revela o valor das buscas e descobertas individuais.
Milton tem esta rara habilidade de “conversar” deslizando
pelos nossos pensamentos exatamente como o vi fazer pelos salões, doce,
gentil, centrado e sem deixar de expor o que precisa. Quando vemos, terminamos
a leitura com um gosto intenso de querer experimentar mais tango e estampando
um sorriso inevitável no rosto.
É neste viés que o autor orienta quem chega a este universo tangueiro e,
diante de sua magnitude, se vê perdido, em busca de referências consistentes
que são tão difíceis de se encontrar.
O livro mostra caminhos como tapetes vermelhos que recepcionam seus mais
estimados convidados à leitura e à vivência do tango, iluminando esta chegada a
um mundo de belezas e mistérios capazes de reinventar vidas.
Maristela
Zamoner, de Curitiba, é mestre em Ciências Biológicas pela UFPR, especialista em
educação, professora. Trabalha intensamente na área de dança e escreve para a
mídia especializada, com destaque para o jornal “Falando de Dança”, do Rio. Tem
mais de 25 trabalhos publicados e recebeu vários prêmios.
Glossário tangueiro básico
Milonga – É o nome que se
dá ao baile de tango. Cada milonga tem uma personalidade, ou detalhe que a
difere de outras. Em algumas, por exemplo, os homens sentam num lado e as
mulheres no outro, ficando de frente para o cabeceio. Outras não adotam isso,
misturando todos nas mesas. As mesas não são exclusivas, para que todos sentem.
Ao entrar no salão, aguarde pelo encarregado de acomodar as pessoas. A palavra
milonga define também um tipo de música, mais alegre e descontraída, com um
modo próprio de dançar, variando se for lenta ou rápida.
Prática – Baile informal.
Como o nome indica, para se praticar o aprendido em classe, trocar idéias,
experimentar novos passos e recapitular os antigos. Na prática há liberdade
para interromper a dança e conversar com a parceira, ou parceiro, para
correções e dicas. O ideal é que isso aconteça, porque é a finalidade do
encontro. Na prática será insensatez se alguém reclamar disso, porque não é um
baile convencional. Já a milonga normal não é lugar para fazer aulas, exceto
trocar alguma informação rápida, em lugar que não atrapalhe o fluxo do baile.
Mas, conforme a milonga, nem isso, pois cada uma tem sua cultura e códigos.
Quem respeita mostra que é do ramo. Convém ressaltar que o baile brasileiro é
bem diferente do baile argentino. Nem há como querer que sejam iguais, pois os
temperamentos dos povos são diferentes, é questão cultural. Cada um tem seu
jeito, e ninguém pode querer impor nada ao outro. Lá respeitamos o formalismo
deles. Aqui eles têm que respeitar nosso modo de ser.
Tanda - Seleção musical. Geralmente tocam quatro tangos, da mesma
orquestra, para manter um padrão homogêneo nos arranjos. Nas tandas de milonga
e vals (valsa), que exigem mais fôlego dos dançarinos, tocam três músicas. Em
La Viruta, em Buenos Aires, a música é contínua, com tandas coladas, sem
cortinas. Os casais param quando desejam. É uma característica da casa e caso
raro. No baile tradicional, ao encerrar a tanda, todos deixam a pista e voltam
para seus lugares. Isso estimula e facilita o rodízio entre os parceiros. A
praxe é dançar a tanda inteira com a mesma pessoa, mas isso não é rígido. Veja
mais detalhes no capítulo sobre etiqueta e códigos do baile.
Cortina – Pedaço
curtinho de música, do gosto do DJ, que anuncia o intervalo entre as tandas. A
cortina não muda durante o baile. Nesse momento todos voltam às suas mesas. É a
oportunidade para a troca de parceiros. Os brasileiros, criativos, criaram a
cortina com música inteira, para dançar. É quando toca um samba, forró ou
bolero. Mais raramente, salsa ou zouk. Isso permite que pessoas que não dançam
tango também possam usufruir do baile, além de quebrar a rotina. Os puristas do
tango não gostam. Outros gostam, caso deste autor.
Cabeceio – É um código da
cultura tangueira portenha. Consiste em dirigir o olhar para alguma pessoa
sinalizando que deseja dançar com ela. Cuidado para não confundir com paquera.
Tanto homens como mulheres podem tomar a iniciativa. Havendo interesse, a
pessoa corresponde ao olhar, esperando a confirmação do convite do homem. Não
havendo interesse, desvia-se o olhar, de forma discreta, para não parecer
agressivo. Como geralmente o homem confirma o convite com um suave movimento de
cabeça, deu origem ao termo cabeceio. O cabeceio é um traço cultural argentino,
espontâneo. Não funciona em outros países, como o Brasil, salvo raras exceções.
Aqui, quem não conhece, achará que se trata de paquera, e isso envolve riscos,
que não vale a pena correr. A grande vantagem do cabeceio é que a mulher também
convida para dançar. Como há muita gente
no baile, são comuns os enganos no cabeceio. Sempre confirme se é com você
mesmo, antes de partir ao encontro da pessoa.
Ronda – Uma faixa
imaginária, no entorno da pista, junto às mesas, na qual circulam os dançarinos
que se deslocam, fazendo o baile rodar. É a ronda e sua dinâmica que dão
qualidade ao baile. Se for caótica, desorganizada e lenta, com casais recuando
ou entrando em diagonal, o baile será muito ruim. Mas se a ronda fluir, sempre
para a frente, sem ninguém trombar e sem fazer estrepolias no lugar errado,
teremos um baile de grandes tangueiros. A ronda, assim como o baile geral, tem
regras de circulação, que você conhecerá neste trabalho.
Abraço – Essência do
tango. Há rituais para iniciá-lo, não é de qualquer jeito. Isso é uma das
gostosas frescuras do tango, que lhe dão charme. Por ser muito importante, o
abraço mereceu capítulo especial neste trabalho. Quem vê pela primeira vez um
baile de tango imagina que estão todos apaixonados. Não deixa de ser verdade,
mas é pela música e dança.
Lunfardo
– Gíria portenha, quase um dialeto, muito presente em letras de tango. O
lunfardo tem academias e cultuadores, na Argentina, e até dicionários. Entra
aqui apenas como curiosidade, não é importante conhecer.
Canyengue – Forma como era
dançado o tango em sua origem, inicialmente só entre homens. Com abraço em
diagonal, e braços que se movimentam muito, mais apontados para o piso. Até
hoje tem seguidores. É raro nos bailes, e não deve ser tentado sem saber se a
parceira gosta.
Nível de baile – No Brasil há
poucos tangueiros e poucas milongas. Os turistas são raros e os praticantes se
conhecem. Em Buenos Aires é o contrário, há muitos praticantes e muitas
milongas, sempre com turistas misturados aos locais. Mas lá todos também se
conhecem, pelo menos de vista. Existe uma natural divisão entre os dançarinos,
no que chamam de nível de baile. Assim, algumas milongas ficam marcadas pela
fama de baixo, médio ou alto nível de baile, ou seja, pela qualidade técnica e
habilidade dos seus tangueiros. Mas isso só interessa a quem mora lá. Os
turistas não estão preocupados com isso, e estão certos, e poderão ser vistos
em todos os lugares. Para o iniciante, se aventurar nas arenas das feras será
difícil achar interessados em dançar. E haverá o natural receio de fazer feio,
que é saudável na formação do senso crítico. Mesmo assim vale a pena conhecer
lugares de tango avançado para apreciar o baile bonito, onde dançam ao piso,
sem pernas altas, e com muita beleza. Observação também ajuda muito no
aprendizado. A busca de parâmetros tem que ser sempre nivelando para cima,
jamais para baixo. Lembre-se que ruindade pega, é um perigo. Tenha olhos para
quem dança bem, buscando aprender.
DJ – Na origem, dos áureos tempos do
rádio, era o disc jockey,
especialista em determinado gênero musical, que conhecia a fundo. Não só tocava
as músicas, em programas de grande audiência, como também explicava tudo sobre
elas e seus autores. Alguns eram irreverentes e críticos implacáveis, como o
mais célebre de todos, o imortal Ary Barroso. Com o tempo, a função chegou
também aos bailes, matando as orquestras, e se vulgarizou parcialmente. O
verdadeiro DJ é diferente do mero apertador de botões, ou curioso musical. No
tango, que é o que aqui nos interessa, não basta o DJ saber os nomes das
músicas: mais importante será conhecer as orquestras que melhor interpretam
cada um. E saber diferenciar tangos só para ouvir de tangos para bailar. Buenos
Aires tem DJs já lendários, como Horacio Godoy (La Viruta) e Mario Orlando (La
Ideal, Sunderland, outros). E desponta a jovem Vivi La Falce. O grande DJ é
aquele que empurra os dançarinos à pista, sem dar fôlego. Mas tem que saber
dosar a energia entre cada tanda. E não abusar só dos cantados, ou só dos
orquestrados, porque isso torna o baile enfadonho. É tarefa muito difícil. Tem
que ser pesquisador incansável. A exemplo da dança, leva anos para se formar um
brilhante DJ de tango.
Portunhol – É a linguagem
inventada por brasileiros e argentinos para uma comunicação rápida e prática. O
famoso quebra galho. Misturam-se português e espanhol, com algum esforço de
entonação e pronúncia. Não serve para conversas muito formais e de maior
profundidade. É comum inventar termos que não existem, mas ninguém liga, o que
interessa é captar o sentido. O único risco é o falso cognato: a palavra é
parecida, mas tem significado diferente em cada língua. Isso, as vezes, gera
situações hilariantes. Por um motivo qualquer, uma brasileira falou a um
argentino, numa milonga: “Você me deixou embaraçada”. Embaraçada em espanhol é
mulher grávida. Na Bolívia, bacana significa feio. Olha o risco do elogio virar
insulto. Em inglês, há centenas de falsos cognatos. Por isso as legendas dos
filmes contém absurdos. O mais comum é chamar policial civil como “oficial”,
uma classificação militar. Conforme a situação, não será prudente usar o
portunhol. Fale em português mesmo, devagar e abrindo as sílabas de cada
palavra.
Traspié - Não incluiremos
glossário de passos aqui pela dificuldade de descrevê-los com palavras. Mas é
fundamental que você saiba o que vem a ser traspié. Ouvirá muito isso em
classe. Corresponde ao nosso contratempo, um movimento rápido que ajuda quando
se dança no ritmo (e não na melodia), e na transição entre os passos.
Chacarera – Música e dança
folclórica, da cultura rural, que segue uma coreografia padrão. Homens de um
lado, mulheres de outro, frente a frente. Em alguns movimentos se abraçam,
depois voltam a dançar soltos. A mulher dança para seduzir o homem. Ele, para
se exibir para ela, mostrando sua virilidade e destreza no sapateado. A
chacarera, tocada apenas uma vez, como um intervalo do baile, alegra as
milongas. Em chacareras bem típicas, não em todas, alguém dá voz de comando
para os movimentos.
Sequência coreográfica - Se refere a uma
sucessão de passos previamente treinados, que se executa como um movimento
único, fluindo sem interrupção. Pode ser longa, média ou curta. Sem que ambos
conheçam, a execução é difícil. Muito comum em aulas de festivais. Mesmo que a
pessoa não decore, para repetir no baile, ajuda como treino para desenvolver
reflexo e fluência na dança.
Reflexo – É a capacidade
de improviso e/ou resposta rápida nos movimentos, sem ter planejado. O reflexo
ajuda na correção de supostos erros, sem interromper a dança, e também para
torná-la muito dinâmica e fluente.
Quanto mais se dança, mais aumenta o reflexo. Quem só dança coreografado e/ou
apegado a esquemas previsíveis, com receio de ousar, não desenvolve reflexo.
Passo – Um movimento com
efeito estético, que dá brilho à dança.
Técnica – Maneiras de se
usar o corpo, e as energias, para se obter um bom resultado nos passos, giros,
caminhadas e pisadas. É notório, no baile, quem dança com técnica, ou sem ela.
Sua importância é fundamental para quem desejar dançar bem. É sempre uma parte
difícil do aprendizado, porque geralmente implica também em reeducação do
corpo. A técnica precisa ser intensamente praticada até ser absorvida pelo
corpo e se tornar natural, sem denotar esforço. Quem se dedica ao estudo da
técnica aprende o resto com mais facilidade.
Adorno – Movimento de
efeito, pequeno, que torna o tango gracioso, principalmente na interpretação
feminina. Para fazer de vez em quando. Como se trata de um enfeite na dança, em
excesso perde a graça. Há também adornos masculinos. Quando um faz o adorno,
compete ao outro esperar, para não estragar tudo. O adorno é um movimento
individual, não se trata de uma marcação, então não precisa ser acompanhado.
Tango salão – Estilo de dançar
no baile, contido, para que se possa dividir democraticamente o espaço com
outras pessoas. Envolve códigos consagrados, que precisam ser respeitados. Você
conhecerá os principais neste trabalho.
Tango show – O nome é
auto-explicativo. Não há limites, porque geralmente é um único casal que ocupa
o palco, ou a pista de baile, em apresentação. Tem que conter grandes efeitos
para merecer a definição. O tango show permite inclusive pegadas aéreas,
impensáveis nos demais estilos de baile. Mas nem toda apresentação é tango
show. Ocorrem também nos demais estilos.
Emoção – É o principal
pré-requisito de um tango lindamente dançado, com extremo prazer. Suplanta
tudo. Sem ela, não adianta saber mil passos e técnicas, porque a dança fica
fria e perde a beleza. A emoção deriva da música que chega ao seu coração, o
principal órgão do corpo também no tango.
Primeiros passos no tango
Bem-vindos, novos tangueiros!
Tango não basta apenas dançar. É preciso entrar no
universo mitológico dessa música e dança. São muitos os livros que tratam do
assunto, sob os mais variados enfoques. Há filmes, de ficção e documentários.
Registros históricos. Jornais e revistas. Museus. Pontos históricos, tendo como
mais célebre o bairro La Boca, em Buenos Aires. Existe até uma moda tangueira,
com uma rede de lojas de roupas e sapatos, femininos e masculinos. Outras lojas
vendem CDs e objetos de decoração. Com tudo isso, e mais de uma centena de
milongas (bailes) semanais, só em Buenos Aires, dezenas de orquestras de
variados portes, casas de shows para turistas, além de vários pequenos e
grandes festivais, com destaque para o campeonato mundial, anual, promovido
pelo governo, o tango é um grande negócio para os argentinos. Movimenta milhões
de dólares. Mas para eles, e para o resto do mundo, onde hoje está presente, o
tango é acima de tudo emoção.
Vira vício. Um vício gostoso, saudável, que só faz
bem ao espírito e ao corpo. Dele não queremos nos curar.
Tem muita frescura? Sim, o tango é repleto de
frescuras, e aí está grande parte da sua graça. Se fosse algo banal e simples,
que qualquer um faz, sem mistérios e sem glamour, não causaria fascínio.
Você vai compartilhar disso se não desistir nas
primeiras dificuldades do aprendizado. De fato, elas existem, mas são
superáveis. Afinal, se trata de uma dança complexa, com vasto repertório de
passos, muitos detalhes técnicos, infinitas possibilidades nos movimentos.
Depois, gradualmente, tudo vai ficando mais fácil. E existe a opção de querer
dançar muito bem, ou apenas se divertir, sem outras ambições. A escolha é
sua.
Sou jornalista especializado em dança de salão há
mais de 20 anos. E tangueiro há 14 anos. Mas, na verdade, danço há 56 anos,
cultivando um gostoso hábito da minha família. Não perdíamos bailes, nos tempos
das grandes orquestras, com vinte músicos e vasto repertório. E fazíamos os
nossos próprios bailes, em casa, aproveitando a sala grande e o piso de
madeira, ao som de LPs de vinil. De vez
em quando era contratado um sanfoneiro, para músicas gaúchas. Lotavam de amigos
e varavam a noite. Quitutes, feitos por dona Neusa, minha mãe, e bebidas, tudo
de graça ao pessoal. Que tempos!
Não sou professor, apenas dançarino. E eterno aluno.
Então teremos aqui uma conversa de aluno para aluno, com dicas importantes,
para abreviar o aprendizado.
Não sendo professor de dança, mas jornalista, e
praticante de tango só por hobby, sem ganhar um único centavo com isso, fico
livre de conflitos éticos e disponho de ampla liberdade para opinar. Por
exemplo, não recomendo a ninguém ter todo o tempo um único professor. É
interessante conhecer os diferentes estilos, as técnicas, e também as
divergências entre eles, que são muitas, o que acho extremamente salutar. Depois,
você faz suas escolhas e estabelece seus próprios critérios, com ampla
liberdade.
Para que fique bem claro o que estou tentando
explicar, vou dar um exemplo: há professores que ensinam a dançar com os braços
rígidos e alongados. Outros preferem braços mais suaves e próximos ao corpo.
São linhas, nenhum está errado. Errado será se algum deles afirmar que o seu
modo é o único e correto. É importante que você, como iniciante, saiba que
existem diferentes correntes no ensino. Mas a principal referência, que dá à
modalidade uma identidade, é o tango portenho, o praticado em Buenos Aires.
Usa-se o termo “milongueiro” para definir quem
frequenta as milongas, os bailes, mas serve também para identificar um estilo
de dançar, com abraço fechado e pés rentes ao piso. Ser considerado um bom
milongueiro é uma distinção.
Os professores, em geral, seguem o que aprenderam
com seus mestres. Por isso valorizo muito o professor que não para de estudar,
procurando para isso os grandes ícones do tango. Estes passam a ser mais
flexíveis, porque abdicaram do pensamento único. E vão oferecer a você mais
possibilidades e alternativas técnicas
Um bom teste, na hora de escolher o professor, será
perguntar há quanto tempo ele dança tango. E quando, e com quem, foi sua mais
recente aula de aperfeiçoamento. Se a pessoa falar que foi há dez anos, esqueça
dela. Estará superada. O tango é uma arte viva, dinâmica, avança a cada ano. E
há também os passos manjados demais, que vão caindo do currículo e ninguém mais
faz nos bailes. Se o professor não acompanha a evolução da dança e suas
tendências, vai lhe ensinar coisas velhas. Além disso, os métodos de ensino
também tendem a mudar. Se o professor não se recicla, quem perde é você,
principalmente tempo.
O tempo de tango do professor também é muito
relevante. Com apenas três ou cinco anos de tango ninguém está pronto para dar
aulas. Que me desculpe pela franqueza quem faz isso, mas como tangueiro e
pesquisador do tema, não aceito. Corro aqui até o risco de perder amigos, mas a
verdade tem que prevalecer. Quem for milongueiro, de fato, vai concordar.
Tal é a complexidade do tango. É dever de todos
rejeitar “professores” improvisados, meia boca, desprovidos de autocrítica.
Além disso, conhecer não é sinônimo de saber transmitir. Há dançarinos fantásticos
que, dando aulas, são uma lástima. O contrário também, professores que pouco
mostram nas pistas e ensinam de forma admirável. Isso se compara ao diretor de
teatro, que não atua mas orienta; ou ao técnico de futebol, que não joga mas
organiza a equipe e sua estratégia.
As poucas dicas que aponto aqui, em texto, são
coisas básicas, e em hipótese alguma dispensam a necessidade de aulas e muita
prática. O mesmo se aplica a vídeos e observação em bailes, que são meramente
complementos auxiliares das aulas. Não que seja impossível aprender sozinho,
mas quem tentar isso perderá muito tempo e carregará para sempre vícios e
deficiências técnicas. Foi o que aconteceu comigo na natação, que pratiquei
muitos anos, como exercício físico: aprendi sozinho, nadava os quatro estilos,
e tudo tecnicamente errado. Confesso que até tentei, mas não tive paciência
para reaprender. Livrar-se de vícios é um inferno. Só que o resultado era um
nado feio e cansativo. No tango será a mesma coisa: quem passar por uma
formação básica precária dançará sempre mal, e terá muita dificuldade nas aulas
dos estágios intermediário e avançado.
Eu não adotaria nenhum professor de tango com menos
de dez anos de prática intensa. Como sempre dancei os demais ritmos, posso
assegurar que o tango e o samba envolvem um processo de maturação muito longo,
demora anos. Será raro, e demonstração de invulgar e precoce talento, quando
alguém muito jovem se destaca nestas modalidades.
Apenas ressalto que essa questão do professor é um
critério meu, segue quem quiser, porque todo mundo é livre. Quem quiser
professor com um ano de tango, que sequer tem noção do que seja uma base
cruzada ou paralela, ou se espanta quando ouve falar em projeção de quadril ou
torção, pode adotar, não é problema meu, e boa sorte!
Essas questões quebram dogmas e eliminam a figura do
dono da verdade, muito comum entre velhos tangueiros. Incluo nisso este
trabalho, sem a arrogância de achar que não esteja exposto à polêmica. Pelo
contrário, declaro aberto para receber elogios, adendos, críticas,
contestações. Qualquer ponderação será recebida como ajuda à reflexão. Mas não
basta só afirmar, será sempre indispensável fundamentar e aprofundar o ponto de
vista.
Já mudei de opinião em vários temas de dança, ao
longo do tempo, como fruto de estudo e reflexão. Uma delas, que tratei em
editorial no jornal Dance, foi sobre
professor ter que dançar com aluno em bailes. Sou contra. Aula é aula, baile é
baile. Não pode existir essa exigência, é descabida, porque professor não tem
que trabalhar 24 horas por dia. O baile é seu momento de relaxamento e
curtição. Ele tem que ter o direito de dançar com quem bem entender. Com alunos
ainda básicos, sinceramente, estará apenas fazendo um favor, com generosidade,
ou puro marketing, porque o verdadeiro prazer na dança por diletantismo é
dividi-la com pessoas do mesmo nível técnico. Na hora do trabalho é diferente.
Ele sentirá prazer em dar aulas. Mas não é baile. Contudo, se o professor
gostar de dançar com seus alunos, é diferente, muda tudo. O que não pode é o
aluno ver isso como uma obrigação. Imaginem: se ele tem uma turma com quarenta
alunos e todos resolvem ir ao baile. Coitado do professor.
Isso remete à questão do personal dancer. No baile,
está trabalhando, e pode fazer isso com prazer. Mas sua verdadeira realização,
na hora de dançar por diversão, será na parceria entre iguais.
Com este modesto trabalho, feito com prazer e sem
ambições literárias, onde me esforço para ser simples e claro, devolvo um pouco
de tudo de bom que recebi na dança. A começar pela oportunidade de ter passado
por mestres extraordinários, em aulas seqüenciais, em grupos ou particulares,
ou mesmo uma única vez, em algum festival. Como editor do jornal Dance, passei por uma centena deles, no
Brasil e no exterior. E estou sempre presente, como jornalista, desde 2006,
portanto há dez anos, no formidável Campeonato Mundial de Tango de Buenos
Aires, promovido pelo governo daquela capital, o maior evento anual do mundo
nesse gênero de música e dança.
Meu capital, somando tudo e graças ao tempo, é
dispor, como observador, de parâmetros elevados no tema. Isso não me exime do
risco de cometer equívocos, ter dúvidas e inquietações. Como não exime a nenhum
professor, ou crítico. Onde quero chegar: nada, em dança, como arte, será
expressão da verdade definitiva. Tudo que se fala é ponto de vista pessoal,
pode ser subjetivo, compartilhado com alguns e, eventualmente, refutado por
outros.
O que interessa é a reflexão e a adoção daquilo que
cada um, livremente, achar interessante para sua dança. Daí minha cautela com
uma frase que escuto muito, e que não estou livre de repetir, quando alguém se
refere a determinado casal, no baile, ou no palco, que dança fora do padrão
clássico: “Isso não é tango”.
Não é para quem não gostou. Para quem dançou, e para
quem gostou, pode ser o melhor tango do mundo. Mera questão de gosto, e gosto é
algo atrelado à liberdade de pensar e sentir, e ao refinamento de cada pessoa.
Isso me lembra a criança que desenha rabiscos e diz
ser uma flor. Para outros serão rabiscos, mas para ela aquilo terá tudo de
flor. Para quem aceitar, também.
Nenhum de nós, vivo ou morto, detém o poder de
decidir o que seja ou não tango. A música revolucionária de Astor Piazzolla
passou por isso: hoje venerada, no começo era rejeitada por tangueiros
empedernidos, principalmente a corrente de Gardel, sob o argumento de não ser
tango. A dança pode passar por situação similar a partir do momento em que
alguém ouse criar novos paradigmas, como fez Jimmy de Oliveira no samba, ao
criar o samba funkeado. Ninguém é obrigado a gostar, mas não poderá dizer que
não é samba. O Jimmy arrasa no samba tradicional, se quisesse teria ficado
quietinho lá, mas não seria um inovador. Essa ousadia é repleta de riscos e
requer muita coragem.
Tudo aqui, em qualquer livro, ou em classe, será
sempre uma proposta, ou um ponto de vista. Jamais lei imutável. Arte, para ser
arte, tem que ensejar infinitas possibilidades, sem nenhum engessamento. E
principalmente nos transmitir algo inédito. Embora goste de ver campeonatos,
sou obrigado a admitir que eles engarrafam o tango em regras castradoras da
expressão artística, para a qual não podem existir limites. É um mal
necessário, caso contrário não haverá como julgar. Por isso, num evento como o
mundial de tango, nenhum inovador revolucionário teria qualquer chance. Talvez
já seja a hora de se pensar numa categoria especial para inovadores, se os
tradicionalistas não enfartarem, escandalizados, só de ouvir isso. Certamente
seria lá que estaria Todaro, se pudesse voltar à vida. Todaro foi uma
referência na História recente do tango portenho e responsável em grande parte
pela formação de nomes hoje famosos mundialmente.
Não foi combinado, mas a verdade é que uma corrente
de grandes dançarinos argentinos meio que se apropriou do tango, impondo alguns
padrões que se tornaram universais. A gente aceita porque é bom. Mas nem tudo.
Por exemplo, a ditadura de certas milongas portenhas, onde fazer uma sacada
mais ousada é visto como sacrilégio. O melhor fica para o show, dos profissionais.
A turma do baile tem que se contentar com caminhadas e giros. Aí pergunto: por
que, então, ensinam tantos efeitos em classe? Para que serve tudo isso?
Autoritarismo
reproduzido com toda a clareza na categoria tango salão do campeonato mundial, repleto
de proibições. É muito bonito na grande final, já escolhidos os melhores. Antes
disso, nas intermináveis fases classificatórias, fica enfadonho e cansativo.
Convenhamos, o baile brasileiro às vezes pode até
parecer meio bagunçado, mas aqui a diversão rola solta, é o nosso jeito de ser
e viver, é um baile alegre e que permite sim ousadias, goste ou não quem
gostaria de guardar o tango num museu. Amo Buenos Aires e suas milongas, mas
onde mais me divirto é no baile brasileiro, com sua liberdade. Pena que são
poucos.
Hoje, fora do baile, que é diferente, nenhum show de
tango me encanta, ainda que seja tecnicamente perfeito, se não me surpreender
com algo novo, mesmo que seja um único passo, que eu nunca tenha visto antes. O
baile não tem esse compromisso, é diversão, mas com o show é diferente: quem se
mete a fazer assume uma responsabilidade artística, se expõe, e a partir desse
momento não poderá reclamar da avaliação crítica. Isso vale para todos,
inclusive iniciantes. Show não comporta nenhum tipo de desculpa: ou tem
qualidade, ou vira aberração. Os professores precisam ter essa
responsabilidade. Nenhuma turma tem obrigação de encerrar o ano com uma
coreografia, isso é uma bobagem. Alguns shows de alunos são constrangedores.
Pense nisso, caro iniciante, antes de topar o convite.
Se a gente aceitar tudo, sem padrões de exigência, a
dança brasileira vai regredir e se transformar em algo patético.
Fico muito tranquilo para fazer essa crítica porque
o máximo que me permiti, sabendo dos meus limites, foi uma ronda social, não
era um show, no salão do Homs, quando o jornal Dance¸completou 15 anos, em 2009.
Tudo que afirmo aqui resulta dessas oportunidades
que tive e do esforço em aprender. Mas dou também meus palpites, e nem poderia
ser diferente, gostando tanto de tango. É o caso da proposta do uso do tônus
muscular adequado a cada música. Alguém, talvez, até já tenha abordado isso,
mas desconheço quem. E jamais ouvi de algum professor. Portanto, fora dessa
passagem, não estou inventando a roda. Pouco, ou nada, será novidade para quem
já dança tango e costuma freqüentar nossa Meca, Buenos Aires. Mas, pelo que
observo nos bailes, creio que algumas pessoas que já dançam tango há algum
tempo também podem aproveitar alguns comentários, nem que seja para discuti-los,
o que já seria um avanço.
Para vocês, iniciantes, o conteúdo deste trabalho
certamente terá algum valor. O objetivo é ajudar no aprendizado e fazer alguns
esclarecimentos, com informações que acho fundamentais. E ajudarão também seus
mestres, como apoio ou mesmo saudável provocação.
Apresento logo adiante a lista dos mestres com quem
tive aulas, no Brasil, na Argentina, ou a bordo dos navios Costa, nos cruzeiros
dançantes. Com alguns foi uma única aula, em algum festival. Com outros, em
mais de uma ocasião, ou várias vezes. No Brasil, estudei e pratiquei mais
intensamente, pela ordem, com Itamara Trípoli, Margareth Kardosh, Alexandre
Bellarosa e Kátia Rodrigues. Foram valiosas algumas aulas com Fabiano Silveira,
em Florianópolis, e com Daniel Oviedo e Mariana Casagrande, em diferentes
lugares, inclusive no Paraguai. Atualmente, revezo aulas-práticas
(laboratório), periódicas, com Márcia Mello e
Romina Tolosa. No laboratório, o aluno não é passivo, interage
intensamente com sua mestra, ou mestre, faz propostas, inclusive define os
temas da aula. Óbvio que é a aula dos avançados, em busca sempre de refinamento
técnico e do treinamento sem dispensar orientação e avaliação crítica. Todo
tangueiro que já dança e largou das aulas deveria experimentar isso.
Pronto, apontei minhas referências, para ninguém me
acusar de apropriação de conceitos alheios. Na verdade, aqui, o texto é meu, a
palavra foi deles. São os conceitos de todos os professores citados acima, e a
seguir, que reúno neste projeto, incluindo suas eventuais divergências. Também
não significa que eu, na qualidade de aluno, tenha gostado de todas as aulas.
Posso apenas dizer que a maioria valeu a pena. Qualquer reclamação, falem com eles.
Deixo bem claro que a lista contém apenas os nomes
de quem fui aluno, em alguma oportunidade, e até agora. Haverá outros. Há no
mercado de trabalho muitos outros professores igualmente qualificados, só me
faltou oportunidade de experimentar suas aulas.
Argentinos: Juan Carlos Copes, Eduardo Arquinbau,
Mingo Pugliese, Nito, Sebastián Arce,
Gustavo Naveira, Sebastián Achaval, Pablo Verón, Osvaldo Zotto, Miguel Zotto,
Jonathan Spitel, Roberto Zuccarino, Fabián Peralta, Chicho Frumboli, Fabián
Sallas, Pablo Villarraza, Roberto Herrera, Pancho Martinez Pey, Adrian Veredice,
Javier Rodrigues, Fernando Galera, Eduardo Cappussi, Gabriel Missé, Pablo
Garcia, Daniel Oviedo, Joaquim Besga, Omar Forte, Daniel Marques, Valentin
Cruz, Gustavo Rosas, Maximiliano Cristiani, Ernesto Balmaceda, Julio Balmaceda,
Norberto Pulpo Esbrez, Eduardo Saucedo, Javier Amaya, Rodrigo Palacios, Osmar
Odone, Adrian Griffero, Eduardo Perez, Julio Altez, Demián Garcia, Giggio
Giovani.
Argentinas: Maria Nieves,
Esther Pugliese, Gloria Arquinbau, Milena Plebs, Lorena Ermocida, Johana Copes,
Aurora Lubiz, Romina Levin, Vilma Vega, Dana Frigoli, Alejandra Hobert,
Alejandra Mantiña, Betsabet Flores, Guilhermina Quiroga, Elba, Andrea Missé,
Augustina Berenstein, Roxana Suarez, Mariana Flores, Graciela González, Mora
Godoy, Lorena Goldenstein, Corina de la Rosa, Gisela Natoli, Alejandra Gutty,
Sol Viviano, Juana Sepúlveda, Carolina Bonaventura, Roxina Villegas, Fátima
Vitale, Victoria, Gabriela Elias, Carolina Udoviko, Marisa Quiroga, Natacha
Muriel, Romina Tolosa, Elina Roldan, Magdalena Valdez, Sabrina Veliz.
Brasileiros: Walter Manna, Pietro, Dárcio Barzan, Junior
Cervilla, Jaime Arôxa, Vitor Costa, Alexandre Bellarosa, Fabiano Silveira,
André Magro, Paulo Araújo, Luciano Bastos, Jomar Mesquita, Edson Nunes,
Cristovão Christianis, Paulo Pinheiro, Fernando de Campos, Rogerio Mendonza,
Marcelo Martins, Gabriel Ferreira, Marcelo Amorim, Lucas Bittencourt, Fernando
Campani, Bob Cunha, Marco Kina, Ronaldo Bolaño, Marcelo Cunha, Rafael Bittencourt, Alex Axel.
Brasileiras: Itamara Trípoli, Margareth Kardosh,
Kátia Rodrigues, Mariana Casagrande, Márcia Mello, Luciana Mayumi, Bianca
González, Marlise Machado, Stella Bello, Milena Vasconcelos, Juliana
Maggioli, Katiusca Dickow, Lidiani
Emmerich, Geovana Oliveira, Anna Elisa, Juliana Macedo, Silvia Senra, Daniela
Diaz, Laure Quiquempois (França/Brasil), Karina Sabah, Áurya Pires, Marina
Marques, Roxane Camargo, Alexandra Kirinus, Vanessa Flecha.
A
caminhada, acima de tudo
Queridas e queridos: se o seu professor, ou
professora, insistir em incansáveis aulas de caminhadas, você está em ótimas
mãos. Isso é o mais importante e o mais difícil do tango. E se quiser dançar
bem terá que praticar a vida inteira. No começo alguém pode achar enfadonho (eu
gosto até hoje), na ansiedade de aprender passos. Mas não pule etapas, senão
seus passos nunca serão bonitos e bem executados.
Certa vez ouvi um professor dizendo, em classe, que
no tango “se caminha como na rua”. Fiquei pasmo. Se eu caminhar na rua do jeito
que faço no tango alguém chamará o camburão do hospício. Foi horrível ouvir uma
sandice dessa magnitude. Se fosse assim, tão simples, ninguém precisaria de
aulas.
Foi Valentin Cruz, argentino radicado em Porto
Alegre, fundador da academia Tanguera, o primeiro professor que me encantou com
uma aula de caminhada de alta qualidade. Eu tinha ido lá para uma visita rápida
e ele me encaixou na aula, foi uma sorte. Valentin trabalhava com dois detalhes
extremamente importantes em dança: respiração e pausa. Depois desta, perdi a
conta das aulas que fiz, e sempre continuarei fazendo, sobre esse aspecto do
tango de aparência tão simples, mas na verdade complexo e fundamental para uma
dança com base técnica e beleza.
“A caminhada é o mais difícil do tango”, sempre
disse o mundialmente famoso mestre Juan Carlos Copes. Requer muito treinamento,
e envolve diferentes maneiras de fazer. E tem a pisada, com variadas maneiras
de executar. Este pequeno detalhe tem efeitos sobre a estrutura do corpo e
movimento. No tango isso nunca é irrelevante. Seu professor tem obrigação de
conhecer e trabalhar isso. O ideal é que se comece sempre uma aula com
aquecimento de caminhada.
Entrevistei, ao longo dos 21 anos do jornal Dance, muitos tangueiros e tangueiras,
entre eles os argentinos Juan Carlos Copes, sua filha Johana Copes, Lorena Ermocida,
Aurora Lubiz, Osvaldo Zotto, Sebastian Arce, Gustavo Naveira, o saudoso Mingo
Pugliese, entre outros. Não vou citar os brasileiros e argentinos aqui
radicados, porque se esquecer alguém não serei perdoado, além de que a lista é
longa. Todos, argentinos e brasileiros, sempre destacaram isso que repeti aqui
sobre a caminhada. Nesse quesito não há divergências, a caminhada sempre foi
colocada no maior pedestal do tango.
Quando certa vez brinquei com Lorena Ermocida,
dizendo que ela nasceu bailando, me respondeu: “Você nem imagina as centenas de
horas que gastei fazendo aulas de caminhada”. Atentem para o detalhe: ela não
disse passos, falou caminhada. E se trata de uma das maiores tangueiras do
mundo.
Concordo
100% com Vitor Costa e Omar Forte quando afirmam que é pela caminhada que se
reconhece um milongueiro. Sei, por experiência própria, o quanto é difícil para
o iniciante faminto por passos entender isso. Porque o iniciante não pensa em
base técnica, o alicerce do edifício, quer logo chegar ao terraço.
Numa
das minhas primeiras aula de tango, com Jaime Arôxa, no Campo Belo, ele colocou
o grupo a caminhar, em círculo. Lembro-me que Marina Marques, hoje profissional
de alto conceito, estava lá. Aquilo durou a aula inteira e achei, na minha
santa ignorância, que ele estava exagerando. Eu queria fazer ganchos. Nós,
alunos, somos assim, vivemos ansiedade o tempo inteiro. Há muito tempo superei
isso, felizmente, só penso em técnica. É a maturidade, no meu caso no sentido
literal, aos 70 anos. Seria no mínimo estranho querer fazer tango show. Isso se
começa jovem, ou nunca mais.
O
problema é que alguns professores, temendo perder alunos, pulam etapas e vão
logo para os tais ganchos. Aí, como resultado, alguns bailes e práticas viram
um festival de horrores. Fico sempre feliz quando uma amiga, a tangueira Lucia
Sandler, que veio do balé clássico, me fala sobre seu interesse pela caminhada
devido as nossas conversas nos bailes. Para quem trabalha com opinião, cada
detalhe, e cada conquista, é sempre algo muito valioso.
Mas
a caminhada tem dois lados, um ingrato, outro gratificante. O lado ingrato é
que quanto mais a gente aprende e pratica, menos acha que sabe; e nunca
acredita que está boa. O lado gratificante é que aprender passos e técnicas
fica bem mais fácil quando se domina a boa pisada.
Portanto, queridos, mãos a obra, vamos caminhar
sempre, principalmente nos bailes. E não só agora, quando estamos começando,
mas até o dia do nosso último tango. E mais: uma boa caminhada é tudo de bom no
baile. Fazê-la bem supera saber vários passos. Você pode dançar uma música
inteira, só caminhado, e se isso tiver qualidade lhe asseguro que será uma
delicia.
Dica prática:
uma perna sempre absorve toda a energia, para a impulsão, enquanto a outra está
livre, leve e solta para avançar e até adornar. Solte levemente os joelhos, sem
dobrar em excesso. Mas não é só a perna. A energia da impulsão parte também da
região da bacia. Professores bem qualificados ensinam essa técnica, mas leva
tempo para se pegar a manha. É preciso praticar muito. A primeira pessoa a me
ensinar isso foi Margareth Kardosh. Depois, reencontrei o conceito em aulas de
vários festivais.
Mantenha as
pernas fechadas, aproximando os joelhos. Pernas abertas, como fazemos em outros
ritmos, não pertencem ao universo tangueiro e
ficam feias. Isso vale para ambos os sexos. Para se acostumar, no
começo, imagine uma linha contínua sobre a qual tem que pisar o tempo inteiro.
Isso manterá sua caminhada fechada. Usa-se também a técnica de manter os
joelhos unidos, hoje contestada por alguns professores, que consideram isso
ultrapassado. Este autor respeita a opinião, mas não compartilha dela. Joelhos
unidos ajudam em várias situações, e têm seu charme em pequenos pivôs e
enrosques, ou mesmo em inversão de direção. É uma das marcas mais antigas do
tango.
Alguns
professores sugerem projetar sutilmente o peito, antes da perna. Outros, o
contrário, a perna vai antes. E agora? O que fazer? Resposta: aprenda e
pratique das duas formas, variando. Com certeza, na dança, achará o momento de
aplicar cada técnica. Polêmica é problema deles, professores. Como aluno, tire
proveito de tudo, inclusive das divergências, porque em dança não existem donos
da verdade. Quanto mais você conhecer alternativas, em tudo, melhor vai dançar.
O grande pulo do
gato, para torná-lo um tangueiro com versatilidade, será aceitar e incorporar
as divergências dos mestres como possibilidades para sua dança. Só exclua
aquelas alternativas que achar incômodas
ou feias.
Uma mestra
argentina, que respeito muito, mas ninguém é perfeito, me exigiu numa aula
particular manter os pés retos, sem a pisada natural (dez para as duas horas),
que inclusive é a pisada do homem no balé clássico. Resultado: fiquei um tempão
dançando de pé torto e incômodo. Foi um sufoco, sob a orientação de outros
professores com alto nível de tango, tirar o vicio. Hoje, quando vejo alguém
dançando com aqueles pezões retos, não naturais, acho horrível.
Observe que a
dança envolve esforço e concentração, com ouvido na música, mas será bonita
quando simular naturalidade, como se fosse tudo muito simples e fácil. É aí que
entram a caminhada e pisada como pré-requisitos essenciais.
No começo do
aprendizado exagere, arrastando os pés no piso, para se acostumar com esse
contato. Depois, gradualmente, você vai aliviando, até que a caminhada flua
como se fosse natural em sua dança. Só não tenha ilusões: tudo isso demora e
exige prática intensiva. Nada, no tango, se resolve em dois dias, ou um mês,
muito menos numa única aula.
Na caminhada
felina você projeta o joelho antes de alongar a parte inferior da perna, como
se quisesse alcançar algo distante com a ponta do pé. Pisa com o pé inteiro. Ou
faz em dois tempos, nesse caso com o metatarso (ponta do pé), avançando até o
limite possível para não perder a estabilidade.
A pisada tem quer ser macia como os amortecedores de um carro de alta
tecnologia. Não pode ter buracos, trancos, subidas e descidas, hesitações. No
caso do homem, o que passa à dama é sua energia. Se for tensa, passa isso a ela.
Não use a força, a boa condução se processa no movimento confortável e bem
definido do torso. Mestres do calibre de Sebastián Achaval e Roberto Zucarino
ensinam que tudo acontece “lá em cima” (referindo-se ao torso). O resto, lá
embaixo, nos pés, será conseqüência.
O que sua dama
deseja é conforto e segurança. Meu caro, ela estará de olhos fechados, em seus
braços. Olha a tremenda responsabilidade.
É indispensável
ter paciência
Tango não cai do céu nem se colhe em árvore. Se o
professor prometer milagres em seis meses, fuja dele. Levam-se muitos anos
estudando, praticando, bailando, até chegar num estágio, vamos dizer,
confortável. Foi algo parecido que ouvi de Gustavo Naveira, durante uma
entrevista, em Buenos Aires. Naveira é nome internacional, um ícone do tango.
Só me senti bailando depois de dez anos de prática e
estudo intensivo, com dezenas de viagens a Buenos Aires, e mesmo assim sei
melhor do que ninguém o quanto ainda preciso aprender e melhorar. Porém, como
amador, e dançando só por diversão, como vocês iniciantes, não tenho
compromisso com perfeição. Mesmo assim quero dançar com qualidade técnica, e
creio que este seja o desejo da maioria dos tangueiros. Só não faça disso uma
obsessão fora de hora e lugar. Antes da técnica, que é apenas um instrumento
para se dançar bem, tem que prevalecer a emoção. É muito melhor dançar com
poucos passos simples, e muita emoção, do que fazendo muitos passos complexos,
mas de forma fria e mecânica.
Se ela ou ele, por exemplo, dançar afobado, já
queimou o filme. Alguns confundem fluência com correria. Na fluência o
movimento é suave e constante. Na correria é destrambelhado. O verdadeiro
cavalheiro sabe conduzir e esperar pela dama, respeitando seu tempo musical. Só
segue depois que ela pisou. O afobado faz a menina tropeçar. Ou é ela quem
corre, tira a perna antes do tempo, exagera nos adornos, e frustra o resultado desejado. Sacou a
diferença? Na verdade, um tem que esperar pelo outro, seja homem ou mulher.
Dança a dois é cumplicidade na parceria. Não existe parte forte ou parte fraca,
apenas generosidade e integração entre os corpos. Quando um casal dança assim,
um para o outro, é lindo. Se o casal dançar competindo, e isso também acontece,
quebra esse encanto. Esse último caso é válido só para treinamento
experimental, despido de emoções: é da desconstrução do passo conhecido que
nasce um passo novo.
Uma imagem que gosto muito para descrever o tango,
dançado a dois, foi criada por mestres consagrados. Eles sugerem imaginar um
corpo único, dançando com quatro pernas. Lembre-se disso quando falarem em
eixo, equilíbrio, integração sem perder o abraço. A milonguinha (música), por
exemplo, será perfeita quando as pernas do casal estiverem sempre integradas. É
difícil? Claro, mas se não fosse não teria graça.
Aluno de tango não pode ter pressa em aprender. A
pressa resulta no baile feio que a gente vê por aí, com tantos passos mal
feitos.
E nem vou falar de quem mal aprendeu, tem
deficiências técnicas, e vira “professor”. Ou até pensa em disputar o mundial
de Buenos Aires. Como faz falta aquele famoso remédio Semancol.
Dica prática:
Não corra, dance com calma, ensina Johana Copes. Respire, recomenda Valentin
Cruz. O pulmão bem oxigenado ajuda na postura. Mas não faça peito de pombo, nem
eleve os ombros, adverte Sebastián Achával, campeão mundial. O tônus é firme,
mas requer moderação e naturalidade. Valorize as pausas. Tanto, que a dança
começa pela emoção e antes mesmo do abraço, na concepção de Sebastián Arce,
nada menos que o maior tangueiro do mundo atual.
Treine em casa,
sozinho, com música. Os passos curtos ficam mais fáceis. Quanto mais longos,
mais difíceis. Mas não pegue o vício, muito comum, de dançar fechado. Isso cria
dificuldades no baile, principalmente para sacadas. Resumindo: os passos devem
ser feitos dentro de uma zona de conforto. Nem longos, a ponto de causar
desequilíbrios, nem curtos demais, a ponto de impedir as ações do parceiro.
Sebastián
Achaval e Roxana Suarez, em suas aulas, falam muito em “abrir o quadril”,
“abrir o joelho”. É difícil de entender e mais ainda de explicar o que vem a
ser isso. Teremos que vê-los dançando: ah, falavam de projeção, os movimentos
não se comprimem, buscam espaço, mas tudo dentro da órbita do abraço. Resulta
que parecem flutuar, é lindíssimo.
No baile, definitivamente,
incorpore a idéia de que só se avança, jamais se recua, em hipótese alguma. Nem
um único passo.
A razão é óbvia: vem gente atrás, em
movimento, e você não tem como enxergar, nem como avaliar a distância. Você
verá nos bailes velhos tangueiros, e até professores, fazendo o contrário dessa
regra. É uma lástima. Santo Cristo, como é possível alguém dançar num salão
lotado em marcha a ré?A não ser que tenha um olho na nuca...
Pior ainda é
quando fazem isso, trombam, e ainda querem culpar o casal que vinha atrás. Eu
protejo minha dama, para que não se machuque: quando vejo o trem chegando, e
não tem jeito, é tudo muito rápido, coloco a mão e seguro. Faça o mesmo, até
que algum dia todos aprendam que a dança é sempre para a frente.
O abraço,
essência do tango
Tango é uma dança de contato. Se quiser dançar como
os argentinos, que são os melhores do mundo, terá que abraçar. Norte-americanos
e alguns povos europeus são refratários ao contato físico com estranhos, é um
traço cultural. Eles têm mais dificuldades do que nós, latinos, em assimilar
isso. A mestra argentina Aurora Lubiz me contou que quando dá aulas na
Alemanha, por exemplo, abre logo o jogo para a turma, dizendo: “Eu sei que é
difícil, mas se vocês quiserem dançar como nós, argentinos, terão que abraçar”.
No estilo
milongueiro o abraço é fechado, com contatos de peito e cabeça. Do peito para
baixo, quanto menos contato melhor, para facilitar os passos e giros. Evita-se
inclusive o contato de barriga. Experimente girar com a barriga colada ao
parceiro e depois sem este contato. Perceberá a diferença, e o quanto fica mais
fácil quando ambos estão mais soltos. Margareth Kardosh vem trabalhando com
essa técnica e não esconde sua fonte: Julio Balmaceda, tangueiro e professor
portenho. Ouvi a mesma pregação anti-barrigas no festival Lady`s Tango, na voz
incisiva de Alejandra Mantiña. É um problema para quem tem abdômen saliente.
Mas o efeito, para todos, será a projeção da bundinha.
No abraço fechado há duas opções: totalmente
frontal, ou em forma de V, com uma pequena abertura no lado esquerdo do homem,
direito para ela. Esta última posição facilita a caminhada, porque o caminho já
está aberto para a arrancada do homem. Mas quem domina bem a condução não terá
dificuldades em qualquer forma de abraço.
O abraço fechado nunca é rígido. Para certos passos,
e para girar, tem que abrir. Só casais bem avançados conseguem girar rápido
mantendo o abraço fechado. Mas geralmente também eles optam por uma pequena
abertura para girar melhor, e se for o caso, mais rápido. Aquela mão que vai
nas costas, dele e dela, não é fixa na mesma posição: ela se movimenta, para
facilitar e indicar que precisamos abrir o abraço e vamos entrar num giro ou
inversão de direção.
Os cotovelos devem ficar apontados para o piso.
Jamais elevados, como se fossem armas pontiagudas. Isso evita machucar outras
pessoas nos involuntários contatos que acontecem nos bailes, por mais que se
evite. Nada é pior num baile do que cotovelos ameaçadores rodopiando no ar.
Aproveitando: em pista cheia, nada de pé alto, por
favor. Isso pode causar acidentes graves e brigas. Em pista cheia se dança todo
o tempo ao piso. E nada de marcha a ré, nem um único passo. O chamado passo nº
1 só vale para aprendizado, nunca para fazer no baile lotado. Mas se houver
espaço na pista não há problemas, aí pode tudo.
Há vários detalhes no abraço que afetam a estrutura
da dança. Um deles, muito importante, é a postura. Jamais ombros projetados
para trás. Essa posição dificulta tudo, principalmente a condução. Não confundir
com ombros abertos, principalmente no homem, para dar espaço à mulher nos giros
e acentuar o que ele busca na condução. Daniel e Romina, em São Paulo,
trabalham bastante com esta técnica, que poderá ser confirmada em vídeos com
grandes tangueiros. A projeção é sempre para a frente, mas sem o erro comum de
se curvar, ou de fechar o peito, que nada tem a ver com o tango. Aquela
inclinação que se vê nos casais envolve técnica e deriva de outros detalhes,
como a forma de pisar, na meia ponta. O corpo inclina naturalmente para a
frente, não é forçado, muito menos curvatura da coluna. Esse equívoco de se
curvar está presente em toda a parte, inclusive nas milongas mais populares de
Buenos Aires. Tenho uma hipótese sobre isso, que formulei estudando História do
Tango. Como era uma dança condenada pela Igreja e pela elite portenha, e só
ganhou aceitação quando virou moda em Paris, presumo que o afastamento das
áreas genitais entre os casais tenha sido ditado por um excesso de pudor. Esse
afastamento hoje tem finalidades técnicas, espaço, porque o tango ganhou muitas
centenas de novos passos. Mas não acredito que no passado fosse o mesmo motivo.
Identifica-se um milongueiro pela forma como abraça
e caminha. O resto vem depois. O tema abraço requer, no mínimo, uma aula
inteira. Não pode ser displicente, nem mole. O abraço tangueiro requer firmeza,
tônus, mas sem forçar, senão fica pesadão. Só a prática e o tempo de dança nos
dotam de um abraço bonito e típico dos grandes milongueiros. Não se descuida
desse detalhe nem mesmo quando o baile chega ao fim e o cansaço vai se
instalando.
Dama, não se pendure no homem, nem mesmo em seu
braço. Isso cansa muito o coitado, obrigado a fazer força. No final da tanda
(seleção musical) ele estará exausto. Essa confusão deriva do lastro e sutil
resistência que a dama oferece no tango, e que varia conforme a música.
Traduzindo, para quem não entendeu, estamos falando do “peso” do casal ao
dançar. Controla-se isso no tônus, contraindo ou descontraindo os músculos Ele
será mais intenso nos tangos fortes, tipo D`Àrienzo. Mais suave se tocar um
Pugliese ou De Sarli. Totalmente leve se for um tango vals, que pede caminhadas
e giros, sem pausas e adornos. “No vals a música é continua, logo não há como
fazer pausas e adornos”, ensina há anos Miguel Zotto. Ele diz conhecer bons
milongueiros que não sabem dançar vals, e assumem que não sabem, permanecendo
sentados nessas tandas.
Isso,
sinceramente, funciona na teoria, ou na pista vazia ou com poucos casais. Na
prática, a gente se vê obrigado a pausar, não há outro jeito, no
congestionamento do baile lotado.
Voltando ao tônus, se ainda estiver complicado de
entender, explico a mesma coisa desta forma: nas músicas rápidas reduzimos o
tônus, ou seja, os corpos fica mais mais leves, a pisada também, para ganhar
agilidade. Nas músicas lentas é o contrário: aumentamos o tônus, os corpos
ficam mais pesadinhos, porque não precisamos de rapidez, e assim ganhamos mais
densidade na pisada. Isso dá grande qualidade à dança. Simples? Não. Demora
anos dominar. Então tem que praticar muito.
Veja, portanto, que o “comando” da dança parte
sempre da música. Isso para quem ouve a música e procura pisar no tempo
musical. No baile dos surdos não é assim, eles só pensam em efeitos, querendo
impressionar, e fazem tudo a mil por hora, não importa o que toque.
Mesmo numa
volcada, se a mulher souber pisar e usar o corpo, sem quebrar o quadril, não
pesará. Lembro disso para que se entenda a importância da técnica.
Volcada é aquela posição do casal que lembra um V invertido.
Seu oposto é a colgada. Entra-se nela por indução ou acidentalmente, em algum
desequilíbrio. Por isso é importante saber fazer. Como reforço às aulas
recomendo o DVD “Colgadas y Volcadas”, de Gustavo Rosas e Gisela Natoli. Indo a
Buenos Aires, uma aula com eles vale a pena.
Isso mostra que no tango não existe erro, tudo vira
passo. Aprendi isso com o notável brasileiro-argentino Junior Cervila, numa
palestra que fez sobre técnica num dos nossos cruzeiros Dançando a Bordo. E,
sendo assim, nunca interrompa a dança para dizer que errou, ou perguntar o que
deve fazer. Não existe essa história de errar, nem código obrigatório, do tipo
“se eu piso aqui, você tem que pisar ali”. Siga em frente e improvise sempre,
sem jamais interromper o movimento. Só os chatos dançam dentro de esquemas
rígidos e apegados a obrigações. Geralmente é gente que dança mal e teme o
improviso, que requer reflexo e criatividade.
Antes de seguir, acho interessante que você saiba
que não existe professor que domine tudo do tango. Se existir, é caso raro. É
difícil achar quem saiba ensinar tango show, por exemplo, que nada tem a ver
com tango salão. Procure descobrir os pontos fortes do professor, para dele
tirar o melhor proveito. Foi assim, explorando os pontos fortes de diferentes
mestres, que se formaram alguns dos grandes e mais completos tangueiros
argentinos.
Certa vez, fazendo um workshop no Canning, em Buenos
Aires, a convite de Milena Plebs e Pancho Martinez Pey, duas feras
respeitadíssimas, vi um casal campeão mundial ao meu lado. Nada menos que
Jonathan Spitel e Betsabet Flores. É de babar vê-los dançando. Faziam a aula
como qualquer aluno mortal comum, inclusive chamando os mestres para tirar
dúvidas. Achei aquilo maravilhoso e ali entendi porque eram campeões mundiais.
Sob outro olhar, fiquei feliz e reconfortado,
pensando: se eles têm dúvidas, quem sou eu para não ter?
Voltando ao abraço, outro tipo é o aberto. Como o
nome indica, o casal não fica tão próximo. Sempre existiu, mas ganhou força com
o chamado tango novo, muito associado à música eletrônica, que teve uma fase de
modismo, espalhou-se pelo mundo, e depois caiu no ostracismo e desapareceu dos
bailes portenhos. Se aplica bem quando a diferença de estatura do casal é bem
acentuada. Ou para dançar com pessoas que se sentem constrangidas, por falta de
hábito, com o abraço fechado, que passa uma imagem intimista. A escolha do
abraço é livre, então convém saber dançar das duas maneiras.
Existe ainda uma terceira forma de abraço, do tango
canyengue, cada vez mais sumido. Com os corpos levemente inclinados e braços
apontados para o piso, que se movimentam. Estilo dos tempos mais remotos, da
origem do tango. Tem seu público apreciador, que cultua essa dança em grupos
organizados e locais específicos. Respeito, mas não vou tratar dele aqui.
Dica prática:
Treine o abraço sozinho, em casa, na frente do espelho. Sem forçar os ombros
para cima, e sem estufar o peito como se fosse um lutador num ringue. O tórax
tem que estar firme, mas sem afetar a naturalidade para uma dança elegante e
suave. Ou seja, evite exageros. A posição dos braços, aquela asa que abrimos
para estabelecer o equilíbrio, tem que estar no espaço entre os ombros dele e
dela. Se ultrapassar a linha do ombro começa a complicar, inclusive com perda
de conexão. Além disso, você terá que treinar como torcicolar, um termo pouco
conhecido do Dicionário Aurélio, aquele movimento em que se roda os quadris,
mas mantendo o peito fixo e voltado para a parceira, ou parceiro. O excesso de
tônus torna isso difícil, travando o movimento. Lembre-se que na dança tudo
requer dosagem. Mas não fique impaciente. Isso só vem com o tempo, e muita
prática. É melhor dançar discretamente do que com exageros, estes sempre de mau
gosto. Nada pior num baile do que alguém tentando fazer passos para os quais
ainda não está pronto.
Controlar o leme
do tango compete ao homem. Esse leme está em seus ombros, no sentido mais
literal possível. É dali, e não dos pés, onde tudo começa. Quando observar
grandes tangueiros dançando, procurando deles extrair lições, não fique focado
só nos pés. Observe também a postura dos ombros e as indicações que passam à
dama, abrindo sempre caminho a ela. E veja o que é o tango: depois de tantos
anos dançando e fazendo aulas, só recentemente voltei a dar uma atenção
especial a esse detalhe, pinçado em aulas particulares com Romina Tolosa,
argentina de Córdoba radicada em São Paulo, com seu marido, o milongueiro
Daniel. O aprendizado nunca termina, e isso vale para todos os níveis de tango.
Daí a importância de estar sempre retornando à base técnica, em tudo, porque
nosso corpo tende sempre ao relaxamento, buscando conforto, para não dizer
preguiça mesmo.
Outro detalhe
precioso é que os quadris também precisam estar alinhados para uma conexão
perfeita. Compete mais ao homem estar atento ao detalhe. Se o quadril dela foi
para algum lugar, o dele vai junto. O resultado será pés sempre próximos do
corpo da parceira e prontos para intervenções e novos passos. Mas há passos em
que, intencionalmente, o homem dá a intenção mas não vai junto. Aí são os casos
especiais, dos quais o tango está repleto. Para não incorrer em equívocos
durante o aprendizado, tenha sempre em conta que nada é rígido, definitivo, ou
valha para tudo. Existem sempre exceções, opostos e variáveis.
Mais ainda: você
pode adaptar qualquer passo ao seu limite de dança, sem ter que seguir
rigorosamente tudo que o professor propõe. A aula moderna nada mais é do que
uma sugestão, com dicas práticas. Os professores antigos queriam cópia xerox do
que faziam. Isso ficou no passado. Nenhum corpo dança igual a outro, jamais.
Não se preocupe em ser espelho do professor, ele dançará com uma personalidade,
você com outra, a sua.
Crie atalhos, ou elimine, pelo menos por um
tempo, eventuais entraves ao seu progresso. Determinado detalhe não sai de
jeito nenhum, depois de muito tentar? Pule, criando uma alternativa mais fácil,
e vá em frente. Quando menos esperar estará executando o tal detalhe difícil no
baile, porque o registro ficou gravado em seu subconsciente. Isso vai deixá-lo
rindo sozinho e é um dos encantos do aprendizado.
E chega a hora do baile
Muito
bem, você começou a aprender tango. Agora vem a hora do baile. Na primeira vez
dá um frio na espinha. Há vários casais dançando lindo. Pois, meus caros, na minha
primeira semana de aula já fui pra milonga, como é chamado o baile de tango. É
isso que todo iniciante deve fazer. É no baile que a dança decola. A aula nos
fornece o instrumental para isso. Nunca entendi a cabeça de quem só faz aula e
não vai para os bailes. Que sentido tem isso?
No
baile a gente desliga do mundo. Só interessam a música, com quem e como vai
dançar. Nada chega sequer perto disso como meio de higiene mental. Saímos de lá
com a cabeça tranquila e o corpo levemente cansado, uma combinação perfeita
como restauração. Por isso baile não é lugar para assuntos pesados, polêmicos e
que causem tensões. Sempre fui uma pessoa atuante politicamente, menos no
baile. Nesse local não gosto que se misture estações, nem em conversas
pessoais. Pior ainda quando o próprio promotor do baile tenta fazer alguma
forma de proselitismo, inclusive religioso. É constrangedor. Acho isso um
desrespeito à diversidade de pensamento que obviamente existe entre os
presentes. Ninguém foi lá para isso.
Ainda
sobre a primeira milonga: minha professora particular era a Margareth Kardosh,
e foi com ela que dancei o primeiro tango, só caminhando, e fazendo direitinho
a ronda.
Mas
vou contar a verdade: foi a Margareth que me convidou para dançar. Eu estava
sim um pouco apreensivo. Isso é normal, e diria que até faz bem, porque é sinal
de que não seremos tangueiros displicentes. Vamos querer dançar bonitinho,
zelando por nossa imagem.
A
emoção de começar a aprender tango e freqüentar milongas foi tão grande, que
escrevi uma página inteira no Dance,
no editorial da página 2. O título foi “Aprenda tango, é bom demais”. Esse
texto virou minha certidão de nascimento no tango. Ficou tão legal, modéstia à
parte, que a revista “B.A.Tango”, de Buenos Aires, editada por meu amigo Tito Palumbo,
traduziu para o espanhol e publicou, dividida em duas edições, a primeira como
capa da revista.
A
primeira milonga é como aquele sutiã da propaganda, a gente nunca esquece. O
Vitor Costa estava lá e eu não tirava o olho, não dele, mas do seu tango,
buscando já ali informações, e sorvendo a beleza dos seus rodopios e sacadas.
“Algum dia vou querer fazer isso”, pensava. Da vontade, foi só partir para a
ação: aulas e bailes semanais, muita aplicação, concentração nas explicações da
professora e... algo muito importante, que ajuda muito: praticar sozinho, em
casa, com música, claro. Com esse praticar sozinho a gente vai domando o corpo
rebelde, que se recusa a sair da sua eterna zona de conforto e preguiça. Como
sempre fiz ginástica, havia um facilitador, que é contar com feixes musculares
flexíveis e lubrificados. O sedentário contumaz terá mais dificuldade. Mas
também chega lá, se quiser.
A
ginástica ajuda na dança. Em ambas o aquecimento é muito importante, mas a
gente não faz no baile porque sente vergonha. Vão achar que estamos querendo
aparecer. É uma pena. Todo dançarino deveria fazer aquecimento e alongamento
antes de entrar na pista. E também no começo das aulas de dança.
Para
suas primeiras investidas na milongas, para criar coragem, tenho uma sugestão:
lembre-se que ninguém pagou ingresso para ir ver você dançar. Logo, não tem
obrigação de nada. Faça o que sabe e pode, sem extrapolar seus limites, e
esqueça o resto, principalmente aqueles olhos fiscalizadores de mesas de pistas
que gostam de intimidar dançarinos inseguros. O antídoto contra esse veneno é
manter os olhos baixos, sem olhar para quem está nas mesas. Essa atitude não
desconcentra o dançarino e indica que não está pedindo a aprovação de
ninguém.
Comigo
isso sempre funcionou quando chegava, em Buenos Aires, em redutos famosos de
grandes tangueiros. Claro que eles vão dançar melhor do que eu, mas e daí?
Baile não é palco nem concurso, é local de diversão e vida social.
A
ronda, que prometi explicar, é o seguinte: o baile roda sempre no sentido
anti-horário. Na borda da pista, junto às mesas, existe uma faixa imaginária
para quem dança mais rápido e se deslocando. O correto é dançar em fila, sem
atropelar o casal da frente, e procurando, na medida do possível, não atrasar o
casal que nos segue. A ultrapassagem, na ronda, é sempre pela esquerda, como se
faz no trânsito de veículos. Isso por causa do maior espaço e também melhor
visualização. É muito chato ser surpreendido por um casal forçando passagem em
local apertado. Não havendo espaço, não tente ultrapassar, dance com giros.
Como
somos iniciantes, o recomendável é evitar a faixa da ronda, deixando-a para a
turma já experiente e ágil, que se desloca bastante, como manda a dança com
qualidade. O melhor lugar para o iniciante é o centro da pista, onde ninguém
poderá reclamar da sua inevitável lentidão. E onde também estará mais a salvo
dos indesejados olhos críticos.
O
baile tem vários códigos, é indispensável conhecer. Alguns deles: jamais dançar
com copo de bebida na mão. O cigarro, ainda bem, já está proibido. Não obstruir
a ronda com o grupinho que quer dançar solto. Eles devem procurar o centro da
pista. Não forçar passagem, o espaço é coletivo. Jamais fazer passos no
contra-fluxo, recuando. Nem em diagonal, indo e voltando, porque atrapalha a
ronda e as decisões de quem vem atrás. Não fazer movimentos com pernas altas,
por segurança. Manter os cotovelos apontados para o piso, também por segurança.
Nunca parar para conversar ou cumprimentar no meio da pista, deixando isso para
os intervalos entre as músicas.
A
questão mais delicada num baile é o convite e recusa à dança. Quem recusa
projeta uma imagem muito antipática. Os homens costumam avisar seus amigos
sobre mulheres que recusam o convite, para que não passem pelo mesmo mico. No
meu caso, nem que passem cem anos, não volto a convidar quem recusou. Não sou
caso raro, muitos homens adotam a mesma conduta. Então, damas, cuidado com essa
atitude, só aceitável se o homem estiver bêbado, cheirando mal, vestido de
forma inadequada, ou se tratar de conhecido inconveniente, que pratica assédio.
O mesmo vale para homens que recusam convites delas, que são mais raros.
No
baile, hoje, temos duas categorias de dançarinos: os amadores, a moda antiga,
que vão só para dançar; e os profissionais, que ganham para isso. É o personal
dancer, termo criado pelo jornal Dance,
inspirado no personal trainer, como alternativa aos horríveis “dançarino de
aluguel”, ou “dançarino de ficha”, ainda usados no Rio de Janeiro, onde isso
começou. Em Buenos Aires há que use o termo “táxis dancer”, o campeão do mau
gosto.
Profissional
é quem ganha dinheiro com dança, não importa o valor. Seja dando aulas,
dançando em bailes ou fazendo shows. Ser profissional não é sinônimo de ser bom
de dança, significa apenas que ganha dinheiro com isso. Existem excelentes
profissionais e também amadores. Ou ambos sofríveis. A qualidade do dançarino
não se mede pela categoria onde ele se insere. Cuidado com esse equívoco, muito
comum.
Se
um personal convidar você no baile, sem esclarecer antes que se trata de
trabalho, para que você possa aceitar ou recusar, nada pague depois. Se
desconfiar, pergunte antes: “É convite social?”
Ainda
no capítulo baile, vale a pena comentar sobre a roupa. Cada comunidade
dançante, como na salsa, zouk, samba, forró, etc, tem suas características no
vestuário. No tango costumamos ser mais formais e sóbrios, priorizando a
elegância clássica. Terno para homens e vestidos de noite, com muito brilho,
para elas, são os mais indicados. Tango não combina muito com roupas informais
demais, mas isso não é lei. Mas camiseta regata, como já vi, por favor, nem
pensar. Meninas novas passaram a usar shortinhos, nelas fica legal, jamais em
mulheres com mais idade. O vestido longo não é recomendável porque atrapalha
para dançar, inclusive enganchando a todo momento no salto.
Em
Buenos Aires, até recentes anos, os verdadeiros milongueiros jamais dispensavam
o paletó. A turma da velha guarda ainda cultiva a tradição. Mas isso diminuiu principalmente por causa do calor, o
verão de Buenos Aires é insuportável. Eu costumo usar colete como alternativa
ao blazer, para que a mulher não precise abraçar sobre uma camisa banhada de
suor, coisa desagradável. E o colete ajuda na composição do vestuário
tangueiro. Mas vamos dizer a verdade: um casal bem vestido deixa o tango mais
lindo.
Dica prática: Quanto mais dançar nas
milongas, mais rápido seu tango vai evoluir. Além de ser muito gostoso. O baile
é um local agradável para fazer novas amizades. Se ainda estiver muito verde no
tango, certamente terá alguma dificuldade em encontrar gente disposta a
compartilhar a dança. Sugestão: convide alguém da sua turma, do mesmo nível de
tango. Assim os dois praticam os passos das aulas, arriscam alguns improvisos,
e fica tudo resolvido. Se acharem que vale a pena, podem até casar.
Tango show, tango salão, coreografia,
improviso
A
partir de agora, como novo tangueiro, você ouvirá muito palavras como show,
salão, coreografia, improviso. São as variadas formas de dançar, e que
geralmente diferem amadores de profissionais. Mas há amadores ótimos no show, a
modalidade não é exclusividade profissional.
O
tango show é espetáculo, arte. Geralmente mescla características de outras
danças, como contemporâneo ou clássico, ou até rock. Vale tudo. Tem gente que
se revolta, diz que não é tango. Não perco meu tempo com esse tipo de polêmica.
Pouco me importa se é tango ou não. Eu gosto, é o que basta.
No
tango salão, milongueiro, é impensável dançar como no show. Nem haveria espaço
para isso, porque a gente divide a pista com outros casais. Por isso temos que
seguir determinados códigos. Outro aspecto é que no salão fazemos uma dança
totalmente previsível, repetindo passos que muitos fazem, não há nada de novo
neles. Nem por isso deixa de ser profundamente prazeroso. E basta alguém surgir
com um novo passo, colocar no Youtube, para que uma multidão copie.
No
passado, em Buenos Aires, lá pelos anos 1940-50, muitos tangueiros de salão
brigavam quando viam seus passos copiados. O passo era exclusividade de cada
bamba. Isso mudou quando perceberam que podiam ganhar dinheiro dando aulas.
Elas socializaram os passos nos salões, a repetição virou coisa banal, todo
mundo passou a fazer. Aí perdeu completamente o sentido alguém reclamar de
plágio.
No
show também alguns copiam, mas lá pega mal, porque o valor do show é ser
original e diferente.
Em
99% dos casos o show é ensaiado. Na coreografia os dois já sabem tudo o que vai
acontecer e se antecipam nos movimentos, não precisam esperar comando e
resposta. Isso multiplica a sensação de velocidade. Antes de se lamentar por
não conseguir o mesmo resultado em sua dança, lembre-se disso, e que eles
treinaram exaustivamente.
No
campeonato mundial de Buenos Aires de 2006, quando venceu na categoria show o
casal colombiano Carlos Paredes e Diana Rivera, de Cali - Colômbia, como sempre
faço, fui entrevistá-los nos camarins. Perguntei quanto tempo tinham treinado a
coreografia. A resposta foi honesta: dois anos. Imaginem um casal treinar dois
anos a mesma música e movimentos. Quando chegaram lá eles já sabiam como pisar
em cada nota musical, a precisão era absoluta. Aquilo já saia até no
automático, a emoção deles vinha dos aplausos maciços do público.
Outra
coisa que você vai perceber, ao longo do tempo, é que a maioria dos professores
sempre trabalha com as mesmas estruturas. Eles criam um programa de ensino, com
os diferentes temas que dominam bem e os passos que estão habituados a fazer
com destreza. Mesmo assim fazem um treininho de recapitulação antes da aula.
Estou falando de bons professores, que atuam com responsabilidade. Isso prova que nem para eles as coisas são
simples. Para cada aula escolhem um dos temas, e nunca fogem disso, porque
seria um risco. Não há nada de errado nisso, pelo contrário, mostra que são
organizados e conscientes para oferecer um bom trabalho. Lamentável é o
professor que entra em classe sem saber o que vai fazer, fica confuso e perde o
foco.
Na
sua dificuldade em aprender, antes de se xingar de anta e pensar em desistir,
lembre-se que eles são profissionais, dançam o tempo todo, e já fizeram aquilo
milhões de vezes. Para chegar lá eles erraram tanto quanto você. Não há mérito especial que arrasem, é
obrigação deles. O real mérito é do aluno que consegue.
Outra
coisa importante: nunca perca sua auto-estima porque não conseguiu aprender
numa determinada aula. Isso é normal, acontece com todos. Se gostei do tema, e
não aprendi, costumo resolver isso levando o passo, ou técnica, para aula
particular. Inclusive , se preciso, repetindo em várias aulas. Mas nem sempre é
possível. Nesse caso, vire a página e toque em frente! Um passo a mais, ou
menos, nada significa no vasto repertório disponível.
Em
algumas ocasiões, em apresentações, você ouvirá esta frase: “Vamos fazer um
improviso”. Acho isso uma piada, me engana que eu gosto. Desde quando um casal
que treina o tempo todo faz improviso? Para eles, dançar será muito fácil,
ainda que não estejam seguindo uma coreografia específica. Tudo, principalmente
sequência, vai fluir com eficiência.
O
verdadeiro improviso é o que fazemos nos bailes, com as parceiras eventuais, ou
com pessoas com quem nunca dançamos antes.
Quem
é o melhor cavalheiro, ou a melhor dama do baile? Não é quem sabe mil passos, e
sim quem nos transmite prazer na dança. A simplicidade e limpeza dos passos é o
pré-requisito. Nunca queira complicar, não vai dar certo.
E
querem saber quem é o pior parceiro, ou parceira? A pessoa que só sabe dançar
coreografado, ou com passos decorados, faz tudo dentro do padrão, não tem senso
do improviso. Por decorrência, não tem reflexo.
Dica prática: Nem todo mundo pode pagar
aulas particulares, mas se puder opte por esta modalidade. Na aula particular
você tem 100% de aproveitamento, dialogando e praticando diretamente com o
professor. Na aula em grupo ele tem que dividir atenção com várias pessoas.
Outra vantagem é não precisar de parceiro, ou parceira. Na aula em grupo, tendo
que praticar com várias pessoas, as vezes que nem conhece, é diferente. Pode
ter a sorte de achar afinidades, ou correr o risco do contrário.
Aula particular é um investimento caro.
Então quem decide o assunto da aula é você. É horrível pagar, gastar tempo e
energia, e sair com o sentimento de que nada de novo agregou a sua dança.
Aula em grupo ou particular?
Aulas
de dança particulares versus coletivas, pros e contras de cada uma. Tenho
praticado as duas formas e continuo preferindo a particular. O problema é que a
particular custa muito mais caro. As vantagens: você pratica diretamente com o
professor, ou professora; tem atenção 100% exclusiva; usufrui da liberdade para
decidir o que deseja aprender; a aula será na medida certa do seu nível de
dança; não corre o risco de sair da aula com dúvidas; seu desenvolvimento na
dança é muito mais rápido.
Já no grupo, a
principal vantagem é o preço. E você interage
com outras pessoas. A desvantagem é quando o grupo tem muita gente, ocupa
grande espaço na sala e se torna difícil enxergar as demonstrações dos
professores. Outra desvantagem, geralmente em festivais lotados, não é o caso
de academias, será a falta de espaço para praticar os exercícios durante a
aula. Por último, na aula em grupo ninguém pode decidir ou discutir o que será
ensinado. Isso é tarefa do professor, com base no nível médio do grupo. Esse
currículo que você não controla sempre contém o risco da aula ficar muito
básica, ou muito avançada para seu nível de dança.
Outra
questão importante é fazer aula tendo ou não parceiro ou parceira. Assim como
já tive agradáveis surpresas, com pessoas simpáticas e dispostas a trocar
colaboração nas dificuldades de ambos, já aconteceu também o contrário:
temperamentos que não combinam; impaciência, irritação e troca de acusações, um
culpando o outro pelo mau resultado da aula. Essa situação é muito comum entre
casados, namorados e parceiros fixos. Todos brigam, porque têm liberdade para
falar. Profissionais são os mais impacientes. São raros os casais que não
discutem durante a aula. Pesando tudo, ainda prefiro investir nas aulas
particulares. Sem conflitos.
O
ideal mesmo, quando gostar de um passo na aula em grupo, e sentir dificuldade
para aprender, será repetir tudo depois numa aula particular. Já fiz isso e o
resultado foi excelente, sobretudo pela alegria de vencer o desafio. E sem ter
que brigar com a parceira.
Se
você vai fazer aulas por longo tempo, em grupo, o bom relacionamento com os
colegas será muito importante. Há muitos anos, nem era tango, larguei uma turma
de dança porque não encontrei afinidades e empatia com o grupo. No rodízio de
parceiros, durante as aulas, isso pesa. Você perde a concentração. Ambiente
agradável, em qualquer atividade, é fundamental.
Com
passos de dança ocorre um fenômeno muito interessante: você se surpreenderá, de
vez em quando, aprendendo com muita rapidez alguns mais complexos; e se
irritará, em outros momentos, de não conseguir certas coisas mais simples. Isso
acontece com todas as pessoas. O que varia é sua disposição, naquele dia,
decorrente dos mais variados fatores do seu modo de vida. É o que explica
porque um jogador de futebol, por
exemplo, joga bem numa partida, e mal em outra. Ninguém é regular o tempo todo.
Sendo assim, não se exaspere naquele dia em que não consegue soltar seu freio
de mão.
Algumas
sugestões, porém, podem ajudar: faça sempre refeições leves antes de aulas e
bailes. Com barriga cheia fica difícil. Faça aquecimento e alongamento antes de
começar. Tente dançar um pouco, descontraidamente, antes da aula. Na hora de
dançar, relaxe e esqueça dos problemas. Isso vai ajudar a superá-los
depois. Concentre-se nas explicações. É
normal, de vez em quando, dar brancos e viajar nos pensamentos, perdendo o foco
na aula. Isso pode acontecer até com o professor. Por favor, não é um drama,
para nenhuma das partes. Basta retomar, e tocar em frente.
Corpos musicais
Foi
há 14 anos. Eu estava iniciando no aprendizado do tango e, como já contei,
escrevi uma longa crônica comentando sobre a emoção que isso representava. O
tempo passou voando. Hoje, vejo como
valeu a pena. Mas tenho que confessar uma mentirinha, que várias pessoas também
cometem para não desestimular nem assustar iniciantes: eu falava que essa dança
não é difícil de aprender. Vamos dizer a verdade a quem pretende fazer bem: é
sim difícil, e muito. E mais: a gente jamais para de aprender. Aliás, até samba
no pé, para mim a dança mais simples que existe, comporta sempre mais
aprendizado. Já o samba a dois, de salão ou show, considero tão difícil quanto
o tango.
É
claro que o grau de dificuldade, ou de facilidade, se preferir, vai variar em
cada pessoa. Há talentos especiais, que decolam com tanta rapidez e brilho, que
dá até raiva. Tenho uma amiga assim. É a Maria Cristina Ferreira, que nunca
para de estudar e frequenta há 22 anos a Escola Celso Vieira. Passos, que ralei
para aprender, em várias aulas, eu explicava e ela fazia de cara, ou na segunda
tentativa. Logo explico porque isso acontece.
E
há corpos travados, na difícil conexão com o cérebro, que não conseguem nem em
trinta ou quarenta anos. Não é culpa deles, dançar é uma arte, e como toda arte
exige talento nato, não bastam só aulas e técnicas. Se não fosse assim, todo
mundo seria Mikhail Baryshnikov ou Anna Pavlova, para citar apenas dois mitos
da dança clássica em todos os tempos.
Mas
por que, afinal, algumas pessoas, como a Cris, têm mais facilidade do que
outras para dançar bem e aprender rápido? A resposta reside em algo chamado
corpo musical. O corpo musical nasce com a pessoa. É um talento especial, tanto
quanto pintar, tocar bem algum instrumento, cantar, escrever, ou se destacar em
algum esporte. “Ah, mas fulano nunca tinha dançado e logo se tornou um grande
dançarino”, poderá afirmar alguém. Num caso assim, essa pessoa já era dotada do
corpo musical e não sabia. Ao iniciar, despertou um talento que estava
adormecido. Porque assim como existem aqueles que aprendem rápido e deslancham
nas pistas com grande desenvoltura, existem também aqueles que passam muitos
anos insistindo, gostam de dançar, fazem cursos e mais cursos, mas avançam
muito pouco, sem conseguir resultados compatíveis com tantos esforços. Não é
culpa deles. A natureza não foi generosa com tais pessoas nesse atributo.
Quando forçam, fica caricato. Agride o olhar. Então é melhor que cada um
respeite seus próprios limites. Apenas isso, sem desistir do prazer e da
alegria.
É
importante ressaltar que corpo musical não é passaporte para dançar bem todos
os ritmos. Tudo passa pelo treinamento e educação do corpo. Pesa muito o “body language”, aquela expressão
corporal típica e predominante em cada povo, como também seu biótipo. O tango
de brasileiros poderá sempre ter um leve sotaque nativo, principalmente no
quadril, e isso não é mal, pode até ser explorado como um charme. O problema é
só quando passa do ponto.
A
dança envolve uma estética, com padrões. Quando não são alcançados, se torna
pobre. Se quiserem me torturar, me obriguem a ver uma apresentação de alunos de
academia. Não é que não devam fazer. Devem! Mas dentro do grupo, com suas
famílias, que vão adorar. Vender como show, num grande baile, é dose!
Ninguém precisa ser Pablo Picasso para se
divertir pintando quadros, sem compromissos nem cobranças. Desde, claro, que
não se invista no papel de artista nem queira expor. Eu poderia me matar
treinando tango e não alcançaria a performance de grandes nomes do gênero,
simplesmente por um impedimento, que vai muito além da técnica: eles nasceram
com um corpo musical que eu não tenho. Ou até tenho, mas limitado quando
comparado ao deles. Os corpos musicais não são iguais. Existem gradações entre
eles. Isso explica porque excelentes tangueiros profissionais, por exemplo, não
conseguem alcançar o nível de um Sebastián Arce, o melhor do mundo.
Se
preferir, troque a expressão corpo musical por talento, dá na mesma. Aqui
estamos falando de tango, mas a teoria se aplica a qualquer outro ritmo.
Pergunte num grupo de ótimos salseros quantos deles conseguem chegar perto de
um Rafael e Carine, cinco ou seis vezes campeões mundiais. Certamente,
nenhum.
O
que fazer? Adaptar nossos corpos à realidade daquilo que podem alcançar. Ter
consciência corporal dos nossos limites. Sem sofrimento e sem frustrações. Nada
forçar. Pelo contrário, com alegria, descontração e principalmente elegância e
emoção. Sejamos o possível, e façamos o possível. Sem sonhar além disso, e sem
sofrer. E sem invejar quem consegue patamares inacessíveis aos nossos corpos.
Melhor que invejar, será admirar e tê-los como modelos para nossas fantasias.
Dica prática: podemos melhorar e
reeducar nosso corpo, com alguns cuidados. As duas formas clássicas são
exercícios e alimentação saudável. Rafael e Carine, campeões mundiais de salsa,
há anos são orientados por uma nutricionista. Adotam as recomendações com muito
rigor. Um corpo bem cuidado e mais leve dançará melhor, com certeza. E a roupa
cairá melhor, ajudando na composição. Para os mais velhos, meu caso, é difícil
manter a forma. O metabolismo muda, a barriga se apega ao dono. Mas a gente
tenta não piorar. Dançarinos jovens têm por obrigação cuidar do corpo, sem
inventar desculpas.
O bailarino J.C.Viola, em entrevista de
capa no Dance, há vários anos, revelou que buscava inspiração em bichos, como
os felinos, para seus exercícios de expressão corporal. No sapateado da chacarera,
há professores que ensinam imitar os movimentos das patas dianteiras do cavalo.
Fica perfeito. Precisamos tomar por principio que nosso corpo é rebelde e
precisa ser gradualmente domado. Todo esforço vale a pena, e até aquele querido
vira lata pode nos ensinar algo.
Filmar ajuda muito
Filmar
o final das aulas de dança, quando os professores demonstram os passos
ensinados, é um ótimo método de aprendizado. O normal é a gente esquecer tudo
no dia seguinte, então a filmagem ajuda a resgatar o esforço, tempo e grana ali
investidos. Além da demonstração dos professores, procure filmar você próprio
fazendo os passos. Pode até fazer decompondo, etapa por etapa, para ficar mais
fácil a memorização.
Mas
há professores que não permitem filmagens, nem no final. É prerrogativa deles,
baseada em direito de imagem. Não compete a ninguém questionar. Para evitar
constrangimentos, sempre pergunte antes se pode filmar. O mesmo vale para
postagens das cenas.
A
lado dessa utilidade didática, a filmagem, se arquivada, ajudará no
acompanhamento da sua evolução. Depois de um ano, revendo cenas, você terá o
impulso de apagar, de tão ruins que vai achar. Se isso acontecer, ótimo, seu
avanço no tango será incontestável.
Mas
existe um momento em que a filmagem deve ser esquecida. É quando algum casal
famoso se apresenta no baile, ou teatro. Você poderá vê-los no Youtube, em
vários vídeos disponíveis de graça, então não perca sua chance rara de curtir o
show só com os olhos. No show do baile, se estiver filmando, você perde o
melhor, que é a emoção. Lembre-se que os artistas precisam da energia do
público. Quando todo mundo está filmando, eles ficam sem esse apoio e energia
tão importantes. O ambiente se torna frio, faltam os aplausos e suspiros. E
você perde o melhor, que seria o encantamento e sorver os ensinamentos dos seus
ídolos, ao vivo, sem uma lente na frente do rosto.
E Youtube, ajuda?
Com
certeza sim, mas não a ponto de se achar que poderá substituir as aulas reais.
Iniciantes e intermediários terão muita dificuldade em reproduzir algum passo
visto no Youtube. Alguns avançados até conseguem, mas não todos os passos.
A
questão é que tudo tem um pulo do gato. Aquela sutileza, ou segredinho, que
facilita a execução do passo. Isso nenhum Youtube ensina.
Mas
o Youtube permite que você veja grandes tangueiros dançando e possa ali buscar
referências. Por exemplo, observar a largura dos passos; a pisada; a forma de
girar (principalmente para mulheres), postura e abraço, etc. É uma ferramenta
auxiliar, jamais um modo único de aprendizado, que dispense as aulas normais.
Tenho
como hábito escolher algum nome famoso para ver exaustivamente no Youtube.
Quando gosto de algum passo, puxo de volta aquela barra na base da tela, para
ver de novo. Quando me canso do casal, busco outros nomes e repito o processo.
O objetivo é ir elegendo modelos, como referência. Em alguns me encanta a
pisada, caso do Gustavo Naveira; em outros os giros, caso de Fabián Peralta; em
outros mais o conjunto da obra, como Sebastian Arce, Sebastian Achával, Roberto
Zuccarino, Sebastian Gimenez, Adrian Veredice, Junior Cervila, Pablo Veron,
Rodrigo Palacios, Jonathan Spitel, Osmar Odone, Pancho Martinez Pey. Além
destes, há muitos outros nomes que costumo ver, todos muito lindos. E todos já
assisti, ao vivo, em aulas ou milongas. Seria impossível citar todos aqui, mas
ficam aí algumas sugestões para você iniciar suas pesquisas e navegar em ótima
companhia.
Não
é para bailar como eles, cada um tem sua personalidade, cultura tangueira e nível de dança. Não se trata de alimentar fantasias. O que se
propõe é a busca de refinamento para o nosso senso estético. Assimilar dados
comparativos que nos permitirão distinguir entre uma dança de qualidade, com
esmero técnico, de outra pobre e medíocre.
Por
outro lado, se o que pescou for ruim, delete imediatamente. Sempre digo que
ruindade pega, é um perigo. Evite olhar.
Vale
a pena assistir também os grandes mestres do passado. A surpresa será constatar
que os mesmos passos que aprendemos hoje, eles já faziam. Os passos apenas
ganharam mais variações e talvez refinamento. Pena que as cenas são raras e
rápidas. Veja Eduardo e Gloria, Todaro, Pepito Avellaneda, Juan Carlos Copes,
Gavito.
Quero
deixar registrado aqui meu respeito e homenagem a grandes tangueiros
brasileiros, do passado e do presente. Não só de São Paulo, mas das mais
diversas cidades brasileiras. Apenas evito citar nomes, optando pelos argentinos,
para ficar no plano neutro e não cometer injustiças e omissões. Só quebro essa
regra quando cito meus professores, portanto minhas referências, e nem poderia
ser diferente.
Dica prática: para filmar, se possível,
use um tripé, para estabilizar a câmera. Não mão sempre treme. Evite filmar
contra a luz, para não transformar o motivo em silhueta. O brilho atrapalha.
Fuja também dos espelhos. Ao movimentar a câmera, para acompanhar os
dançarinos, faça o mais devagar possível. Se fizer rápido, do jeito que olhamos
naturalmente, a cena ficará cheia de pulos, ou desfocada. Na documentação para
fins didáticos, não só os pés são importantes. Observe e grave as torsões, no
tórax, onde tudo começa. Montar um arquivo com imagens de passos, e rever com
freqüência, ajuda na memorização. E tem a vantagem de poder voltar quantas
vezes quiser, a qualquer ponto, para tirar dúvidas.
Além da câmera, será útil fazer
anotações durante as aulas, principalmente para memorizar nomes de passos e
movimentos, além de dicas práticas comentadas pelos professores. Mesmo que não
volte a reler, só de anotar ajuda a retenção na memória.
Só a técnica
resolve
De vez em quando, ao dançar pela primeira vez com
uma dama, no baile, percebo probleminhas básicos, tipo rebolar demais, que não
é linguagem tangueira para quem segue a escola portenha. Aí ela fala que faz
aulas há dois anos com o professor ou professora tal. Fico pasmo. Então, como
ainda dança tango sambando? O professor nunca viu isso? Claro que nada falo, seria uma indelicadeza,
mas a percepção é inevitável. Só faço comentários quando a dama me solicita e
dá liberdade para isso. Mesmo assim, sempre estimulando e com o cuidado de em
nenhum momento ferir sua auto-estima. Sei, por experiência própria, o quanto
isso incomoda, até que a gente expurgue de vez a energia negativa que nos foi
inoculada por algum mau caráter.
Conheço também a contrapartida positiva. Gosto, por
exemplo, quando uma amiga e mestra, como a Luciana Mayumi, grande bailarina, me
ajuda com correções no meu tango. Cobro dela a liberdade para isso, pois quero
sempre melhorar. São vários os detalhes que corrigi graças a ela, e fora de
aula, no baile mesmo. Para não falar da Márcia Mello, com quem vou mais além:
nos últimos anos fizemos periodicamente uma aula-prática laboratório, com
interrupções no meio da dança para discutir detalhes técnicos. Divina dançando,
a Márcia me brinda com sua sensibilidade feminina: me fornece o feedback que preciso para uma condução
eficiente e confortável, que encante a dama. O detalhe, às vezes, é o
segredinho mágico de um sutil movimento de ombros. Ou evitar uma mão que trava
o giro, sem que eu perceba. Se consigo, ou não, é outra realidade. O
fundamental é que o cavalheiro tem que tentar, tendo como meta colocar a dama
acima do seu próprio ego. Sinceramente, uma parte do que se vê nos bailes passa
longe disso. O sujeito parece dançar sozinho, na sofreguidão de fazer passos,
sem compartilhar a dança com a parceira. Mesmo na mera diversão, até com uma
pessoa com quem nunca se dançou antes, são a cumplicidade e solidariedade entre
o casal que tornam o tango bem dançado e prazeroso. Não ser a dama rebelde, nem
o cavalheiro autoritário. A receita é simples: cada um tem que respeitar o
tempo do outro, na conclusão de cada movimento, incluindo-se nisso seus
adornos. Para ficar bem claro: quando um adorna, o outro espera.
Sem essa
humildade, de entender que teremos sempre algo mais para aprender, corrigir,
melhorar, ninguém evolui no tango. O presunçoso, que acha que nada mais tem a
aprender, e que dispensa a ajuda de quem tem experiência, perde valiosas
oportunidades que poderiam fazer sua dança crescer. Só que o detalhe
fundamental e indispensável é perceber que professor de dança é como médico e
dentista: o aluno tem que confiar nele. Tem que respeitar seus critérios. Sem
perder o direito de questionar. O questionamento leva ao convencimento e à
consciência corporal, não meramente ato mecânico.
Certa ocasião fiquei sabendo de um professor
argentino, famoso, que esculachou a turma inteira assim que terminou um tango
que ele colocou para avaliação do grupo, onde estavam alguns professores
brasileiros. Eu estava no festival, mas não nessa classe, felizmente. Se lá
estivesse teria saído na hora. E teria dado o troco: “nós não sabemos dançar, e
você não sabe ensinar”.
O episódio ilustra uma realidade: dançar bem e ser
famoso no tango não significa saber dar aulas, nem entender de relações
humanas. Nada credencia alguém a ser grosseiro, principalmente quando está no
exercício de um trabalho para o qual foi pago. Leve isso em conta na escolha
dos seus mestres. Para o bom aprendizado não é o esculacho que funciona e sim o
estímulo. Todo mundo gosta de um afago, de vez em quando. O professor tem que
incentivar seus alunos, festejar com eles seus sucessos e pequenos avanços. Se
não se orgulhar da evolução dos alunos, e inclusive de também aprender com
eles, não é professor. Será apenas um frustrado qualquer, buscando
auto-afirmação e alguns trocados.
Espontaneamente, no baile, é muito feio quando o
homem avalia negativamente a dança da parceira; e o contrário também, se ela
depreciar a do homem.
Uma amiga argentina me contou sobre um cara, de
Buenos Aires, que costuma interromper a dança no meio, na primeira música da
tanda, se percebe que a mulher não corresponde ao que ele deseja. Típico do
sujeito bronco e nunca amado, que nasceu sem berço. Elas deveriam combinar,
todas, dizer não a cada convite desse cretino no baile. É o mínimo que merece.
Outro caso inacreditável, real, também lá, foi o
sujeito que brecou a dama depois de um adorno, reclamando: “Não mandei você
fazer isso”. Não lembro o que ela respondeu, mas se mandou o cara para o
inferno, acho que foi até educada. Esses tipos, infelizmente, existem. E o pior
é que dançam mal, como está evidente, e se julgam grandes tangueiros.
Detalhe: para elogiar, e principalmente mentir,
todos são livres. É o costume de alguns velhos chavequeiros portenhos, como
forma de cantar mulheres. “Bailas como uma portenha”, costumam dizer para a
ingênua, que acredita e se derrete toda. Quando dançar em Buenos Aires, abra os
olhos. Só não leve situações assim a sério, enxergue com bom-humor, isso faz
parte do folclore do baile. Compete a você, sem se encher de não me toques e
outras frescuras, aceitar ou não o jogo. Mas, afinal, se terminar na cama, e
for bom para ambos, que mal tem?
No primeiro caso citado, da dama que rebola muito,
refiro-me à necessidade da técnica como prioridade, antes dos passos. Na pressa
de agradar ao aluno, que lógico, deseja passos, para fazer no baile, alguns
professores deixam as questões técnicas para depois. De tanto protelar, acabam
esquecendo. Resultado: o aluno incorpora vícios que poderia ter evitado no
início do aprendizado. Depois, para tirar, é um trabalhão danado.
Esse problema da falta de base técnica está nos
legando uma geração de tangueiros-forrozeiros, zuqueiros, salseros,
sambistas... E o que se espera de um tangueiro, ou tangueira, é uma performance
não de artista, mas de alguém que evolua na pista com uma postura digna da ronda
nas melhores milongas de Buenos Aires.
Rigor? Ora, estamos falando de dançar bem. Para
fazer de qualquer jeito ninguém precisa de aulas, nem de parâmetros.
Aprender
dezenas de passos faz parte da ansiedade do aluno iniciante em dança, em
qualquer modalidade. Alguns chegam a
contar,
declarando com orgulho a quantidade.
Só
o tempo nos leva a entender que isso é bem menos importante
do
que aprender fundamentos técnicos. Sem os quais nenhum passo será bem aplicado.
Comparando, seria como desejar falar outro idioma sem estudar gramática. A
pessoa falaria sempre mal. O fundamento técnico é a gramática da dança.
Ferramental que muda tudo, o perceptível e o imperceptível.
O
que seria isso? Vamos lá, com alguns exemplos: aprender como caminhar e pisar,
impulsão (pernas, bacia e peito), torções e dissociação, uso do tônus muscular,
conceitos de indução e condução, tempo musical e uso de pausas, giros e
inversão de direção, equilíbrio, conexão, postura. Tem muita coisa. Diferente
do passo, a técnica nem sempre é visível, mas seu efeito sim.
Em
palavras bem simples, é a técnica que nos dá os segredinhos para dançar bem e
bonito. Ela facilita o aprendizado de novos passos. E, sem ela, o baile nunca
perde aquela cara de aula, com tudo marcadinho e forçado. Mesmo passos
conhecidos e previsíveis ficam bonitos quando aplicados com técnica. Uma
simples projeção de joelho, por exemplo, pode fazer a diferença. Outro detalhe
interessante é que na dança avançada a técnica proporciona mais iniciativas da mulher. Não existe mais
aquele conceito de que tudo depende só da condução do homem. A dama precisa
entender isso naquele momento em que ele abre o abraço e espera. Ela não pode
ficar hesitante, esperando condução. O que o homem está sugerindo? Que ela
brilhe, faça adornos e pivôs, dance. Isso é moderno. Tango avançado. Realça o
papel da mulher na dança. É o verdadeiro cavalheiro atuando como um partner
para sua dama, como se faz no balé.
No
tango conservador não é assim: neste o machismo é irmão do autoritarismo, o
homem não abre mão de decidir cada detalhe. Onde se insere o grosseiro citado
acima. Caros, isso é superado, os tempos mudam. A mulher não é um objeto em
suas mãos, ela tem uma personalidade a expressar. E mais: quanto mais ela
brilhar em seus braços, mais você expressará sua capacidade como condutor. E ao
contrário, se ela se encolher, sufocada pelo açodamento masculino, podem ter
certeza que ele cumpre mal seu papel e não está agradando.
Ora,
a ele cabe aprender essa nova linguagem, onde se inclui esperar que a dama conclua todo seu
movimento, e só prosseguir depois da pisada. É o mínimo. Há momentos,
inclusive, em que ela conduz, como em determinados giros e planeios, que ele
não conseguiria fazer sozinho.
Devo
esse aprendizado ao Festival Lady`s Tango (anual), da Johana Copes, com um
timaço de mestras e sempre um professor famoso especialmente convidado.
Aperfeiçoamento para damas, mas aceita homens. Estive em vários, inclusive na
edição 2016, e recomendo muito. Esse evento mudou minha visão do tango. Seu
irmão, com igual qualidade, é o Bailemos Tango, geralmente em novembro, para
meninas e meninos. O local é a Mansion Dandi Royal, hotel temático de tango, em
San Telmo.
O
que se vê nos bailes é uma profusão de passos aleatórios, sem conexão com a
música e sua proposta emocional. Essa loucura despreza as pausas. Poucos casais
deslizam no tempo musical, com o tônus muscular bem aferido pela emoção,
procurando trocar a overdose de movimentos pela limpeza, esta sim responsável
pela beleza. Até bons dançarinos sucumbem ao impulso do exagero. Fica muito
explicita a intenção de impressionar, tirando a graça e causando rejeição.
Alguns confundem fluência com correria. Não
percebem que a dança cresce é na simplicidade, que é só aparente. O segredo dos
grandes artistas de shows é que dançam como se aquilo fosse sem esforço e sem
grande concentração. Fred Astaire sintetizou tudo na frase “tem que parecer que
é fácil”. Tinha razão: ao ver seus filmes, todos ficamos com a impressão de que
seríamos capazes de dançar como ele. OK, tente! Mas na frente do espelho, para
perceber a caricatura.
Tudo
isso se corrige com técnica, limpando cada vez mais os movimentos. A dança
cresce, sem forçar a barra, e ganha olhares admirados.
Isso
não quer dizer que não se deva ter modelos estéticos. Acho interessante ser fã
de carteirinha de determinados dançarinos e bailarinos, buscando neles
elementos para sua própria linguagem em dança. O belo será sempre expressar sua
própria personalidade, respeitando as características e possibilidades do seu
corpo. Por exemplo, quem malha muito com pesos em academia de ginástica não
poderá aspirar ombros leves e soltos numa salsa ou zouk. Assim como quadril
excessivamente solto não ajuda no tango. Para dançar precisamos primeiro
conhecer nosso próprio corpo e do que será capaz. Pouca estatura ajuda muito na
dança e na ginástica, em decorrência do forte centro de gravidade. Mas não
ajuda no ballroom (ou dança esportiva), todo alongado e feito para pessoas
altas. Cabe pensar até no figurino que melhor se encaixe em cada corpo. São
percepções indispensáveis na hora de se escolher a modalidade dos nossos
sonhos. Por sorte, a maioria serve a todos os corpos.
Dançar
bem é um processo longo, demorado e paciente. E acima de tudo exaustivo. Exceto
em raros casos de talentos excepcionais e acima da média, no tango, por
exemplo, o dançarino começa a deslanchar a partir dos dez anos, ou mais, de
prática constante e intensiva. Como já contei, entrevistei um dos mais
respeitados mestres, o argentino Gustavo Naveira, defensor da mesma tese.
Antes
desse prazo fica impossível educar o corpo, aprender parte considerável da
infinidade de passos, e principalmente assimilar as centenas de detalhes
técnicos, que vão desde as formas de pisar com o pé, passando por todas as
partes do corpo, até a posição da cabeça. Com apenas cinco anos de tango, mesmo
que dance todos os dias, ninguém consegue chegar sequer num terço do repertório
técnico hoje disponível. Principalmente porque não basta conhecer determinados
quesitos: é indispensável praticar muito até que fluam como se fossem naturais.
Por
esses motivos nada é mais enganoso do que acreditar que se pode aprender a
dançar pelo Youtube. Este é útil como informação e referência, leia o capítulo
sobre o tema, e deve fazer parte do estudo. Mas o pulo do gato, o detalhe que
faz toda a diferença e produz o efeito, só se aprende com professor
qualificado. E depois de muita prática.
Todavia,
dançar mal não é pecado. É apenas feio para quem olha. Mas ninguém pagou para
ver show, pista de baile não é palco. É mero local de lazer e prazer. Nada deve
ser impedimento para que as pessoas se divirtam, cada uma a seu modo e dentro
dos limites dos seus propósitos com dança.
Se
pretender ser profissional, dar aulas e fazer shows, aí sim complica. Falhas básicas
se tornam imperdoáveis. O mais lamentável é que tais “professores” jogam nas
pistas safras de dançarinos que reproduzem sua ruindade. Muitos sequer conhecem
as regras de circulação no salão, entrando em diagonal ou dando passos em
marcha ré, contra o fluxo da ronda.
Escandaloso
e condenável é se auto-intitular professor de dança sem ter passado por todo o
processo aqui comentado. E pior: quando parado no tempo, sem estudar, sem
acompanhar tendências e novidades, sem beber na fonte dos grandes e consagrados
artistas.
Só
será realmente professor, ou estrela da dança, quem jamais para de aprender. É
a fase em que os realmente bons se preocupam menos com passos e ficam fanáticos
por técnica.
Dica prática:
assimilar técnicas é diferente de decorar passos. O passo você vai usar de vez
em quando. A técnica, sempre. O esforço inicial será ficar lembrando, porque o
corpo tende a relaxar e esquecer. Quando a técnica se torna natural,
incorporada ao seu modo de dançar, sem requerer tanta concentração, você chegou
lá. Conseguiu! Tudo bem, mas não pense que dispensará totalmente a
concentração. Principalmente no caso do homem, responsável pela condução. Ele
não pode ficar hesitante, sem saber o que fazer no final de cada movimento. Por
isso será indispensável que esteja 100% focado na música. Conversas no meio da
dança atrapalham. Em Buenos Aires isso é considerado sacrilégio. Dama, nada de
cantar junto, no ouvido dele, isso atrapalha e desconcentra o cara. Exceto se
você e sua voz forem lindas. Aí só louco vai pensar em passos e técnicas...
A química perfeita na dança a dois
O
mais difícil na dança a dois é formar a parceria perfeita. O pré-requisito para
se achar a parceria ideal será sempre um mistério, porque é uma questão de
química entre o casal. Que independe de beleza, altura, peso, idade ou nível
técnico do casal. Mesmo um par iniciante pode ter essa química.
A
afinidade se processa no encontro dos corpos e na cumplicidade que se
estabelece entre eles. Eles dançam juntos, como se fossem um corpo único, mas
na verdade um dança para o outro, sem competição, alcançando um prazer
incomparável, por mais que troquem, experimentando outros abraços.
Essa
nada tem a ver com a química sexual, que é outro departamento. Um casal pode
desfrutar de imenso prazer na dança sem que isso passe também pela cama.
Conheço alguns casais que vivenciam isso, sem misturar a dança com vida pessoal
e privacidade. Também experimentei, e gostei.
No
caso de profissionais, já ouvi de vários deles que gostariam de não misturar
mais o trabalho com relacionamento íntimo. Fica sufocante estar junto o tempo
todo. O desgaste na relação, que é uma coisa normal e acontece com grande
freqüência, pode afetar essa química, pois ela está associada à liberação de
adrenalina. Com bico, por causa de uma discussão recente, ou mesmo
ressentimento que ficou, não acredito que um casal possa manter a mesma química
na dança. Tudo bem, eles farão o correto, porque sabem dançar, mas faltará o
principal, que é a emoção. Copiando comentário da bailarina Ana Botafogo:
“Mesmo que não role nada numa parceria, na dança tem que parecer que
rola”.
Quem
sair por aí procurando essa química terá uma frustração atrás da outra. Isso
acontece por acaso, quando menos se espera. Não se cria essa fusão entre os
corpos, ela ocorre de forma natural e instintiva. Comparando, é como o ritmo,
que não se aprende, é um dom de cada corpo. Uns têm mais, outros menos. Muitos,
nenhum. A prova é gente que passa vinte anos fazendo aulas de dança e não
consegue destravar o corpo. Ninguém aprende ritmo, aprende passos, que é bem
diferente. Existem pessoas dotadas naturalmente do corpo musical. Elas podem
expressar isso até sem consciência do dom, apenas caminhando, e sem saber
dançar.
O
simples fato de um homem e uma mulher dançarem bem, com amplo domínio da
técnica, não significa que se estabelecerá essa química. A dança deles poderá
ser agradável e bonita, mas não completa e precisa como acontecerá quando se
estabelece a química. É por esse motivo que algumas pessoas, depois de desfeita
uma parceria onde havia essa sintonia fina, ficam vários anos experimentando
parceiros diferentes e não se fixam em nenhum. Tudo isso vale tanto para
profissionais como amadores.
Na
dança da química perfeita até a respiração do casal conduz seus movimentos. A
mais sutil torção de quadril, por exemplo, é imediatamente percebida e
absorvida pelo parceiro, ele ou ela. Ou condutor e conduzido, se forem pessoas
do mesmo sexo, cada vez mais aceitas com naturalidade nas pistas de bailes.
Mas
assim como existe a química, sempre rara, -- porque não pode ser unilateral,
não basta que um sinta, é indispensável que envolva e domine a ambos, -- ocorre
também a anti-química. É aquela dança que não “encaixa”, não flui, por mais que
se tente e por mais que os dois dancem bem e com técnica. Fica uma dança fria e
burocrática, cujo melhor momento é o final da música.
Na
química perfeita será sempre o contrário. Todas as músicas parecem breves. Eles
querem sempre mais. E todos os bailes são como uma bênção que não se explica, e
parece vir do Além.
Dica técnica: Conexão é uma palavra
chave em tango. É aquele deslocamento de dois corpos, abraçados, que flui com
harmonia, graça, beleza. Parecem corpos imantados. Isso deriva da química que
acaba de ser comentada, mas também de refinamento técnico e treinamento. No
tango, primeiro aprendemos a condução com o peito. Em outra etapa, aprendemos
que também os quadris precisam estar perfeitamente conectados. Um acompanha o
outro, o tempo todo. Quando isso é quebrado, no peito ou quadril, o jargão diz
que o casal “perdeu o abraço”. Isso é muito comum em movimentos em diagonal,
razão pela qual se recomenda evitá-los e sempre dançar redondo, buscando o
tempo todo o corpo do parceiro, ou parceira. Isso vale para o tango salão, no
show muda tudo, lá a desconexão pode ser intencional. No campeonato mundial de tango salão, para um
leigo todos estão dançando igual. Mas os jurados, e quem do público conhece
tango, percebe quando perdem o abraço. Isso lhes custa valiosos pontos.
O
iniciante perde o abraço a todo momento, é normal e ninguém precisa fazer disso
um drama. Ninguém começa arrasando, nem conhecendo tantas questões técnicas. A
evolução é um processo lento e gradual, fruto de muito estudo e prática. E
interminável. Tantas sutilezas, que só se aprende com dedicação ao estudo, sem
pressa, com o tempo farão você entender que aquele casal que entra na pista
fazendo ganchos e pernadas de forma alucinada estará longe da essência do
tango. Mas também não sejamos dramáticos: é lícito brincar e se divertir. Tem
hora que a gente quer isso, fugindo do rigor.
Aqui nos referimos a padrões clássicos da
estética tangueira. Tirando a
brincadeira, o importante não é dançar alucinado. No mundial, um simples gancho
desclassifica o casal. O que encanta os olhos é a fusão dos corpos. E a
verdadeira sofisticação da dança este em sua, só aparente, simplicidade.
Quando ouvir falar que um casal está
dançando bonito, limpou a dança, isso significa que tirou todos os excessos e
passos que estavam sobrando na interpretação musical.
O estoque de passos de cada pessoa é
como o vocabulário na expressão verbal ou escrita. Imagine seu eu usasse só
neste capítulo todo o meu vocabulário. Não haveria livro.
Paixão por Buenos Aires
Os
turistas que costumam visitar a Argentina se dividem em duas categorias:
tangueiros e não tangueiros. Em 1972 e 74, quando fiz minhas primeiras visitas
a Buenos Aires, eu pertencia a esta segunda categoria. De 14 anos para cá,
mudei para a primeira. E tornou-se impossível saber quantas vezes lá voltei,
atraído pelo tango. Estimo em quarenta vezes, ou mais, é sério. Só num ano fui
seis vezes, colocando na conta o cruzeiro Tango & Milonga, da Costa
Cruzeiros, tendo o jornal Dance como
promotor e divulgador oficial.
Da
paixão pelo tango, para a paixão por Buenos Aires, é um caminho curto e direto.
Não conheço tangueiro que não compartilhe com os demais este mesmo sentimento.
A
cerca de três horas de vôo de São Paulo, cotidianamente tem muita gente aqui
que gasta mais tempo do que isso no trânsito. E os custos da viagem, comparando
com outros destinos, inclusive domésticos, são acessíveis a todos. As opções de
hospedagem vão de hotéis cinco estrelas aos hostels de San Telmo, baratos e
muito procurados por estudantes. Fica também em San Telmo o Hotel Dandi Royal,
temático de tango, com salões de bailes e maravilhosa decoração. Já fiz
reportagem sobre esse hotel, onde costumo me hospedar de vez em quando. Ali há
milongas semanais e os dois festivais anuais de Johana Copes, Bailemos Tango e
Lady`s Tango. Referência para achar, se quiser conhecer: esquina de rua Piedras
com Estados Unidos.
A
estas alturas, nem posso mais me chamar de turista, como diz minha amiga Ana
Maria Navés, premiada escritora de tango, de Buenos Aires, que me honrou com a
autoria do prólogo de um dos seus livros.
Sinto-me
em casa sempre que o avião pousa em Ezeiza (o Cumbica deles), ou no Aeroparque
(o Congonhas). Ou quando o navio aporta no Rio da Prata, que não tem essa cor,
é marrom mesmo, mas sempre emocionante pela tremenda História que guardam
aquelas águas. Ali é o estuário que permite navegação fluvial, com seus
afluentes, até Assunção, Paraguai, como veias que integram o corpo do nosso
sulino continente.
Na
cidade, já sei como chegar a qualquer lugar; que buzão ou metrô tomar; o
caminho que o táxis deve fazer. Entro em cafés e restaurantes onde abraço
garçons velhos conhecidos; para não falar das milongas, onde amigos e muitos
rostos já me são tão familiares como nos bailes do Brasil. Logo, não sou mais
turista. Sou portenho amador. Sempre denunciado pelo sotaque do portunhol, tão
ridículo quanto prático nas conversas. Porque o que interessa é entender e se
fazer entender.
Quando
reclamo de lixo e de ruas mal cuidadas em Buenos Aires, isso não é a critica de
turistas chatos, que esquecem das mazelas, não poucas, do Brasil. Minha
reclamação é a de quem ama a cidade, tem carinho por ela, e portanto se
incomoda com isso. Já estive em cerca de 70 países e nenhuma cidade mexe tanto
com meu coração como Buenos Aires. Com seus cafés antigos, de ventiladores no
teto; parques magníficos; avenidas largas; prédios com altura que não sufocam,
é possível ver o céu. Lá, ao contrário de São Paulo, a especulação imobiliária
não devorou a cidade. A arquitetura, que faz lembrar Londres em vários bairros,
está preservada. Existe uma vida noturna simplesmente incrível, ao longo de
avenidas iluminadas. A cidade demora a dormir, e acorda muito cedo. O trânsito
é infernal, principalmente na avenida 9 de Julho, mas que brasileiro pode
reclamar disso?
A
diversidade, com bairros de caras totalmente diferentes, é outro fascínio.
Parecem vários mundinhos curiosos e belos, que se uniram. Caminhar pelas ruas
de pedra, com restos de trilhos de bonde, apreciando a arquitetura de San
Telmo, é um mergulho no passado. Imperdíveis, seus antiquários, com peças raras
e deslumbrantes. Certa vez, descendo a avenida Santa Fé, uma das várias que
cortam a cidade por muitos quilômetros, fiz uma caminhada de cinco horas. Um
bom par de tênis é o melhor meio de transporte em cidades que nos seduzem. Mas
meu recorde foi em Nova York, onde caminhei seis horas.
Buenos
Aires foi planejada e o modelo foi Paris. Não precisa dizer mais nada. O Café
Tortoni é lindo, visita imperdível, mas minha paixão mesmo é a deslumbrante
confeitaria Las Violetas. Até o nome encanta. Além de bela, com espelhos e
vitrais coloridos, tem bons pratos. A seção de doces nos remete ao conto
infantil do João e Maria. Como gosto de roupas, as lojas masculinas refinadas
são um perigo. Haja cartão de crédito. Caminhar em algum parque e voltar sempre
ao bairro Recoleta são programas de praxe. No La Biela, ao ar livre, entre
pombos atrevidos que se aproximam da mesa, tomo uma saborosa cerveja nacional,
claro, ou bom vinho, e não me canso de apreciar aquela que deve ser mais
espetacular árvore da cidade, ali ao lado, com suas imensas raízes à mostra. Na
última viagem, para o Mundial de Tango, aproveitei para visitar, por dentro, a
Casa Rosada, sede do governo federal. Vale por uma aula de História para quem
tem paciência de ler os textos aos lados de fotos históricas. A denúncia do
genocídio dos índios é explicita. Como também o ostracismo, merecido, dedicado
aos generais que lá se instalaram como ditadores, mandando torturar e
assassinar nas prisões. Foram tempos tenebrosos, que a Argentina não quer
esquecer, para que nunca mais voltem. As livrarias e sebos estão por toda a
parte. Não é difícil achar obras raras, verdadeiras preciosidades. Tem de tudo,
de tango à Guerra das Malvinas, uma tragédia recente, da década de 1980. Gosto
de me hospedar no centro, perto do burburinho e do acesso, à pé, de lugares
interessantes. Um deles é a famosa Confiteria Ideal, onde se baila à tarde e à
noite. Bater perna na Calle Florida. Cafezinho e compra de chocolates na
Galeria Pacífico. Dar uma esticada até Congresso, ou percorrer a Corrientes
explorando as boas ofertas, principalmente das lojinhas pequenas. Você pode
sair também sem um destino certo, andar pelas ruas é programa, e com certeza
descobrirá surpresas.
Bate
a fome. As opções gastronômicas são múltiplas, desde as lojinhas de empanadas,
para comer em pé, aos refinados restaurantes de cardápio internacional. Mas é
claro que a carne, principal prato do argentino, merece ser bem apreciada. As
churrascarias, lá chamadas parrilla, estão por toda a parte. Se quiser ir num
lugar bem típico, com a cara da cidade, pequeno e aconchegante, recomendo a El
Establo, na calle Paraguay, 489.
Para
tangar, procure em postos de informações turísticas as publicações
especializadas. Na “Tango Map Guide”, gratuita, terá todas as milongas, com
endereços, horários, etc. Acompanha um mapinha, que assinala a localização de
cada uma. Obrigatório é conhecer o Salão Canning, o mais célebre da cidade, com
excelentes DJs, como a Vivi La Falce, e de vez em quando música ao vivo. Bailar
no Canning, mesmo que já tenha ido cem vezes, será sempre uma emoção.
Isso
tudo que falei é apenas um respingo no oceano de lugares interessantes que a
cidade oferece. Seria impossível, aqui, apontar todos. A presença do tango está
por toda a parte: no som alto das lojas de músicas, nos casais que dançam nas
ruas passando o chapéu, nos bares típicos, nos monumentos e ruas famosas, como
Caminito e Carlos Gardel, nos teatros e casas de shows, no comércio
especializado. Não existe nenhum lugar do mundo, nem Havana com a salsa, nem o
Rio com o samba, onde se cultue tanto uma música e sua dança. Isso explica a
sedução que leva dançarinos e apreciadores do mundo inteiro até lá.
Dicas úteis: Buenos Aires foi planejada.
Esparrama-se sobre uma suave encosta na margem do Rio da Prata. O rio, onde se
destaca o complexo turístico Puerto Madero, é o grande ponto de referência: a
partir dele, grandes avenidas, com mão única, sobem para os bairros; outras
descem dos bairros para o rio. E há as transversais, vias de ligação entre
elas. A medida em que se aprende os nomes e localização, no mapa, das
principais vias, com seus respectivos sentido de tráfego, vai ficando muito
fácil se orientar na cidade. É incomparavelmente mais fácil do que em São
Paulo. Com a ajuda do mapa, você pode planejar o roteiro sem risco de ser
enganado pelo taxista. Tenha sempre dinheiro trocado para pagar as corridas.
Como em qualquer cidade do mundo, há os honestos, e há os pilantras.
O mapa você consegue, gratuitamente, nos
postos de informações para turistas. Não abrange toda a cidade, mas indica os
principais bairros que podem interessar ao visitante. Algumas bancas de jornais
e papelarias vendem mapas completos. Se for dirigir carro, óbvio, use o GPS.
O ponto mais central, e principal cartão postal,
é o Obelisco. Destaca-se no ponto onde a
Avenida 9 de Julho se encontra com a Corrientes. É também ponto de ligação com
outras ruas. A partir do Obelisco você
pode visitar toda a região central caminhando. Além de agradável, vendo a
cidade pulsar, é um ótimo exercício. Leve um bom par de tênis.
O aeroporto de Ezeiza fica longe do
centro. A melhor dica de transporte, para economizar, é o ônibus da empresa
Tienda Leon. Você adquire o ticket num guichê do saguão e informa onde ficará
hospedado. Pode pagar com cartão de crédito. O ônibus segue direto até uma
pequena rodoviária. De lá, uma van, já incluída no preço, levará você até a
porta do hotel.
O dinheiro é o peso argentino. Se usar
reais pagará tudo mais caro, porque a conversão é critério de quem cobra. Faça
o câmbio. Mas não caia em tentações de ofertas de rua, com desconhecidos,
porque há muito dinheiro falso em circulação. Por segurança, troque em casas de
câmbio, e guarde o recibo. Não está valendo a pena usar o cartão de crédito,
devido ao IOF de mais de 6% e também pela imprevisibilidade do valor do dólar
na data de vencimento da fatura. O melhor será levar dinheiro para cambiar. E,
se dispor de dólares e euros, poderá barganhar bons descontos.
Você pode viajar só com a identidade,
isso faz parte do acordo do Mercosul, mas se tiver passaporte opte por ele,
porque elimina algumas burocracias.
Na escolha do hotel, avalie bem a
localização. Nem sempre um bom preço compensa se for distante dos pontos de
maior interesse turístico, concentrados na área central. Você gastará a
diferença com condução, além de perder muito tempo com deslocamentos. Para quem
fica poucos dias, cada hora será preciosa.
Para quem vai pela primeira vez, o city
tour é recomendável, em ônibus panorâmico de dois andares, com guia explicando
tudo. Assim terá uma visão geral da cidade, podendo depois voltar com calma aos
pontos de maior interesse. Fretar um táxis, com preço fixo e previamente
tratado, também pode ser uma boa opção. A vantagem, nesse caso, é que você pode
decidir o roteiro e o tempo de parada em cada lugar. Não raro, um táxis, por
duas ou três horas, sai mais barato do que o ônibus panorâmico, principalmente
se você tiver com quem dividir a despesa.
Para encerrar, vale lembrar que os
cuidados com segurança são os mesmos para qualquer cidade do mundo, inclusive
nas milongas. Olho vivo! Como dizia Mario Quintana, “seguro morreu de
guarda-chuva”.
Ensinar é uma
arte
Antes
do tango eu já fazia aulas de dança. Mas comecei mesmo nos bailes, de forma
empírica, como todos da minha geração, porque praticamente não existiam escolas
e professores de dança. Eram raríssimos os professores, praticamente só no Rio
e São Paulo, e o trabalho deles tinha pouca repercussão. Eram autônomos. As
escolas, com esse nome pomposo – academia – surgiram bem depois deles. O
crescimento do setor foi a partir da metade da década de 1970.
No
Rio Grande do Sul, onde morei até o final de 1968, até aquele ano não conheci
um único professor de dança. Só fui tomar conhecimento disso em São Paulo, e
graças a placa grande que assinalava a Academia Art & Som, na Avenida
Rebouças. Vi a placa e entrei para me matricular. Fiquei lá um ano, e foi nesse
período, percebendo a carência de informações no meio, que tive a idéia de
criar o pioneiro jornal Dance. É
importante ressaltar que na época sequer havia computadores disponíveis. Eles
estavam recém surgindo e eram ainda rudimentares. Até o e-mail veio depois.
Rede social é muito recente.
Depois
disso, passei por diversas escolas. Sem ficar muito tempo em nenhuma. O jornal
me proporcionava muitas viagens, geralmente para festivais, e ficava impossível
manter regularidade na freqüência às aulas. Então aproveitava os festivais para
aprender.
Aí
veio o tango, e isso me deu a chance de passar por um número enorme de
diferentes professores, no Brasil e Argentina. Além de aprender, a alta
rotatividade de mestres, e a comparação entre eles, desenvolveram também meu
senso critico sobre a forma como ensinam.
A
maioria começa a aula decompondo o movimento, etapa por etapa, mas sem explicar
aos alunos qual o objetivo final. Não gosto desse tipo de aula. Acho que
deveria ser o contrário: primeiro mostrar tudo, dançando, duas ou três vezes. E
só depois disso começar a explicação por etapas. Se o aluno conhecer de cara a
proposta da aula terá melhor rendimento. Não sei com outras pessoas, mas comigo
funciona melhor assim.
Já
estive em classe onde o professor complicava muito e deixava todos com a cabeça
confusa. Aí, quando demonstrava, me dava vontade de perguntar: “Era isso? E por
que não falou antes?”
O problema é que são raros os cursos de
formação de professores e mais raros ainda os debates sobre metodologia de
ensino. Há muitos casos de pessoas que se tornaram professores tendo passado
por uma única escola de dança. Outros, nem isso: aprenderam no baile, por conta
própria. Nenhum demérito, mas não se poderá comparar o conhecimento empírico
com a qualidade do estudo e pesquisa diversificada e crítica, que toma por base
uma soma enorme de experiências, incluindo nisso suas contradições e
divergências.
Os
professores oriundos do baile, ou de uma única academia, sem buscar
aperfeiçoamento constante, não vivenciaram comparações, e não experimentaram
outros métodos. Logo, reproduzem todos os vícios de quem lhes ensinou, entre
eles este de não explicar aos alunos, já ao início, onde deverão chegar. Na
verdade, não sei quem inventou isso, nem porque quase todos copiam.
Como
na Argentina existe uma super oferta de professores de tango, a decorrência é
que lá exista também o maior número com deficiências didáticas. Em alguns
casos, só a foto do abraço que usaram para o folheto de propaganda será
suficiente para se fugir deles. Existe uma proliferação absurda de dançarinos
que se intitulam professores, para faturar uma grana dos turistas, ou mesmo de
patrícios desinformados. Indo lá, cuidado para não cair nessas armadilhas. Mas
a recomendação já vale também para o Brasil. Eu já disse neste trabalho, e
repito, que não acredito em professor de tango com menos de dez anos de
experiência intensiva, que inclua em seu currículo centenas de aulas,
workshops, cursos temáticos de extensão, etc. E mais: Buenos Aires não fica na
China. É pertinho, três horas de vôo. Tempo que hoje se gasta no trânsito
paulistano. Professor que nunca foi lá, para beber na fonte, não conhecerá um
modo de bailar que se tornou referência mundial.
Incluo
nisso, ainda, conhecimentos básicos de anatomia. Se o cara não sabe o que é um
nervo ciático, por exemplo, não está apto a ensinar dança, porque oferece o
risco de lesionar seus alunos com movimentos radicais. Isso vale principalmente
para volcadas e colgadas, ou acrobacias do tango show. O maior risco está no
zouk, com movimentos que afetam a coluna cervical. Conheço gente que teve que
parar de dançar por causa disso. Se tentar, não suporta as dores.
Certa
vez, dançando no Salón Canning, de Buenos Aires, uma moça me cabeceou. Fomos
bailar e já no segundo passo ela começou a bloquear minha condução, como se eu
estivesse fazendo tudo errado. Ora, eu já sabia dançar, e minha ficha caiu
imediatamente: era uma espertinha, caçando alunos turistas. Ela distribuía seu
cartãozinho pelo baile. E dançava mal. Fiquei irritado e nem conclui a tanda,
como sugere a etiqueta.
Conto
isso para que você tome cuidado quando fizer sua estréia em bailes portenhos.
Se acontecer algo assim, corte logo, é picaretagem do mais baixo nível.
O
Brasil caminha para coisas parecidas, infelizmente, pela entrada no mercado de
ensino de gente que ainda nem saiu das fraldas no tango. Sem escrúpulos, querem
é ganhar dinheiro. Ou são boas pessoas, mas desprovidas de qualquer senso
autocrítico.
Fica
aí o alerta a você, iniciante. Não tenha pressa em escolher com quem vai
aprender, nem entre em cantadas de bailes. Os verdadeiros mestres não fazem
coisas assim, eles têm classe. Pesquise bem, busque referências com diferentes
e confiáveis fontes, e nunca feche um contrato sem passar antes por uma
aula-demonstração gratuita.
Outra
dica muito importante: deixe claro ao seu professor que pretende também
experimentar outros professores, como forma de somar experiências e conhecer
outras opções na dança. Isso evitará mal entendidos e ressentimentos futuros.
Exceto se o professor se achar insubstituível. Mas aí o problema será dele, não
seu.
A cara dos bailes
Os
bailes têm caras. Assim como somos diferentes dos argentinos, nos corpos e na
personalidade (refiro-me a um padrão geral predominante, esqueça os rebeldes
que fogem ao estereótipo), lá, como aqui, os bailes também são diferentes. Ou
melhor dizendo, em qualquer ponto do mundo. Vou falar aqui um pouco sobre cada
rosto e corpo, sem levar em conta onde moram. Os bailes descritos a seguir
podem ser em qualquer cidade do mundo. Para facilitar, vamos associar a imagem
desses bailes conosco mesmo, os seres humanos. Afinal, é disso que é feito o
recheio de todos eles.
O
baile de um lugar suntuoso, com escadas de mármore, colunas e lustres, onde
todos vão durinhos dentro de roupas finas, tem a cara de um senhor de bigodes,
sempre sério. Daqueles que dá um pigarro forte, e os filhos peraltas já
entendem tudo, chegou a hora de baixar a bola. Nesse baile, recomendo, não
convém se arreganhar, ao contrário do que poderá fazer no baile que vem a
seguir. Ali, um sorriso discreto, de canto de lábio, é o suficiente. Não se
fala alto. Acho que nem preciso dizer como dançar. Mas vou dizer: muita calma.
Tem
o baile com cara redonda, gordão. A do sujeito bonachão e divertido, que não
leva nada muito a sério. A iluminação é clara e normal, não tem esse negócio de
meia luz. Todo mundo se diverte com ele, e releva suas gafes porque elas são
mais humorísticas do que ofensivas. Este baile é atabalhoado, todos trombam na
pista, e todo mundo ri. Falam alto. Em algumas mesas a turma mal olha para os
lados e se atraca com a mão engraxada no frango a passarinho. Sempre tem um
casal que é o rei do pedaço, monta seu showzinho e olha para as mesas em busca
de olhares admirados. Se o pessoal ri, acham que é sorriso. Se aplaudem por
farra, acham que abafaram. Mas são felizes assim, isso basta. Sempre é gente de
bom coração. Não se tira a fantasia dos simplórios, deixe viver. O garçom é
sempre mal humorado, quase joga a garrafa na mesa e se afasta, vive correndo,
atrasado. Nesses casos, se quiser
dançar, tem que endurecer o corpo, cerrar os dentes, e enfrentar a turba. Mas
na boa, sem encrencas, e sem partir para o ataque. Isso é só para se defender.
Só cuidado com bêbados e eventuais valentões, desses que vivem falando que não
levam desaforo para casa. Briga em baile é coisa raríssima, mas mesmo assim, em
lugares assim, prefiro não dançar, não acho engraçado. Ou opto por me divertir
só olhando da mesa.
Existe
o baile com face de velhinha de cara murcha e curvadinha para a frente. É o
baile onde tudo é pobre e decadente. Há séculos não se investe ali um único
centavo, mas os traços são de um lugar que já foi de certo luxo e requinte.
Geralmente é um lugar de respeito. Todos ali se conhecem e se parecem com a
velhinha.
Seu
oposto é o baile com cara de moleque, imberbe, quase parecendo o rosto macio de
uma mocinha. Nesse baile, velho tá ferrado, não vai achar ninguém para
cabecear. Se fizer isso com uma garota se sentirá um pedófilo. Ou não faltará
quem ache. Nesse baile predominam os shortinhos das meninas e as roupas da moda
dos meninos, com blasers curtos e justos, ou camisas coladas na pele para
ressaltar seus dotes físicos. Verifique sua idade antes de entrar lá. Se o
porteiro te chamar de tio, desista ali mesmo, na porta.
O
que sempre amei, mesmo, é aquele salão com cara bem brega, com cortina de
franja colorida na porta do banheiro. Com cara de povão. Sem preconceitos.
Guardo belas memórias desses lugares, algumas inconfessáveis. Lá tocavam
grandes bandas, era maravilhoso dançar. Estão cada vez mais em extinção, não sobram
nem os prédios.
A
música é caso a parte. Em qualquer lugar poderá ser excelente ou uma porcaria.
Mas geralmente a música tem a cara do dono. Exceto no intervalo, em que todos
entram na máquina do tempo e se esbaldam na pista com rocks dos anos 1950.
Por
último, quero falar do baile com cara de quem esconde a idade. Você olha, nem
dá 30, nem 60. Lá dentro tem de tudo, no bom sentido. É o mais democrático que
existe, neste todo mundo dança. Diversão garantida, sem necessidade de
devolução da grana.
Antes
de sair de casa, olhe bem no espelho, e sei que fará isso, e veja bem onde sua
cara ficará melhor nesta noite.
Bailes ruidosos atrapalham a música
Qual
a maior diferença entre um baile de tango no Brasil ou no exterior? Resposta:
no exterior é possível ouvir a música. Mesmo que o baile esteja lotado. Já no
Brasil... Nenhum baile precisa estar lotado para que predomine o ruído de vozes
e risadas. E, se estiver lotado, esqueça a música, será quase impossível
ouvi-la para dançar.
Vivo
me perguntando: por que nós, brasileiros, somos tão barulhentos? Tudo bem,
tivemos a forte influência italiana, que são também barulhentos. Mas, pera
lá... Não foram só italianos. Para cá vieram todos os povos, muitos deles nada
barulhentos.
Minha
família, por exemplo, fala muito alto. Principalmente quando discute algum
assunto polêmico, que envolve algum tipo de paixão. De vez em quando, nessas
horas, me pego berrando, mas confesso que, consciente do defeito, tenho
procurado me controlar. Nosso sangue é uma mistura de português com espanhol,
além do bugre, ou seja, índio. Estes últimos não são ruidosos, pelo contrário.
Minha
primeira hipótese, tomando por base o defeito familiar – sim, falar berrando é
um defeito – no campo das suposições, é que isso está ligado, primeiro, ao
emocional. Depois, a um defeito de educação, difícil de corrigir porque é um
traço cultural (sem ironias) muito forte em nosso povo.
Não
existe nada mais escandaloso, no exterior, do que um grupo de turistas
brasileiros. Em alguns locais, onde o ambiente sugere silêncio e recolhimento,
como templos e determinados museus, isso chega a ser constrangedor. O
brasileiro não se toca. Conversa gritando, como se estivesse numa feira livre
de rua. Ou numa avenida pulando Carnaval.
Tenho
uma amiga, gaúcha, que só sabe conversar em altos decibéis. Certa vez
convidei-a para um jantar num bom restaurante, o Gigetto, de classe média, sem
luxo. Mal entramos, e ela, em alto volume: “Nossa, você me trouxe num lugar
caro!” Todo mundo olhou, morri de vergonha. Jurei: da próxima vez iremos comer
pastel na feira, com caldo de cana. Que, aliás, é uma delícia. E onde dá para
falar alto, ninguém vai ligar, até porque o que mais tem por ali é feirante
gritando. Visitei o Gran Bazar, em Istambul, Turquia. Tem 4 mil lojinhas e não
se vê ninguém gritando na porta. Convidando a entrar sim, turco adora vender e
negociar pechinchas, mas será raro aquele que grita. Se o Gran Bazar fosse no
Brasil seria um alarido infernal.
Voltando
aos bailes: recentemente o Tango B`Aires, do Omar Forte, em São Paulo, lotou.
Quanto mais subia o volume do som, para o pessoal dançar, mais alto as pessoas
falavam, competindo com a música.
Mas
a suprema falta de educação é quando a turminha não fecha a matraca na hora de
um show, de dançarinos ou cantor, ou mesmo quando o promotor do baile pede
silêncio para dar avisos de interesse geral.
Suponho
que baile seja lugar de dançar. E para isso dependemos da música, que precisa
ser ouvida. Para conversar, melhor é um bar. Mas será, com tanto barulho, que
alguém ouve isso?
Bailes: vamos fazer um acordo?
Você
está na pista, respeitando todos os códigos: segue na periferia da pista (rente
às mesas), cumprindo a ronda. Procura se deslocar para não atrasar quem vem
depois, mas também tem que manter razoável distância de quem está à frente,
para não trombar. Calcula o espaço, avança, e... Repentinamente, o casal da
frente recua. O cavalheiro da frente volta de costas, sem ter idéia do que está
acontecendo na retaguarda. Lá se foi o espaço, acontece a trombada. E pior: não raro, quem retrocedeu olha com cara feia,
achando que tem razão.
Esse
absurdo acontece em bailes, a todo momento. Parece tão simples imaginar que
qualquer pessoa de bom senso sabe que nossa visão lateral é limitada e que não
dispomos de um olho na nuca, como seria o ideal. Logo, como é possível alguém
dançar em marcha a ré num salão lotado, ou semi-lotado?
Elementar?
Seria se não fosse o caso, real, de que até professores de dança e dançarinos
experientes são vistos cometendo esse erro. Comparando, seria como um carro
transitar em marcha a ré numa via de grande movimento. Invertendo o fluxo,
tanto pessoas como carros multiplicam a velocidade; a aproximação ocorre de
forma tão rápida que fica difícil tomar uma decisão para evitar o contato.
Os
mais conceituados professores de dança cansam de repetir que não se retrocede
no baile. Nem um único passo. Exceto, lógico, se a pista estiver
muito tranqüila, com espaço sobrando. Mesmo assim esse movimento de voltar
requer cuidado.
A
proposta é fazer um grande acordo: todo mundo dança sempre para a frente,
administrando o espaço que enxerga.
Outro
acordo: respeitar o espaço coletivo, com passos e giros moderados quando a
pista estiver cheia. Nada contra se esbaldar, eu adoro brincar assim, mas só na
hora em que o baile, mais vazio, já permitir nossas peraltices.
Parceiro fixo? Bom, mas não
indispensável
“É
preciso ter um parceiro, ou parceira, no tango?” Esta pergunta é muito comum
entre pessoas que ainda não dançam, ou estão começando. A questão é interessante
e comporta alguns comentários. Vamos por partes.
Primeiro,
devemos observar que o tango não difere dos demais ritmos quando a questão se
refere à química do casal, sobre a qual já tratamos. E o baile é um encontro
social, onde dançar com outras pessoas faz parte da festa e, em determinadas
circunstâncias, também da etiqueta.
Ter
uma parceria fixa é muito legal, sobretudo quando existe grande prazer na
dança. Sem nenhuma necessidade de namorar, ou ter um caso. Mas isso não ajuda
no desenvolvimento dos dançarinos, caso eles nunca se separem. Porque entre
eles fica tudo muito fácil e até automático. Isso não acontecerá dançando com
outras pessoas. O rodízio de parceiros faz a qualidade técnica crescer. No
baile, você dançará com gente que faz isso muito bem, e também com destituídos
de qualquer habilidade, mesmo as mais básicas. Isso é o baile. Faz parte do
conceito de grande dançarino saber se adaptar ao nível de dança de qualquer
pessoa. Quem só dança bem com seu parceiro não será completo.
Ora,
se você dançar apenas com seu parceiro estará perdendo uma grande oportunidade
de vivenciar outras experiências, que podem ser gratificantes, trazer novidades
e agregar qualidade ao seu bailado.
O
ideal, portanto, será sim desfrutar de uma agradável parceria, mas também
dançar com outras pessoas, interagindo com diferentes expressões corporais. Um
dos grandes prazeres do baile é quando a dança transcorre bem com uma pessoa
que você nem conhecia, ou nunca havia dançado antes. Com o próprio parceiro,
por mais que seja bom, haverá sempre um momento em que tudo já é previsível,
sem novas descobertas e desafios.
O
mito de que o tango exige parceiro fixo já está há longo tempo sepultado.
Ninguém precisa disso para entrar nesse mundo e desfrutar de grandes momentos.
Para saber mais:
livros sobre tango
Na
Argentina, a oferta de livros sobre tango é vasta. No Brasil, são poucas as
obras. Além das livrarias, recomendo os sebos, onde sempre é possível achar
raridades. Há obras interessantes, mas nem tudo é bom e útil, e é preciso tomar
alguns cuidados para não ser enganado. Recentemente, achei num sebo de Buenos
Aires um livro que tinha na capa o nome do grande maestro musical Osvaldo
Pugliese, como se fosse o autor. Pensando ter uma raridade nas mãos, e decidido
a comprar, fui examinar e constatei que não era o autor. O nome havia sido
colocado lá por malandragem, digna de enquadramento num código de defesa do
consumidor. Era apenas uma referência ao maestro, uma chamada, mas não
explicada e caracterizada graficamente como tal, como seria o correto.
Os
livros são fundamentais e indispensáveis para profissionais do tango e também
para amadores em busca de aprofundamento no assunto. Lendo, por exemplo, a
biografia de Juan Carlos Copes, um livro fácil de encontrar em Buenos Aires,
você terá um panorama das milongas portenhas nos anos 1940 e 1950. Saberá
também que já naquele tempo o estádio Luna Park, onde hoje acontecem as finais
do Mundial, já era o local de grandes e polêmicos campeonatos de tango. Nada
disso que temos hoje, nem os passos, são novidade.
A
leitura sobre tangueiros lendários, e fragmentos filmados que conseguiram
preservar, nos mostram, por exemplo, que isso que alguns espertinhos há alguns
anos resolveram chamar de “tango novo”, com dissociação no abraço e condução
também manual, já era dançado, no passado, por Eduardo e Glória, entre outros.
Onde quero chegar, de forma explicita: quem forma cultura tangueira não compra
mentiras.
Outro
exemplo é o mito da perfeição do baile portenho. Não é assim. Frequentando
Buenos Aires, você saberá rapidinho que há de tudo: bailes ótimos, com ética,
gente educada e ronda que circula; e bailes péssimos, com gente trombando e
chutando os outros.
Ler
bastante. “O que isso mudará na minha dança?” – alguém poderá perguntar. Muda
muito. Ao penetrar na cultura portenha e tangueira, aos poucos você vai
incorporando uma consciência corporal diferenciada. É como estudar outro
idioma. Você tem que ir ao país onde é falado para captar a verdadeira
entonação e musicalidade da língua. Tem que descobrir como aquele povo
interpreta a vida e o mundo. A partir dessa imersão começará a falar bem, a
entender melhor, e conseguirá desligar-se da sua língua nativa no momento de se
expressar na outra. A gente só fala outra língua quando também consegue pensar
nela.
No
tango não será diferente, porque a dança é uma interpretação da música: você
dançará melhor quando conhecer os traços culturais que deram origem a esta ou
aquela estrutura e escola musical. Os sentimentos que ali estão envolvidos. Saberá,
por exemplo, as diferenças radicais entre ouvir e bailar um tango tradicional e
um Astor Piazzolla. Entenderá, enfim, o que realmente está fazendo e como
poderá fazê-lo cada vez melhor.
Numa
conversa com Juan Carlos Copes, durante um dos nossos cruzeiros Dançando a
Bordo, ele comentava comigo seu inconformismo com tangueiros profissionais,
argentinos, que não conhecem a origem e história dos próprios tangos que
dançam. Não sabem os nomes dos autores e sequer que orquestra montou o arranjo.
Um amador não tem essa obrigação, mas profissional tem. É a hora em que o
estudo faz toda a diferença, e a leitura faz parte dele.
Não
vou apresentar aqui uma bibliografia tangueira. Mas selecionei alguns livros do
gênero, da biblioteca do jornal Dance,
para recomendar.
“È necessário dois para bailar um
tango”. Lorene
Gonçalves Soares. Excelente, um livro que enseja que brasileiros tenham uma
visão global do tango portenho e das milongas. Como psicóloga, e tangueira,
Lorene tem diversas percepções que autores homens não conseguiriam captar. Além
disso, não vende ilusões: trata com realismo as relações humanas nas milongas.
Versões em português e espanhol.
A outra face de Gardel”. Walter Manna.
Biografia. Foram vários anos de pesquisas. Em português.
(11)
3991-9506 ou 9-9351-6689
“Desde el alma”. Ana María Navés,
argentina. Escritora de tango premiada. Passa uma visão mais intimista das
milongas de Buenos Aires. Em espanhol.
“Bailarines”. Ana Maria Navés.
Em espanhol. Focado em grandes nomes do tango argentino.
“Hombre, Tango,
Mujer”.
Ana María Navés. Prólogo de Milton Saldanha. Uma visão crítica do comportamento
humano e da atmosfera das milongas portenhas. Em espanhol.
“Juan Carlos
Copes, una vida de tango”. Mariano Del Mazo e Adrián D`Amore. Prólogo de Carlos
Saura. Em espanhol. Disponível em livrarias de Buenos Aires.
“El Tango, su
historia y evolucion”. Horacio Ferrer. Em espanhol.
“Jorge Luis
Borges y el Tango”. Monica
Fumagalli. Recomendável a quem aprecia a obra literária de Borges. Em espanhol.
“Las Mejores
Letras de Tango”. Héctor
Ángel Benedetti. Antologia que reúne as letras de 50 tangos famosos e conta a
história de cada um, até com data de nascimento. Em espanhol.
“Tango: um olhar
sobre o processo de ensino”. Gabriela Sanders da Silva. UFRGS, Porto
Alegre. Pesquisa e tese acadêmica. Em português.
“Cinema, Corpo e
Filosofia: contribuições para o estudo das performances no cinema argentino”. Natacha Muriel.
Pesquisa e tese acadêmica. Em Português e Espanhol.
Dica prática
para leitura: tenha sempre ao lado caneta comum e de iluminação para destaques
no texto. Assinale trechos que achar importantes, para releitura. Faça
anotações nas margens. Livro não precisa ficar limpinho. Além do prazer da leitura, é fonte de estudo
e aprendizado. Quanto mais ler, mais você desenvolverá sua capacidade de
conversar, argumentar e escrever bem. Quem não cultiva hábitos de leitura terá
sempre um diálogo pobre e limitado, sem brilho. Nada para exibir erudição de
salão, não é isso que estamos sugerindo. Boa leitura significa inserção no
mundo. Vida interior. Um livro é uma grande companhia. Quem lê jamais estará solitário.
Etiqueta e códigos do baile
·
As
milongas, geralmente, são em locais pequenos. Para que todos possam sentar,
ninguém fica com mesa exclusiva. Elas são compartilhadas por várias pessoas,
mesmo que não se conheçam.
·
Ao
chegar, aguarde que alguém da casa indique seu lugar.
·
Cumprimenta-se
quem já está na mesa, mas pode ser só verbalmente, sem apertar mãos. Parece
absurdo citar isso, mas algumas pessoas, sem nenhuma educação, simplesmente
chegam e sentam. Cumprimentando, quem sabe, ajudaremos a educá-los.
·
Na
mesa, evite assuntos polêmicos, que possam causar mal-estar. Isso vale mais
para política. Pode ser desagradável emitir opiniões sem saber o ponto de vista
dos outros. Baile é lugar para assuntos leves e descontração.
·
Cuidado
com bebidas alcoólicas. O excesso poderá transformá-lo numa figura patética e
inconveniente. Ninguém suporta bêbados. O mesmo vale para outras drogas, o
usuário é notório e se expõe. Além disso, sem equilíbrio, ambos dançam mal.
·
Se
comer algo, não use depois o palito. É horrível! Faça isso no banheiro, e fora
da vista dos outros.
·
Para
quem libera muito suor recomenda-se a troca de camisa ou blusa, de vez em
quando. E restaurar-se na pia do banheiro. O paletó ou colete ajudam homens a
contornar esse problema.
·
Cuidado
com halitose, o mau hálito. Depois de horas, qualquer escovação de dentes fica
vencida. Faça outra, alternando com bochechos. Balinhas e goma de mascar também
ajudam.
·
As
despesas na mesa correm por conta de cada pessoa, ou casal. Mesmo em grupo de
amigos recomenda-se estabelecer previamente essa regra. Assim cada um ficará a
vontade para pedir o que quiser. Nem seria justo quem bebeu água dividir com
quem bebeu algo mais caro. Parceiros, que sempre vão juntos ao baile, podem e
devem dividir despesas, assim alivia para ambos. Em casos especiais, quando o
homem convida ao baile, compete a ele pagar. Não será elegante outra atitude.
·
Promotor,
não faça nenhum tipo de proselitismo em seus bailes. Mesmo que ache que vai
salvar o Brasil, ou a alma dos outros. Não apresente candidatos publicamente,
nem distribua panfletos. Respeite a diversidade, política e religiosa. O baile
é laico. O Brasil é laico. Ninguém foi lá para isso. Ainda mais pagando. O
mesmo vale para aulas: não é lugar para orações nem discursos ideológicos.
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Na
milonga argentina, se a pessoa olhar para você com interesse, não é paquera. É
o famoso cabeceio, uma sinalização de desejo de dançar. Basta corresponder,
havendo interesse. Ou simular distração e desviar o olhar, se não houver
interesse. Só não faça isso bruscamente, para não ficar agressivo.
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O
cabeceio é um traço cultural argentino. No Brasil e outros países não funciona,
ou mal se percebe. Lá é natural. Aqui, quando tentam, fica artificial e
forçado. Os brasileiros devem continuar convidando do jeito que sempre fizeram,
será mais elegante.
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Quando
ocorrer o cabeceio, com outras pessoas por perto, sempre confirme se é mesmo
com você, antes de partir para o abraço. Esse engano é a gafe mais comum nas
milongas.
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O
convite à dança deve sempre ser recebido como um elogio ao seu modo de dançar;
uma cortesia; um gesto elegante; parte da vida social. Recusar é feio,
antipático e afronta quem convidou. Os cavalheiros jamais esquecem disso, e
alertam seus amigos, para que não paguem o mesmo mico.
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Algumas
pessoas pouco familiarizadas com bailes tentam desencalhar amigas do chá de
cadeira. “Dança com minha amiga”. Nenhum homem gosta disso. Não raro, cria situações
embaraçosas, para todos.
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Mas
se quem convida está bêbado, vestido de forma inapropriada ou não prima por boa
conduta, você deve sim recusar o convite.
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Espalhou-se
o episódio de uma moça, iniciante, que festejou na mesa, com os amigos, ter
dito seu primeiro não a um convite. O futuro dessa moça, nas milongas, corre o
risco de não ser promissor. Quando experimentar o chá de cadeira não poderá se
queixar.
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Entre
pessoas que se conhecem, as mulheres também podem convidar à dança, sem
frescuras. Estamos falando de Brasil.
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Na
Argentina, elas convidam, com o cabeceio. Isso envaidece os homens, todos
gostam.
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Brasileiras
tímidas e com bloqueios terão dificuldade para receber convites para dançar, em
Buenos Aires, se não tomarem atitude. Lá elas terão que encarar os homens, no
sentido literal.
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Não
é recomendável convidar pessoas acompanhadas que você não conheça. Há muitos
casais que não gostam de dividir a dança com outros, nem com amigos. É um
direito deles, não há nada de errado nisso. Outros gostam. Há inclusive casais
de turistas que sentam em mesas separadas, para poder experimentar a dança com
outras pessoas. Com a vivência, nas milongas, você aprenderá a conhecer cada
perfil de casal e seus hábitos.
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Porém,
mesmo entre amigos, será sempre elegante pedir licença ao acompanhante ao fazer
o convite. Isso vale para homens e mulheres.
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Outro
cuidado importante, para convidar a dançar, será interromper, ou não, pessoas
que estão conversando. Aqui entra o feeling
e a observação cuidadosa. Se perceber, de longe, que a pessoa que deseja
convidar está envolvida numa conversa mais concentrada, não vá. Porque poderá
ouvir um não, que nunca é agradável. E você ainda corre o risco de passar por
inconveniente, o cara que não se manca.
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Se
a pessoa estiver envolvida com o celular, também não convide. Certamente o
celular estará mais interessante que o baile e a presença das demais pessoas.
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Cavalheiros,
não se larga a dama sozinha na pista, no final da tanda. Conduza a moça até a
mesa, ou próximo, oferecendo o braço. Isso é charmoso.
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Fanáticos
do celular, esqueçam por alguns minutos da maquininha. Pessoas de carne e osso,
presentes, são mais importantes. É muito deselegante interromper uma conversa
para ficar mexendo no celular.
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E
na pista, pelo amor de Deus, celular nem pensar. Se alguém fizer essa grosseria
com você, largue lá, sozinho.
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O
baile sempre roda no sentido anti-horário. Na milonga existe a ronda, uma fila
de casais circulando na ponta da pista, junto às mesas. A ronda é para quem se
desloca e circula. Para dançar lento, ou parado, use o centro da pista.
·
Na
ronda, a ultrapassagem é sempre pela esquerda do casal que está na frente.
Porque ali há mais espaço e visibilidade, sem trombar. Não havendo espaço, não
ultrapasse.
·
Na
ronda sempre avance, sem atrasar sua marcha. Mas sem atropelar o casal da
frente. Guarda-se uma distância de segurança. E, por favor, nada de recuos.
·
Em
nenhum momento do baile lotado se faz passo atrás. Nem um único centímetro. A
razão é óbvia: você não pode enxergar e tem gente atrás, avançando.
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Nas
milongas que ainda seguem rigidamente os códigos do baile, os passos de fazer
no lugar, sem deslocamento, devem ocorrer nos cantos da pista. Se perceber que
retém a ronda, não se alongue neles.
·
Às
vezes o contato com outro casal é inevitável, por mais que se evite. Peça
rapidamente desculpa, pode ser com um aceno, e siga em frente. Simplesmente
ignorar denota falta de educação.
·
Antes
de culpar os outros por um esbarrão, verifique se não foi você quem errou, ao
recuar ou entrar em diagonal. Há casais que fazem isso, o tempo todo, e sempre
culpam os outros.
·
Pernas
altas e voleios ou ganchos perigosos, nem pensar. Atingir alguém com um chute é
o pior incidente num baile. O salto da mulher pode ferir seriamente alguém.
Pense nisso e contenha sua emoção. Baile lotado não comporta shows.
·
O
ambiente das milongas é sempre muito agradável. Mas ninguém está livre de
encontrar ignorantes agressivos, com problemas mentais, que atingem
intencionalmente outras pessoas. Se isso acontecer, não revide. Você não foi lá
para isso. Procure apenas permanecer longe do babaca.
·
Ao
avançar na pista, cuidado cavalheiro para não projetar a dama sobre outros
casais. O homem jamais pode dançar desatento ao movimento em seu entorno.
·
A
etiqueta do baile recomenda dançar a tanda inteira com a pessoa. Mas em
determinadas circunstâncias se pode dançar um ou dois tangos, agradecer e
encerrar. Será o caso de pessoas que nada conhecem de tango e sequer conseguem
improvisar uma caminhada.
·
Se
você perceber que o parceiro, ou parceira, está fazendo apenas o “social”, sem
demonstrar prazer e sem nenhum empenho e brilho, poderá encerrar a dança no
segundo tango. A dança só será boa quando ambos compartilham.
·
Em
situações normais será gafe dançar apenas um tango.
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Respeita-se
o nível de dança de cada pessoa, sem submetê-la a constrangimentos.
·
Quando dois cavalheiros convidam ao mesmo
tempo uma dama, ficando difícil definir quem foi o primeiro, entra a regra de
que antiguidade é posto. A vez deve ser cedida ao mais velho. Na idade, ou no
tango. Compete à dama esperar que eles se entendam, sem expressar preferência.
Mas, se já havia aceitado o convite de um deles, poderá esclarecer o incidente.
Isso acontece com freqüência.
·
E
quando duas damas levantam, confundindo o cabeceio, o melhor será o homem esperar
que elas se entendam. E será uma atitude bonita se depois da tanda convidar a
que sobrou. Pode até avisar antes que voltará para isso, para aliviar o
desconforto do momento.
·
Pessoas
que aparecem pela primeira vez no baile, sem conhecer ninguém, devem ser
convidadas a dançar. É uma demonstração de hospitalidade do grupo habitual. O
visitante levará uma excelente impressão do nosso baile.
· No tango mundial
temos um sentimento de comunidade. Ninguém será solitário, muito menos infeliz,
numa milonga. Compete a cada tangueiro, ou tangueira, ser gentil para integrar
o visitante e preservar essa cultura tão linda. Claro que isso vai depender
sempre do tamanho do local, e se estará com pouca gente, ou lotado. Mas sempre
que puder expressar sua generosidade, faça isso com prazer e se sentirá uma
pessoa simpática e amada.
Conclusão
Queridos
iniciantes:
Obrigado
pela leitura. Vocês merecem todo nosso carinho e atenção, porque sem vocês a
dança morreria. Agora vocês são nossos parceiros e, conforme a idade, naturais
sucessores.
Espero,
com este modesto trabalho, ter ajudado de alguma forma na trajetória dançante
que começam a empreender. Boa sorte!
O
tango para mim foi o estágio natural na busca da evolução e da novidade.
Continuo dançando todos os ritmos, alguns no limitado estilo quebra galho, mas
foi no tango que encontrei a suprema emoção. Porque sua música, e a
interpretação na dança, refletem o amor, desejo, paixão. Há momentos em que a
dança se transforma num transe. Saímos da órbita terrestre. E pouco importa se
dançamos bem, mais ou menos, ou mal, desde que seja com emoção.
A
sofisticação e beleza das composições musicais atingem no fundo das almas
sensíveis. Só alguém muito inculto e frio não fica extasiado ao ouvir um tango
como “Adios Nonino”, de Astor Piazzolla. Mas este é apenas um exemplo, há
centenas de outras obras primas, de compositores e intérpretes lendários, como
De Sarli, D`Arienzo, Pugliese, Troilo, Oswaldo Fresedo, Mariano Mores e muitos
outros. Além do seu lado passional, existe também alegria, na milonguinha e na
chacarera.
O
tango tem uma sofisticação técnica que raros estilos de dança de salão
alcançam, só podendo ser comparado ao samba, igualmente complexo e difícil de
aprender. Ambos oferecem inesgotável repertório de passos e efeitos, muitos
deles que você próprio vai criando, com a experiência e a prática. É quase
impossível aprender só nos bailes. Será indispensável fazer aulas. Até quando?
Para sempre, se quiser dançar bem e evoluir. Mas se preferir estacionar no
básico, de dois a três anos são suficientes.
A
beleza plástica do tango e sua música talvez expliquem porque se espalhou tanto
pelo mundo. A dança quebra barreiras lingüísticas e culturais. Hoje, é dançado
no mundo inteiro, para sorte dos grandes mestres portenhos, disputados para dar
cursos e fazer shows nos mais variados continentes. Diversos faturam bem, são
fluentes em inglês e outras línguas, conhecem dezenas de países. O tango faz
mais pela paz e integração entre os povos do que determinadas políticas
diplomáticas. Costumo dizer que nós, tangueiros, somos embaixadores da paz. Foi
com o tango que aprendi a amar a Argentina, a ponto de me interessar por sua
História. Num mundo com tantos conflitos bélicos, é uma dádiva viver num
continente de concórdia, onde cruzamos fronteiras nos sentindo em casa.
Com
o tango descobri um novo caminho para aprimorar minha dança e enveredar por
emoções muito fortes, ainda que eu seja um eterno amador, nunca me passou pela
cabeça fazer disso uma forma de ganho adicional. Coleciono DVDs de aulas e
shows, faço aulas regularmente, danço pelo menos duas vezes por semana, vou com
grande freqüência a Buenos Aires para beber direto na fonte. Vale só o prazer.
Uma nova porta para a felicidade plena.
Aceitem
esta sugestão e dancem pelas alamedas floridas do tango. Ele está crescendo no
Brasil, e em qualquer lugar do planeta encontrarão uma milonga para bailar.
Vocês
vão restaurar a cabeça e moldar um novo corpo. A vaidade saudável na dança nos
faz cuidar do corpo. Ganha-se também em saúde.
E
acharão uma pena, com certeza, quando descobrirem o que estavam perdendo, não
ter começado muito antes.