terça-feira, 17 de janeiro de 2012

Tragédia do Concordia

Jornalismo sem bom-senso
Há momentos em que falta percepção da realidade no jornalismo. Neste triste episódio do Costa Concordia, por exemplo, não custaria nada aos grandes jornais contratarem um oficial de marinha mercante aposentado para dar consultoria à redação. E com isso evitar a publicação de absurdos. Um caso bem típico é uma nota no Estadão de hoje. Uma madame, certamente querendo aparecer, disse ter visto pouco antes do acidente o comandante bebendo num dos bares do navio, com uma bela mulher. Vejam bem, aqui não estou entrando em apreciações se o comandante teve ou não culpa, isso é outro assunto. O que quero chamar atenção é para a falta de cabimento da nota. Quem escreveu e quem editou com certeza nunca pisou num navio. Não tem pálida noção da vida de bordo. Nem das múltiplas funções de um comandante de cruzeiro turístico. A vida social com os passageiros faz parte da sua agenda oficial. Tanto que até existe um grande coquetel, elegante, para fotos, brindes, cumprimentos. E nenhum comandante passa 24 horas por dia na ponte de comando (a sala onde se opera a embarcação). Existe um staff de oficiais, que se revezam nas atividades técnicas. Cito o detalhe para condenar o linchamento prévio de uma pessoa que ainda sequer teve a chance de se explicar publicamente e que vive um drama em sua vida inimaginável. Vamos supor, pois ainda falta provar, que o comandante de fato tenha errado. Com 30 anos de carreira, enterrou sua vida e carreira, sendo massacrado sem piedade. E façamos um exame de consciência: quem de nós, dentro das devidas proporções, algum dia não errou? Caramba, ele pode ter consultado um carta náutica incompleta, onde não aparecem as pedras, e foi a única coisa que comentou até agora. Pode ter agido de forma impulsiva e saído da rota obrigatória. Pode ter ocorrido uma pane nos equipamentos. As hipóteses são múltiplas. E, se errou, ele já está pagando por seu erro, e certamente será condenado. Isso não está em discussão aqui. O que me deixa perplexo é esse sensacionalismo irresponsável que permite a divulgação de uma asneira como essa dita pela tal madame. Qualquer um pode ficar revoltado contra o comandante, é até natural que isso aconteça. Só não tem o direito de passar dos limites. Até porque isso mostra que todos erram.

3 comentários:

  1. Caro jornalista Milton Saldanha!
    Neste momento cruciante de apuração de responsabilidades do trágico acidente marítimo a prudência deve ser a tônica.
    Sei que até o momento meus comentários não contestam as crônicas que você publica, todavia afirmo que quando não estiver de acordo também externarei minha opinião, porque este blog não é o do pensamento único.
    Considero sempre alvissareiro refletir temas palpitantes da contemporaneidade com crônicas de sua lavra!!!!
    Caloroso abraço! Saudações verdadeiras!
    Até breve...
    João Paulo de Oliveira
    Diadema-SP

    ResponderExcluir
  2. Silvia Maria de Barros, jornalista catarinense, também não conseguiu postar diretamente e faço por aqui.
    Caro amigo
    Desculpe esta sua amiga tão contestadora. Não concordo nem em gênero e nem em número com sua opinião sobre a segurança dos navios.
    Ainda bem que hoje vivemos numa democracia, pois caso contrário, acho que me daria muito mal... Creio que não é necessário estar ou viajar num navio para escrever sobre um naufrágio, afinal, não é necessário estar presente em determinado fato para noticiar sobre ele. Jornalista é aquele que escreve sobre a pauta que recebeu de seu editor sem questionar vivência e sim coerência. A obrigação de um comandante de um navio é navegar visando segurança e bem estar dos passageiros e tripulantes. Ninguém em sã consciência faz um cruzeiro para tirar uma foto ou participar de um coquetel apenas porque lá está um mortal, vestido em traje de gala que geralmente (digo isso porque presenciei) fica cortejando garotas adolescentes para se auto promover ou bancar o bom velhinho caridoso e animado. Se há uma agenda oficial, que se coloque numa figura meio “bobo da corte” para fazer esta “misancene”. O passageiro que paga, e caro, pela sua viagem, quer segurança, qualidade de atendimento e diversão. Se errar é humano, desumano é brincar com vidas pensando que está brincando de ser o leme da embarcação. Comandante de navio tem que ter muita responsabilidade e a humildade de delegar funções nos momentos que ele quer se dar ao luxo de deixar que a vaidade se sobreponha à responsabilidade de ter vidas em suas mãos. Aliás, uma arriscada aproximação entre os transatlânticos MSC e Costa Fortuna, que atracaram em Búzios, há algum tempo atrás, por terem atingido distância menor do que a recomendada pela Marinha – de pelo menos 400 metros, quase se chocaram. Quanto ao naufrágio, apesar de toda a tecnologia o Costa Concórdia afundou. O Ministro de Defesa da Itália já veio a público declarar que se tratou de uma enorme falha humana. Seu comandante está oficialmente sendo acusado de provocar o acidente e abandonar o navio antes das 4200 pessoas a bordo serem retiradas e colocadas em local seguro. Acho que o que faltou foi a figura do “prático”...
    Beijo grande,
    Silvia.

    ResponderExcluir
  3. Bravo Milton,
    Como ex-tripulante Costa por mais de 5 anos, fico triste em ver como a mídia tratou o caso.
    Poucos comentam o esforço da tripulação para salvar mais de 4200 pessoas!
    O comandante pode ter errado, mas a tragédia só não foi maior porque havia a bordo uma tripulação altamente treinada para agir em uma hora dessas. ... e assim foi feito!
    ...Mas parece que isso não interessa à Mídia!
    abs

    Chico Peltier

    ResponderExcluir