quarta-feira, 18 de janeiro de 2012

Jornalismo

Durezas da vida de repórter
O grande problema do jornalismo é que quando a pessoa começa a aprender, já está na hora de se aposentar. Nunca vou esquecer daquele dia em que eu, ainda foca, na Última Hora, tendo Samuel Wainer como diretor, recebi a tarefa de cobrir no Tribunal Regional do Trabalho um dissídio coletivo. O problema é que eu não tinha a mínima idéia sobre que bicho era esse. E, como faria qualquer foca, não confessei a ignorância à chefia. Fui para o tribunal e, na raça, só lá, entendi tratar-se de questão judicial em conflito salarial de uma categoria com os patrões. Contando assim parece tudo simples. Só que vocês não imaginam a tensão que é ir de encontro a uma tarefa, tendo que fazer perguntas, e sem saber do que se trata. Vários anos depois, numa passagem rápida que tive pela revista Veja, na editoria de economia, vi um colega que eu havia indicado para uma vaga em apuros ao receber uma pauta sobre... Debêntures. Cacilda! Ele não tinha a menor idéia sobre o assunto, nem eu. Pegou a pauta, com cara de mestre em debêntures, na maior naturalidade, e foi se virar. O que se faz num caso assim? O primeiro passo é o dicionário. O segundo, achar um especialista em finanças que traduza mais ainda o abacaxi.
Dá para chamar um repórter de geral, que nunca sabe o que o espera para aquele dia na redação, de ignorante? Só quem se imaginar uma enciclopédia ambulante. Então a gente aprende que o grande repórter é aquele que está disposto a aprender algo novo todos os dias. Sendo humilde para dizer que não sabe, mas quer e precisa aprender. E, com os anos, ele vai acumulando uma bagagem de informações gerais, e experiências, que lhe permitem tratar, talvez até com desenvoltura, de qualquer tema. Sem ser especialista em nenhum.
Mesmo assim, no cotidiano, o jornalista apanha a vida inteira. Um dos maiores constrangimentos que já passei foi num final de carreira, quando eu já estava nesse estágio acima descrito, mas não a ponto de ser mágico ou super-homem. Eu editava o Jornal do Economista, do Conselho Regional de Economia, e a queima roupa o presidente me jogou numa enrascada: ir ouvir na hora um professor da USP, especialista nem lembro mais em que. Ora, o jornal era mensal, havia tempo. Eu costumava literalmente estudar para as entrevistas, geralmente até comprando livros sobre os temas propostos. E tomava o cuidado de preparar um amplo questionário, que usava como esqueleto do meu trabalho. Mas chegar subitamente numa pessoa que eu nunca tinha visto, para tratar de um tema idem... Foi barra. Aí não teve jeito, tive que chegar no cara e abrir o jogo. Havia duas possibilidades: ele ser uma pessoa legal e me ajudar; ou ser arrogante e me triturar. Está aberta a bolsa de apostas. O que vocês acham que aconteceu? Vamos lá: a segunda hipótese. O cara só falou: “Você vem me entrevistar e não sabe nada?” Fiquei com a cara no chão, morrendo de vergonha, humilhado. Pedi desculpa e fui embora, agora para enfrentar meu presidente estúpido, que suponho queria era me ferrar. Menos de uma semana depois o tal professor me telefona e pede desculpas, convidando-me para conversar. Recusei. E recusei porque percebi, ou imaginei, sei lá, que o arrependimento dele não era um ato de generosidade e sim a percepção de que tinha perdido precioso espaço num jornal muito importante no seu meio profissional, com tiragem de 25 mil exemplares, que chegava pelo Correio nas mãos de todos os economistas do Estado de São Paulo.     
 Assim, amigos, é a escola da vida e das profissões. Uma pancada aqui, outra ali, mas também uma vitória aqui, outra ali. Ninguém, jamais, está totalmente “pronto”. Mesmo que finja estar.
   

Um comentário:

  1. Caro jornalista Milton Saldanha!
    Sua crônica deixou-me propenso a refletir que certos ofícios exigem do profissional pleno conhecimento e perícia do labor a ser desempenhado desde o início, porque um erro cometido pode ser fatal.
    Caloroso abraço! Saudações profissionais!
    Até breve...
    João Paulo de Oliveira
    Diadema-SP

    ResponderExcluir