quinta-feira, 10 de novembro de 2011

Dança, uma porta para a felicidade

Tango. Amigas e amigos, é impossível descrever a magia e prazer que é dançar isso. É meu principal hobby há 8 anos. Mas se o tango é recente, danço os demais ritmos desde os 14 anos. Estou com 66, logo são 51 anos de baile. O hábito começou nos anos 60, em Santa Maria (RS), cidade cercada de morros, encravada no centro da Depressão Central, bem no coração do mapa gaúcho. Era uma das diversões de toda a família, meus pais e os quatro filhos, que não perdiam os bailes dos clubes Caixeral e Comercial, com suas sedes sociais na praça principal, a Saldanha Marinho. Nome sem qualquer parentesco com este autor, sequer sei quem foi a figura.
Fui também do tempo das reuniões dançantes domésticas, com Hi-Fi, disco de vinil, regadas a cuba libre (Coca-Cola, gelo, rodela de limão e uma dose de run). Naquele tempo a gente ia para esses encontros de terninho escuro e gravata, elas de vestido tubinho e coques altos, onde entrava até bom-bril para ajudar a segurar e dar volume. As mães ficavam tricotando ali por perto, simulando distração, mas de olho ligado na rapaziada, todos loucos por um bom amasso em suas filhas. Dançar de rosto colado era o máximo das ousadias, e as meninas que permitiam isso ficavam logo “faladas”, assunto inevitável de todas as rodinhas das fofoqueiras. As eletrolas, móveis grandes onde rodavam os LPs de vinil, emitiam samba, fox, bolero, tango, valsa e mambo. Com as vozes ou composições de Angela Maria, Elisete Cardoso, Maysa, Miltinho, Frank Sinatra, Nat King Cole, Caubi Peixoto, Lupicinio, Noel Rosa, Chiquinha Gonzaga. Aí surgiu uma novidade, que a gente também dançava, chamada Bossa Nova. Entraram em cena Vinicius de Moraes e Tom Jobim, precursores da safra que viria só bem depois, com Chico, Nara Leão, Edu Lobo, Vandré, Bethânia, Caetano, Gil e outros. As músicas mais conhecidas desse novo estilo de samba eram “O Barquinho” e “Samba de uma nota só”, até que surgiu a magistral “Garota de Ipanema”.
E assim rolavam nossas longas tardes domingueiras... Com a dança a dois, eu diria até precocemente, passando a fazer parte indissociável da minha vida. Quem não dança e nunca experimentou isso dificilmente entenderá tal prazer. Ele está ligado primeiro ao gosto pela música, seguido da satisfação de associar seu corpo a ela, através do movimento. Você então não apenas ouve a música, mas se integra totalmente a ela, descobrindo habilidades que nunca imaginou possuir. Torna-se senhor do seu corpo, faz dele o que bem entender. Vence bloqueios, solta suas amarras, ganha postura e independência. Aquele corpo que refletia uma mente reprimida, encolhido e tímido, de repente se abre, cresce e parece querer voar. Agrega, finalmente, ou em primeiro lugar, tanto faz, o prazer do abraço com o sexo oposto. Cria-se ali uma cumplicidade, seus corpos precisam estar sintonizados na mesma energia e na mesma emoção. Em alguns casos isso é tão forte que desperta também a química da atração sexual, absolutamente normal e saudável, estamos falando de homens e mulheres de carne e osso. O que não significa que os casais vão sair correndo do baile para transar, não é nada disso. O que quero dizer é que a dança, além de ser o mais completo e prazeroso dos exercícios, e de longe a melhor das terapias, é também uma via de acesso a relações que podem transformar vidas. Ali surgem muitos namoros e até casamentos. Contudo, mesmo que não se chegue a tanto, quem dança jamais sentirá solidão. Os bailes e academias, hoje facilmente encontráveis, formam verdadeiras comunidades de amigos. O convite para dançar quebra qualquer gelo. O contato físico abrevia a aproximação e o conhecimento do outro.
Não cansa, enjoa? Perguntará alguém. Taxativamente, não! Quanto mais a gente dança, mais quer dançar. E quanto melhor, mais insatisfeito se tornará com a própria performance, querendo aprimorar dia após dia. Fred Astaire, o fabulso dançarino que celebrizou a dança a dois no cinema com sua parceira Ginger Rogers e se tornou a eterna referência de todos nós, dançarinos do mundo todo, era um perfeccionista fanático. Consta que chegava a fazer mais de 60 vezes algumas cenas, de poucos segundos, para extrair da série e editar aquela mais próxima da perfeição. E quem vê os dois dançando imagina tudo um mar de rosas. Não era bem assim. Brigavam muito nos ensaios, em busca do melhor resultado. Aliás, como acontece com a maioria dos casais profissionais e amadores de hoje. Até engrenar, um tende a culpar o outro pelas dificuldades, que são normais e todas superáveis. Onde estava o segredo da perfeição? Deixemos que ele, Fred Astaire, nos responda: “Tem que parecer que é fácil”, dizia o mestre. Vendo, parece que qualquer um faz. Vá tentar!
  O tango para mim foi o estágio natural da busca da evolução e da novidade. Continuo dançando todos os ritmos, alguns no limitado estilo quebra galho, mas foi no tango que encontrei a suprema emoção. Porque sua música, e a interpretação na dança, refletem o amor, desejo, paixão. A sofisticação e beleza das composições atingem no fundo das almas sensíveis. Só alguém muito inculto, frio e grosseiro não fica extasiado ao ouvir um tango como “Adios Nonino”, de Astor Piazzolla. Mas este é apenas um exemplo, há centenas de outras obras primas, de compositores e intérpretes lendários como De Sarli, Darienzo, Pugliese, Troilo, Oswaldo Fresedo, Mariano Mores e muitos outros. E tem uma sofisticação técnica que raros estilos de dança de salão alcançam, só podendo ser comparado ao samba, igualmente complexo e difícil de aprender. Como danço os dois, considero o samba ainda mais difícil. Ambos oferecem inesgotável repertório de passos e efeitos, muitos deles que você próprio vai criando, com a experiência e a prática.
A beleza plástica do tango e sua música talvez expliquem porque se espalhou de tal forma que hoje é dançado no mundo inteiro, para sorte dos grandes mestres portenhos, disputados para dar cursos e fazer shows nos mais variados continentes. Diversos já estão ricos, são fluentes em inglês e conhecem dezenas de países.
Com o tango descobri um novo caminho para aprimorar minha dança e enveredar por emoções muito fortes, ainda que eu seja um eterno amador, nunca me passou pela cabeça fazer disso uma forma de ganho adicional. Coleciono DVDs de aulas e shows, faço aulas regularmente, danço pelo menos duas vezes por semana, vou com grande freqüência a Buenos Aires (mais de 30 vezes no total) para beber direto na melhor fonte. Vale só o prazer. Uma nova porta para a felicidade plena. Sigam meu exemplo e comecem na dança. Vão descobrir uma nova cabeça e moldar um novo corpo. E acharão uma pena, com certeza, quando descobrirem o que estavam perdendo, não ter começado muitos anos antes.

3 comentários:

  1. Caro jornalista Milton Saldanha!
    Você é um grande felizardo, porque aproveita sobremaneira todos os benifícios advindos da dança!!!!
    Seu nostálgico relato do início dos anos 60 me fez lembrar do meu tempo de pequenino quando segurava vela para que minhas irmãs mais velhas pudessem sair de casa... Elas também colocavam bombril para encher aqueles coques altos, que também eram chamados de penteados tipo banana...
    Lembra do laquê e dos secadores de cabelo, que eram uns trombolhos?!...
    Que Terpsícore o tenha como pupilo sempre!!!
    Caloroso abraço! Saudações terpsicoreianas!
    Até breve...
    João Paulo de Oliveira
    Diadema-SP

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  2. Amigas e amigos: a escassez de comentários não reflete o número de visitas ao blog, que hoje deve ultrapassar 800 acessos, em apenas 9 dias. Continuo recebendo reclamações de dificuldades para postar. Não sei se isso está relacionado ou não com a moderação do autor, que acho indispensável para evitar invasões indesejáveis, de gente que nada comenta mas só entra para avacalhar. Infelizmente, tem que ser assim.
    Beijos!
    Milton Saldanha

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  3. Miltonamigo

    Foi esse danado desse Profamigo, um tal João Paulo, que me empurrou para cá vir. Descuidado, não me segurei bem e catapuz!, aqui cheguei. E, digo desde já, em muito boa hora. Bendito Profamigo.

    Se me visitares lá nos meus blogues (um deles, o caçula, triste sorte, é entre a política e a pulhitica). Este, o da minha Travessa é já um sénior, o que é normal vindo de um ancião como é o meu caso...

    Pois tu, novo Miltonamigo, além de escriba - e muito bom - és bailarino militante vai para 55 anos. É obra. E tanguista... O Gardel que se ponha a pau com tal dançarino, quiçá ainda melhor à media luz...

    Muito bom este teu blogue. Muitississimissimérrimo. Repito a bendição ao Oiliveirinha. Caté

    Abç

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