A segurança dos navios
Por favor, não tomem o que vou contar aqui como exibicionismo medíocre e infantil. Mas preciso contar, para fundamentar minha tese: devo ter feito ao longo da minha vida, desde 1954, quando aconteceu a primeira, cerca de 40 viagens em navios, se não for até mais. Tanto em rotas nacionais como internacionais, incluindo uma fluvial, pelo Reno, na Alemanha. E fui editor e repórter de náutica na revista Motor 3, da Editora Três, por três anos, quando tive a oportunidade de me aproximar muito do setor de pequeno porte e recreação. Isso para dizer que não conheço meio de transporte mais seguro que o navio e outras embarcações, de modo geral. Desde, claro, que se respeite o mar e os limites humanos. E se apegue às regras de segurança com disciplina e rigor prussiano.
Comparando a segurança naval com a segurança aérea, ferroviária ou rodoviária será um banho estatístico na sustentação da minha afirmação, tão óbvio que dispensa apresentar números. Nas rodovias não passa um único dia sem muitos acidentes. Nos mares, são tão raros que geram comoção e vão parar no noticiário mundial. Além disso, as chances de sobreviver e sair ileso de um acidente naval são infinitamente maiores do que em qualquer outro meio de transporte. Num carro, por exemplo, os danos humanos e materiais são tão brutais, que se as pessoas refletissem um mínimo sobre isso dirigiriam o tempo todo com velocidade moderada e extrema cautela. E as fábricas deveriam ser proibidas de vender carros de alta performance e de fazer propaganda com esse argumento. Porque isso estimula a barbárie do trânsito.
Os navios atuais são tão ou mais informatizados que os grandes aviões, equipados com instrumentos de navegação sofisticados e de alta precisão. Tudo é possível prever, até mesmo uma tempestade ocorrendo a quinhentos quilômetros de distância. E os navios trafegam sobre rotas específicas, de grande profundidade, as mais seguras, como se fossem estradas sobre o mar. Há centenas de leis internacionais que regulamentam esse tráfego, senão seria um caos. Um simples Arrais Amador, que vai pilotar um barquinho de pesca em enseada, tem que fazer curso e exame, para obter a carteira da Marinha. Imaginem então o que é a preparação de um capitão de longo curso, para embarcações de alta tonelagem. As escolas navais são de nível universitário, muito puxadas, com teoria e prática.
Mas em tudo há o fator humano. É o que me intriga profundamente no acidente do Costa Concordia, que ocupou inteiro a capa da edição especial do meu jornal Dance nº 170, de janeiro/fevereiro de 2010. Nele realizamos a sétima edição do cruzeiro Dançando a Bordo, uma festa fantástica e de grande repercussão na dança de salão brasileira e internacional. O Concordia, belíssimo, é um dos navios mais avançados do mundo. Habituado a viajar todos os anos nos navios da Costa Cruzeiros, posso assegurar que seus oficiais são de altíssimo nível técnico. E que a segurança de todos a bordo está sempre em primeiro plano. Nas portas das cabines há instruções de segurança; o treinamento da tripulação acontece com freqüência; o dos passageiros, obrigatório por lei, em todos os cruzeiros; há lanchas com propulsão própria e abastecidas com água e mantimentos não perecíveis, para o caso de emergência; o público não tem acesso a locais de risco; casas de máquinas, por exemplo, não podem ser visitadas; ponte de comando só em grupos organizados e autorizados; há coletes salva-vidas em todas as cabines, inclusive para crianças; bóias salva-vidas em todas áreas externas; em operações de abastecimento é proibido fumar, incluindo as áreas externas previstas para isso. Enfim, a segurança está presente em tudo, o tempo todo.
Ah, se é assim, como encalhou e adernou o Costa Concordia? É que todos estamos ansiosos por saber, principalmente quem conhece bem a alta tecnologia e segurança desses colossos dos mares. É cedo ainda para conclusões, afirmações e acusações precipitadas. Precisamos esperar a investigação e o inquérito, já em processamento. Lamentar pelas vítimas independe de qualquer conclusão. Isso é a única coisa que não tem preço. A dor de suas famílias merece integral respeito e solidariedade.
O que desejo apenas é tranqüilizar meus amigos, dançarinos ou não, que em breve estarão a bordo. Eu ficarei 26 dias, em três navios diferentes, a partir de 22 de janeiro, e estou absolutamente tranqüilo. Nem poderia ser diferente, com a experiência que acumulo.
Riscos? Caros, isso existe até caminhando no quarteirão de casa: você pode torcer o pé, ser assaltado, pisar num bueiro de tampa solta, ser atropelado por um motorista bêbado, como tem acontecido até com freqüência. Viver é um risco permanente. Nem por isso vamos transformar isso numa neurose e nos condenarmos ao confinamento doméstico. Onde você pode esquecer o fogão a gás ligado e explodir...
Não sejamos trágicos, nem irrealistas. Nem fantasiosos, nem dramáticos além do razoável, entrando na canoa do sensacionalismo. Tudo que se move tem sempre algum risco. Até da minha cama ao banheiro, onde com sono já bati o pé e quase fraturei o dedão. Nem por isso deixarei de dormir, nem de ir ao banheiro.