domingo, 15 de janeiro de 2012

Mobilidade em águas, terra & ar

A segurança dos navios
Por favor, não tomem o que vou contar aqui como exibicionismo medíocre e infantil. Mas preciso contar, para fundamentar minha tese: devo ter feito ao longo da minha vida, desde 1954, quando aconteceu a primeira, cerca de 40 viagens em navios, se não for até mais. Tanto em rotas nacionais como internacionais, incluindo uma fluvial, pelo Reno, na Alemanha. E fui editor e repórter de náutica na revista Motor 3, da Editora Três, por três anos, quando tive a oportunidade de me aproximar muito do setor de pequeno porte e recreação. Isso para dizer que não conheço meio de transporte mais seguro que o navio e outras embarcações, de modo geral. Desde, claro, que se respeite o mar e os limites humanos. E se apegue às regras de segurança com disciplina e rigor prussiano.
Comparando a segurança naval com a segurança aérea, ferroviária ou rodoviária será um banho estatístico na sustentação da minha afirmação, tão óbvio que dispensa apresentar números. Nas rodovias não passa um único dia sem muitos acidentes. Nos mares, são tão raros que geram comoção e vão parar no noticiário mundial. Além disso, as chances de sobreviver e sair ileso de um acidente naval são infinitamente maiores do que em qualquer outro meio de transporte. Num carro, por exemplo, os danos humanos e materiais são tão brutais, que se as pessoas refletissem um mínimo sobre isso dirigiriam o tempo todo com velocidade moderada e extrema cautela. E as fábricas deveriam ser proibidas de vender carros de alta performance e de fazer propaganda com esse argumento. Porque isso estimula a barbárie do trânsito.
Os navios atuais são tão ou mais informatizados que os grandes aviões, equipados com instrumentos de navegação sofisticados e de alta precisão. Tudo é possível prever, até mesmo uma tempestade ocorrendo a quinhentos quilômetros de distância. E os navios trafegam sobre rotas específicas, de grande profundidade, as mais seguras, como se fossem estradas sobre o mar. Há centenas de leis internacionais que regulamentam esse tráfego, senão seria um caos. Um simples Arrais Amador, que vai pilotar um barquinho de pesca em enseada, tem que fazer curso e exame, para obter a carteira da Marinha. Imaginem então o que é a preparação de um capitão de longo curso, para embarcações de alta tonelagem. As escolas navais são de nível universitário, muito puxadas, com teoria e prática.
Mas em tudo há o fator humano. É o que me intriga profundamente no acidente do Costa Concordia, que ocupou inteiro a capa da edição especial do meu jornal Dance nº 170, de janeiro/fevereiro de 2010. Nele realizamos a sétima edição do cruzeiro Dançando a Bordo, uma festa fantástica e de grande repercussão na dança de salão brasileira e internacional. O Concordia, belíssimo, é um dos navios mais avançados do mundo. Habituado a viajar todos os anos nos navios da Costa Cruzeiros, posso assegurar que seus oficiais são de altíssimo nível técnico. E que a segurança de todos a bordo está sempre em primeiro plano. Nas portas das cabines há instruções de segurança; o treinamento da tripulação acontece com freqüência; o dos passageiros, obrigatório por lei, em todos os cruzeiros; há lanchas com propulsão própria e abastecidas com água e mantimentos não perecíveis, para o caso de emergência; o público não tem acesso a locais de risco; casas de máquinas, por exemplo, não podem ser visitadas; ponte de comando só em grupos organizados e autorizados; há coletes salva-vidas em todas as cabines, inclusive para crianças; bóias salva-vidas em todas áreas externas; em operações de abastecimento é proibido fumar, incluindo as áreas externas previstas para isso. Enfim, a segurança está presente em tudo, o tempo todo.
Ah, se é assim, como encalhou e adernou o Costa Concordia? É  que todos estamos ansiosos por saber, principalmente quem conhece bem a alta tecnologia e segurança desses colossos dos mares. É cedo ainda para conclusões, afirmações e acusações precipitadas. Precisamos esperar a investigação e o inquérito, já em processamento. Lamentar pelas vítimas independe de qualquer conclusão. Isso é a única coisa que não tem preço. A dor de suas famílias merece integral respeito e solidariedade.    
O que desejo apenas é tranqüilizar meus amigos, dançarinos ou não, que em breve estarão a bordo. Eu ficarei 26 dias, em três navios diferentes, a partir de 22 de janeiro, e estou absolutamente tranqüilo. Nem poderia ser diferente, com a experiência que acumulo.
Riscos? Caros, isso existe até caminhando no quarteirão de casa: você pode torcer o pé, ser assaltado, pisar num bueiro de tampa solta, ser atropelado por um motorista bêbado, como tem acontecido até com freqüência. Viver é um risco permanente. Nem por isso vamos transformar isso numa neurose e nos condenarmos ao confinamento doméstico. Onde você pode esquecer o fogão a gás ligado e explodir...
Não sejamos trágicos, nem irrealistas. Nem fantasiosos, nem dramáticos além do razoável, entrando na canoa do sensacionalismo. Tudo que se move tem sempre algum risco. Até da minha cama ao banheiro, onde com sono já bati o pé e quase fraturei o dedão. Nem por isso deixarei de dormir, nem de ir ao banheiro.

5 comentários:

  1. Caro jornalista Milton Saldanha!
    Neste momento de comoção sua racional crônica atenua a nossa perplexidade em relação ao acidente marítimo, que infelizmente interrompeu de modo trágico vidas...
    Você é muito experto nas questões relacionadas ao domínio de Netuno e esta crônica, alicerçada no racionalismo e viés especialista, deixa patente que não devemos ficar com conjecturas e aguardar o final das investigações.
    Caloroso abraço! Saudações netunoianas!
    Até breve...
    João Paulo de Oliveira
    Diadema-SP

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  2. Prezado Milton..

    No ano passado, pela primeira vez na vida, fiz um cruzeiro pelo Msc Orquestra, de bandeira italiana. Se soubesse que era tão bom, teria feito isso há mais tempo. As pessoas falam que a gente enjoa, que o navio sacoleja e outras coisas que nos deixam meio temerosos, mas comigo nada disso aconteceu. O que cansou e aborreceu mesmo foi o embarque naquele Porto de Santos, que já está pequeno pra tanto navio..
    Fiquei impressionada com o staf de funcionários do comando e percebi que a coisa é rigorosa e altamente profissional. Entretanto, quase fomos vitimas de uma colisão, enquanto o nosso navio permanecia atracado em Buzios. Se não fosse a pericia do nosso comandante, o desfecho poderia ser desastroso. Na hora do ocorrido eu estava na cabine e só soube do fato, quando o comandante anunciou que havia conseguido evitar o choque. Entretanto, este fato não me imobilizou e se eu tiver outra oportunidade, farei outro cruzeiro, pois viajar de navio é uma das diversões mais gostosas do mundo.
    Deixo o meu pesar aos familiares dessa pessoas que faleceram nesse acidente e sei que nada que se diga, servirá de consolo, para quem perde , mas um dia todos temos que deixar a nave Terra, não importa por qual veículo ou de que maneira.
    Carpe Diem.

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  3. Oi Milton, tudo bem?
    Eu não consegui incluir comentário no seu blog, não encaixo nos perfis oferecidos. Mas gostaria de dizer umas coisinhas: Entendo que você queira dirimir dúvidas e estimular leitores dançarinos e potenciais passageiros da mesma companhia a não desistirem de viajar por causa desse acidente. Acho também que sua milhagem acumulada e experiência editorial o credencia a isto. Mas não entendi a falta de crítica à Costa Cruzeiros, dona do navio e empregadora do comandante e da tripulação e que até agora nada declarou sobre o acidente. Destacar os itens de segurança dos navios modernos e a raridade dos acidentes, é fazer a defesa da empresa, você não acha?
    Para comparar o número de acidentes de navio com os de automóvel ou de avião não se pode desprezar o número veículos de cada modalidade em operação, assim como as milhagens e/ou quilometragens que cada modalidade percorre por ano. Automóveis se contam aos milhões, aviões, aos milhares e navios, às dezenas, suponho. O fato de o acidente ter ganho as manchetes no mundo não é, na minha opinião pela raridade, mas pela gravidade!!! Mas o noticiário sobre o acidente com o Costa Concórdia traz dados preocupantes sobre responsabilização: entre os 4.229 pessoas a bordo havia mil tripulantesde diferentes nacionalidades,que não se entendiam entre si nem com os passageiros de diversas outras nacionalidades, por limitações em outras línguas. Por que haviam tantos tripulantes? Não me convenceria dizer que é um para cada quatro. Qual é a média usual por passageiro? Estavam em treinamento, quantos? Na hora do acidente esses "tripulantes" sabiam o que deveriam fazer para salvar os passageiros? As 5 mortes, 15 desaparecimentos, os que pularam ao mar gelado e o pânico a bordo, mostram que não. Quem já viajou de navio sabe que o treinamento dos passageiros com uso de coletes salva-vidas (e não o uso dos escaleres) é feito depois de alguns dias a bordo, como que para cumprir a lei. Os dessa viagem, que partiram da Italia, ainda não haviam sido treinados, como disseram alguns brasileiros e argentinos. O comandante, que imagino tenha muito mais milhagem que qualquer outro tripulante, treinamento e experiência, está preso e denunciado pela polícia e pela justiça por ter mentido aos passageiros (disse que era pane elétrica!!) - o navio ficou 60 longos segundos às escuras!!!, enquanto o navio tombava derrubando tudo o que havia sobre as mesas; por ter instruído a tripulação a colocar os coletes e orientado os passageiros a ficarem em ponto de encontro próximo ao restaurante. Dá pra imaginar o pânico, você que já passou tantas noites em navio!!!!
    Como se não bastasse, o comandante quis salvar sua pele, deixando a embarcação no meio dos passageiros. O do Titanic, segundo o filme, não teria abandonado o barco.
    Por fim, porque até agora a Costa não deu nenhuma declaração?
    Valdir dos Santos, jornalista, SP.

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  4. Caríssima Valdir dos Santos, minha amiga de longa data e grande jornalista! Minha crônica se resume a descrever a segurança dos navios. Não fiz apreciações sobre o desastre. Acho leviano fazer acusações preliminares sem a conclusão das investigações e do inquérito. Podem surgir surpresas. E análises técnicas deixo para os técnicos. Tem gente falando besteira. Alguém citou calado raso, como se a engenharia naval fosse formada por imbecis, e desconhecendo que existe lastro controlável. Só uma coisa me parece clara: controlar o pânico das pessoas é muito complicado, seja ou não a tripulação treinada e experiente. Porque em pânico ninguém raciocina, nem obedece. Obrigado por sua participação e abraço!
    Milton Saldanha

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  5. Olá Milton,

    Que alegria iniciar o ano (após breves férias) e deparar com seu blog. Parabéns pela sua contribuição à vida inteligente na internet.
    O episódio do navio deixa-nos uma lição:por mais seguros que sejam os equipamentos, corre-se risco sempre que estiverem sendo conduzidos por humanos. No mais,concordo que viajar de navio é infinitamente mais seguro do que qualquer outro transporte, como as motocicletas, por exemplo, as minhas prediletas.
    Grande abraço e feliz 2012.

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