quinta-feira, 5 de janeiro de 2012

Crendices

O diabo
O episódio contado por minha amiga Lúcia Sauerbronn, brilhante escritora e jornalista, mestra na arte da crônica, me fez lembrar dos tempos em que eu acreditava em demônio. Isso foi em 1953, faz tempo pra caramba. Eu era criança, estudava em colégio de freiras, atrasadas como só elas, e ficava olhando aqueles catecismos coloridos onde havia figuras do capeta. Chifres (algo que se tornaria cada vez mais comum na humanidade), rabo que terminava em três pontas, bundinha avantajada, um cabelinho ralo, patas de boi, todo vermelho. O bicho era realmente feio. Havia também cenas do limbo, um lugar inóspito, com umas chaminés plantadas no solo e que nunca entendi para o que serviam (certamente escoavam fumaça do inferno, logo abaixo). Havia o purgatório e depois o inferno, com chamas altas e muita gente com expressão desesperada ali ardendo. Isso tudo, vejam bem, para crianças. Não eram umas gracinhas essas freiras e padres que nos distribuíam isso?
As freiras nos explicavam que o diabo estava sempre por perto, a espreita, aguardando uma oportunidade para nos ferrar. Então quando eu estava trancado no banheiro me tocando, experimentando as primeiras e naturais sensações da sexualidade, de repente me dava conta que o diabo poderia estar ali me espiando. Meu pintinho duro, um grande pecado, deveria ser obra dele, com letra minúscula, claro.
Diabo, demônio, satanás... Com seus vários nomes aquele bicho invisível, no meu imaginário, estava em toda parte. Só que havia também o anjo da guarda. Pô, eram dois invisíveis olhando minhas sacanagens. Como a tentação sempre vencia, eu acabava concluindo que o diabo era o mais forte.
Tudo fazendo para nos dominar pelo medo, as freiras tinham atingido seu objetivo. Não estou brincando, é verdade, por um bom tempo eu sofri com esses temores. O que me salvou foi a cabeça esclarecida do meu pai, que conversava muito com toda a família, gostava muito da prosa, foi seminarista, pegou horror a padres e se tornou espírita. Meu pai foi nos explicando que aquilo era tudo mentira. Ufa!
Hoje fico pensando: como é possível que alguém, em pleno ano 2012, com tanta tecnologia, é capaz ainda de acreditar em coisas tão medievais e tão infantis?
Realmente, para a mente humana não existem limites. Para cima, ou para baixo.


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