terça-feira, 6 de dezembro de 2011

História do Brasil Recente

Cabo Anselmo
O marinheiro de primeira classe que se tornou equivocadamente conhecido como cabo Anselmo está de volta. Primeiro foi num programa da TV Bandeirantes, depois no Roda Vida da TV Cultura, em São Paulo.
 Odiado pela esquerda e sem inspirar nenhum respeito e confiança à direita, tornou-se um homem ilha. Totalmente desprezado. Nem poderia ser para menos, quando se trata de alguém que foi capaz de entregar para morrer nas mãos da repressão da ditadura a própria companheira que havia engravidado. Além de vários companheiros que dedurou, atuando como agente duplo, e que também acabaram assassinados.   
Hoje expondo idéias confusas e tentando se passar como um convicto homem de direita, o que nunca foi de fato, não conta a única verdade: fez um acordo de delação dos companheiros de militância clandestina, com o delegado Fleury, para escapar da tortura e da morte. Só isso, e nada mais. Nunca houve qualquer fiapo de ideologia ou de desilusão na sua adesão ao regime que até então combatia como militante da luta armada.
Desprovido de caráter, Anselmo agora busca a notoriedade perdida também por doentia vaidade e para tentar reaver sua real identidade, aqui não no sentido figurado, a questão é o RG mesmo, com seu nome real, para que possa ter seu pedido de anistia examinado na Comissão do Ministério da Justiça, e que poderá ou não lhe proporcionar proventos indenizatórios até sua morte. Como teve que sumir, ao se tornar agente da repressão, está evidente que fizeram desaparecer todos os seus documentos, inclusive o registro de nascimento em cartório. Enquanto isso a Marinha de Guerra, a qual causou tantos transtornos em sua juventude de soldado rebelde, se recusa a facilitar sua vida. E nisso, ironicamente, ganha a simpatia até de quem combateu o regime militar. Anselmo anistiado e indenizado seria um insulto à legalidade e aos mais elementares princípios de ética e moral. Seria também um desrespeito à memória de quem tombou, de ambos os lados, acreditando estar defendendo algum ideal. Seria realmente uma vergonha. Porque na fase da dupla militância, na oposição e na polícia, ele recebeu pelos dois lados. De um lado o dinheiro dos assaltos a bancos, que sustentavam as organizações de esquerda em sua caminhada óbvia e inevitável para a derrota; de outro lado o dinheiro das verbas secretas da segurança pública e dos empresários que financiavam os torturadores. Anselmo, portanto, nunca foi desempregado, pelo contrário, teve duas fontes de renda durante os anos de chumbo. Com o passar do tempo perdeu a boquinha, mas não perdeu a vergonha de pleitear isso.
O então jovem marinheiro que se tornou famoso em 1964 como presidente da Associação dos Marinheiros e Fuzileiros Navais, no Rio de Janeiro, até então não era sequer um líder entre seus companheiros de farda. Sua colocação no cargo foi quase por acaso, por questões burocráticas e porque os verdadeiros líderes precisavam aliviar a barra junto aos comandos, onde sofriam todo tipo de pressão e perseguição. Anselmo foi colocado no cargo como uma opção branda. Foi, na verdade, o terceiro ou quarto nome cogitado. E subitamente se viu surpreendido pelos acontecimentos que precederam o golpe. Por reivindicações meramente classistas dos marinheiros, como a luta pelo direito de casar, e no começo sem contestações ideológicas, de repente se viram envolvidos na famosa assembléia permanente no Sindicato dos Metalúrgicos, no Centro do Rio. A tropa de fuzileiros navais enviada para prendê-los deixou as armas e capacetes sobre o asfalto, aos cuidados de dois ou três soldados, e entrou em massa no Sindicato, sob gritos de euforia, aplausos e abraços, aderindo ao protesto. Nesse momento o movimento ganhou maior projeção e assumiu conotações políticas, com as manifestações de solidariedade que chegavam de todos os movimentos populares e sindicais que formavam a base de sustentação do governo João Goulart, o Jango, e/ou que dele cobravam as reformas de base. Da noite para o dia Anselmo, erroneamente chamado de cabo pela imprensa, que não sabia interpretar as divisas nas mangas do uniforme, se tornou uma celebridade. A imprensa de todo o país não falava de outro assunto naqueles dias e dedicava também muitas fotos ao episódio. Exageradamente classificada como “rebelião”, a assembléia dos marinheiros terminou com a intervenção da Polícia do Exército, depois de um acordo de retirada pacífica. Eles saíram presos, em caminhões do Exército, se abraçando e chorando e aclamados como heróis. Horas depois estavam novamente nas ruas, prontamente anistiados por Jango. O próprio comandante dos fuzileiros navais, contra-almirante Cândido Aragão, saiu ao encontro dos marujos em solidariedade e foi carregado nos ombros pela avenida Rio Branco. A anistia de Jango e as fotos de Aragão sendo conduzido daquela forma por subalternos insubordinados deixaram furiosos não apenas os almirantes e demais oficias da Marinha, mas também de todas as Forças Armadas. A hierarquia, princípio básico e indispensável da disciplina militar, estava quebrada. Esse fator justificava, na visão militar, a deposição do presidente. O episódio todo foi decisivo para mudar principalmente a cabeça de oficiais até então legalistas ou relutantes à idéia de um golpe. O governo tinha ali selado sua sorte, perdendo grande parte da força que ainda dispunha nos meios militares.
Cabo Anselmo, vamos assumir o apelido, com o golpe foi para a clandestinidade. E passou, já naquele tempo, a ser alvo das desconfianças de muitos, que viam nele um agente provocador infiltrado, a serviço da CIA. Versão que ele até hoje nega, e na qual também não acredito, visto que sua eleição na associação dos marujos foi praticamente um acaso. Como ele, poderia ter sido outro.
O resto da história todo mundo sabe. Anselmo fez curso de guerrilha em Cuba, militou na luta armada, esteve no Chile e outros países, sempre no meio de exilados e refugiados clandestinos, até que certo dia foi preso pelos agentes de Fleury. Para se safar da tortura e morte fez imediatamente o acordo da traição dos companheiros. É longo o histórico de quedas e mortes de guerrilheiros urbanos como fruto das suas delações. Para isso foi recolocado na rua por Fleury, com dinheiro e sob estrita vigilância, claro. Antes de ser desmascarado já havia gente dentro das organizações de esquerda armadas ligando os fatos e desconfiando dele. Chegou a ser denunciado cara a cara, durante uma reunião no Chile, presidida pelo ex-sargento Onofre Pinto. Nesse momento teria entregue a pistola e dito algo mais ou menos assim: “Aqui está minha arma; se vocês acham que sou delator me justicem”. A atitude impressionou e ele ganhou, segundo consta, a defesa de Onofre. Pessoa que também não contava com a confiança de alguns. Onofre acabou morto logo depois de preso.  
A volta de Anselmo ao noticiário agora vai gerar todo tipo de especulação, hipóteses, comentários. Principalmente de gente desinformada de tudo, falando bobagens nas redes sociais.
Se passar à História, ocupará 3 linhas, se tanto, definido como possível agente provocador durante o governo Goulart; e traidor dos seus companheiros na triste fase da luta armada. Um currículo nada invejável.

2 comentários:

  1. Caro jornalista Milton Saldanha!
    Muito oportuna sua iniciativa em trazer circunstancialmente à baila quem de fato é o Cabo Anselmo. Pessoas com o perfil dele não merecem crédito...
    Caloroso abraço! Saudações desmascaradas!
    Até breve...
    João Paulo de Oliveira
    Diadema-SP

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  2. Milton,

    Parabéns!

    O blog está lindo!

    Você escreve cada vez mais e melhor.

    Um grande abraço,

    Angela.

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