sábado, 31 de dezembro de 2011

Dinheiro público

Maldita Copa do Mundo
Desculpem o título, tão mal-humorado. É inevitável, cada vez que leio notícias sobre os gastos públicos que esta farra da Copa do Mundo já está gerando. Os custos já passam de 700 milhões, segundo as mais recentes notícias. Estima-se a farra em 24 bilhões, mas existe um insuspeito estudo do próprio Senado falando em... Sente e beba um copo de água antes ler: 60 bilhões!
 É sim, maldita Copa do Mundo!
O mundo inteiro falando em crise, arrocho fiscal na Europa, a Grécia literalmente quebrada e de chapéu na mão. E o Brasil se preparando para fazer uma festa desse porte e se curvando aos caprichos das máfias que controlam a Fifa, uma entidade privada, que lucra com isso. E que tem a ousadia de interferir até nas leis do país, para atender ao interesses comerciais dos seus controladores.
Morre gente em corredor de hospital público que mais parece um chiqueiro. Falta saneamento básico em mais da metade do país. As novas favelas crescem nas beiras das rodovias por todos os cantos, acabando até com belos cartões postais de cidades praianas. O ensino está uma calamidade e precisa de investimentos urgentes, a começar por salários dignos para os professores e instalações em condições salutares para os alunos. Nossas polícias têm armamento obsoleto e suas delegacias são uma vergonha. Em São Paulo existe delegacia que sequer tem telefone. As Forças Armadas estão sucateadas e seu reequipamento é uma questão séria a ser considerada, para defesa do Pré-sal. E vai por aí.
E, no entanto, vamos gastar essa colossal montanha de dinheiro com futebol. Pra começo de conversa, São Paulo não precisava de um novo estádio, bastava melhorar o Morumbi. Isso foi um tremendo trambique.
Quem vai pagar a farra? Eu, você. Todos nós. Porque isso vai sair dos cofres da União, Estados e Municípios. Vão usar o BNDES, que não foi criado e não existe para isso, e sim para fomentar investimento sustentável, gerador de renda e empregos. Quando a farra acabar virá em seu lugar a ociosidade desses mausoléus. Mas as contas a pagar ficarão.
Sou insuspeito para criticar porque fui a favor de várias medidas do governo Lula. Mas essa de trazer a Copa para o Brasil foi de lascar. É insuportável! Onde esse cara estava com a cabeça quando foi lá com aqueles pilantras da CBF para reivindicar uma coisa que vários países, inclusive os Estados Unidos, estavam rejeitando?
Se vai ter roubalheira? Não seja maldoso. Será tudo limpo e transparente. Aguarde.

quinta-feira, 29 de dezembro de 2011

Economia

Brasil entra em 2012
vislumbrando um futuro melhor
Nunca, em toda minha vida, vi um Brasil tão otimista. Com reservas cambiais poderosas e inegáveis avanços na área social. Com o Bolsa Familia e programas como o “Minha Casa, Minha Vida”, criou-se consumo e otimismo onde antes só havia abatimento e desesperança.
Calma lá, não estou dizendo que o Brasil virou algum paraíso de igualdade social. Estamos ainda anos luz distante disso. Mas perto do que havia, sinceramente, é realmente algo a considerar. Porque programas como o Bolsa Familia, ainda que irritem as classes mais abonadas, não são a fundo perdido. Eles criam consumo, e criando consumo geram empregos e investimento, em áreas onde antes isso não existia. O que, por tabela, favorece as tais classes mais abonadas, detentoras do capital. Só que elas não percebem, afogadas em sua cegueira e egoísmo.
O Brasil vem conseguindo antecipar com medidas eficazes os mecanismos para fugir da crise internacional. Renúncia fiscal e controle dos juros, sem risco mais profundo de inflação, têm sido medidas corretas nos últimos três anos, mantendo o fluxo de consumo e o nível de emprego em índices satisfatórios. Hoje há demanda por mão de obra, sobretudo na construção civil, além da grande necessidade de técnicos para todos os setores da economia. É um bom sinal, principalmente quando comparado com a situação da Espanha, por exemplo, onde o desemprego recentemente atingia 11%. É muita gente pendurada no assistencialismo oficial, uma forma precária de vida e danosa à economia.
Entraremos em 2012, talvez pela primeira vez na História, com um índice de otimismo jamais visto antes, e que se traduz também pelo grande apoio que a presidente Dilma vem recebendo da sociedade, sobretudo de setores que não apoiaram sua candidatura e não votaram nela. O estilo da presidente, austera e firme, e dentro do possível peitando as máfias da corrupção, em contraponto ao exagerado marketing populista e o “liberou geral” de Lula, são os fatores agregadores desse apoio.
Nos meus 66 anos de vida, sempre atento à economia e política, posso assegurar que nunca vi um Brasil entrando tão sereno e tão bem aglutinado num novo ano. É claro que existem divergências, e ainda bem que existem. O país precisa de oposição, sempre. E de imprensa livre, para denunciar e cobrar. Mas há um senso comum de que estamos melhorando gradualmente, e crescendo.
Sem aquele ufanismo idiota que marcou o chamado “milagre brasileiro”, do plantão do ditador Médici. Agora é bem diferente. O otimismo é contido e apegado à realidade. Além de prudente. É um outro Brasil nascendo. Com tudo, ou muito, ainda por fazer nos mais variados setores. Porém não inerte, nem andando em marcha a ré.

sábado, 24 de dezembro de 2011

Cultura

Tristeza: a livraria fechou
Havia uma simpática livraria ali na rua Vereador José Diniz, ao lado da famosa padaria Santa Marcelina. Comprei alguns livros lá, fiz amizade com o pessoal da casa, que até me convidou para fazer com eles o primeiro lançamento do meu livro “Periferia da História”. Estava nos meus planos. O lugar era simpático, tinha estacionamento (sem cobrança), a padaria para dar suporte saboroso...
Hoje, dia 24 de dezembro, vi com tristeza tudo fechado e a faixa: “Aluga-se”.
Fiquei pensando... Pobre país, onde uma livraria charmosa (fora das grandes redes) não consegue sobreviver. Que inveja de Buenos Aires (veja que eu não disse Argentina), que com suas mil e tantas livrarias suplanta com folga o total que temos em todo o Brasil. Que abissal diferença cultural. E depois tem gente que ainda chama os argentinos de arrogantes. Deveriam é festejar a cultura daquele povo, que é também, como conseqüência, infinitamente mais politizado do que o nosso.
Há anos sempre digo que o livreiro é um idealista. Investir um capital numa livraria realmente requer coragem. Melhor é pavimentar o terreno e transformar em estacionamento, cobrando 10 reais na primeira hora... Porque o nosso povo gosta é de carros e não de livros. O sujeito não tem vergonha de contar que jamais leu algum livro. Mas se orgulha do carrão...

quarta-feira, 21 de dezembro de 2011

Memórias de repórter

O texto a seguir está sendo publicado na edição on line, nº  826, do conceituado Jornalistas & Cia, do período de 21 de dezembro a 3 de janeiro. Na seção Memórias da Redação.

Como descobri e denunciei
um escândalo durante a ditadura
Um mero acaso, somado ao meu olhar atento sobre um trecho de ferrovia, em paisagem rural da Grande São Paulo, na região de Suzano, ensejaram aquela que certamente foi a maior reportagem da minha carreira de repórter, há 35 anos: a denúncia, em página inteira no “Estadão” de 01/07/1976, de um escândalo envolvendo o Ministério dos Transportes, cujo titular na época era o coronel Mario Andreazza. Em plena ditadura, Governo Geisel.
Vale a pena contar essa história, com justa vaidade uma lição de jornalismo, porque tudo, de ponta a ponta, foi fruto da minha sacada de que algo estava errado, além do subseqüente esforço de apuração, que levou mais de um mês até fechar todo o quadro e provar a denúncia.
É bom lembrar que quase invariavelmente as denúncias de escândalos que chegam aos jornais e revistas são plantadas por pessoas com informações privilegiadas e que de alguma forma se sentiram lesadas. Geralmente, quem perdeu alguma concorrência pública. No caso deste relato não teve nada disso. Tudo começou e terminou com este repórter, sem qualquer interferência externa.
O episódio começa num dia de muito sol e calor, quando peguei meu Fusca, sozinho, para fazer uma despretensiosa reportagem de turismo de fim de semana sobre a estrada SP-31, a Rodovia Índio Tibiriçá, que liga Ribeirão Pires a Suzano, na Região Metropolitana da Grande São Paulo. Eu recém tinha assumido a chefia de redação da Sucursal do ABC do grupo Estado (Estadão, Jornal da Tarde, Agência Estado e Rádio Eldorado), por indicação do Dirceu Pio ao Raul Bastos, então chefe da rede de sucursais. O Pio, ex-chefe da Sucursal, que sempre teve uma redação competente e respeitada, vinha me dando grande apoio e foi dele a sugestão da matéria sobre a estradinha, que contorna parte da represa Billings, é local de pescadores e de bancas de frutas, flores e mel produzido nas chácaras das redondezas.
Fui parando para entrevistar comerciantes e pescadores, até que cheguei num posto de gasolina, no km 10, para abastecer e aproveitar para ouvir também o dono sobre o movimento na estrada. Era um japonês alto e simpático, o Ishikawa, que começou lamentando que teria que encerrar seus negócios ali, fechar o posto e pensar no que fazer. Meu primeiro entendimento foi de que o movimento seria fraco e o posto estivesse dando prejuízo. Mas não era isso. Ishikawa me levou até o escritório e abriu documentos e mapas da região. E explicou: ali perto estava sendo erguida a barragem do Taiaçupeba, uma obra do governo paulista, destinada principalmente a ajudar no abastecimento do ABC e Zona Leste paulistana, além da regularização do fluxo do Tietê, para reduzir o impacto das enchentes. A cota de inundação da represa, como é chamada tecnicamente a área ocupada pelas águas, em pouco tempo alcançaria a estrada, ficando o posto nas margens. Já estava nas previsões a construção do desvio, com desapropriações de chacareiros de uma colônia japonesa que se dedicava ao cultivo de rosas. Ishikawa, mesmo não sendo engenheiro, até bolou e propôs ao Estado uma solução mais barata e menos complicada do que as desapropriações, que seria uma elevação da estrada.
Ishikawa me contava tudo aquilo, eu ia fazendo anotações já vislumbrando novas pautas sobre o assunto, quando de repente bati o olho nos trilhos de trem que passavam paralelos à estrada, a poucos metros dali. Um detalhe em especial chamou minha atenção: os dormentes de madeira (sobre os quais são fixados os trilhos) estavam novos. Eu já tinha morado perto de ferrovia e viajei muito de trem na infância e adolescência. Sabia que pelo uso e tempo ferrovias antigas têm dormentes enegrecidos e lascados. Ali não, tudo era novo. A madeira ainda estava clara. Logo, algo estava errado.
Comecei a fazer perguntas a Ishikawa sobre a ferrovia e fiquei sabendo que o ramal, de 7,5 quilômetros, por onde passava um trem por dia transportando minério de ferro destinado à Cosipa, havia sido inaugurado pelo ministro Andreazza em agosto de 1971.  Informação fácil de checar e que se confirmou. Porém, desde 1969 técnicos do Estado já vinham mantendo reuniões com moradores da região para tratar da desocupação da área que seria ocupada pela represa. Não havia sentido. Como poderiam ter inaugurado os trilhos justamente sobre uma área que já estava prevista para ser inundada?
Começava ali, no próprio posto de gasolina e com seu modesto dono, minha investigação de um escândalo que custou, na época, 45 milhões de cruzeiros (a moeda então vigente) aos cofres públicos.
A busca da verdade
Até concluir a matéria, que ocupou a última página inteira do Estadão, (depois da capa a mais nobre do jornal e mais ambicionada pelos repórteres), foi mais de um mês em que mergulhei de cabeça na investigação do caso. Saiu tudo na íntegra, sem qualquer mudança ou corte.
“45 milhões, o preço de um prazo político” foi a manchete da página. O espaço foi dividido em várias retrancas (textos com enfoques diferentes de um mesmo assunto), onde contava, além do escândalo, os dramas dos atingidos pelas desapropriações, analisava os impactos da nova represa, custos, finalidades, soluções, etc. Mereceu, claro, destacada chamada na capa do jornal.
Tive que conciliar os trabalhos de apuração e texto com a chefia da redação, onde bolava pautas diárias para meia dúzia de repórteres e “copidescava” suas matérias, que no jargão de redação significa fazer a lapidação final do texto. Não era fácil, mas o entusiasmo pela investigação estava acima de tudo. Eu não dava a mínima para horário de trabalho. Eram 12 horas por dia, não raro até mais. Saí a campo em busca de fontes, respostas e documentos. Tudo teria que encaixar, com precisão, acompanhado de provas. Para denunciar o seguinte: o ministro dos Transportes tinha autorizado e inaugurado uma obra em tempo e lugar errado, mesmo estando informado que ela não teria vida longa. Só poderia existir uma razão para isso: havia gente ganhando dinheiro no superfaturamento da obra. Detalhe que eu não tinha como provar, infelizmente, mas que ficava implícito para qualquer leitor mais ou menos atento. E, mesmo supondo que tivesse sido só incompetência e erro técnico, a decisão implicava num grande prejuízo aos cofres públicos.
A bagunça e desintegração entre as esferas estadual e federal era tanta, que a construção do ramal ferroviário começou mesmo com o projeto da barragem já em curso. As autoridades estaduais se apavoraram e espalharam ofícios aos mais diversos órgãos federais informando a situação e pedindo a urgente criação de um desvio. Em vão, o ministro mandou tocar em frente. Qualquer alteração mudaria todo o cronograma e havia um prazo político.
Percorri diariamente corredores e tomei chás de cadeira em ante-salas dos mais variados órgãos, muitas vezes só por um pequeno detalhe, mas sempre indispensável na composição da colcha de retalhos em que se constitui uma matéria investigativa: DAEE - Departamento de Águas e Energia Elétrica; Fepasa – Ferrovia Paulista S.A., Departamento Nacional de Estradas de Ferro, Cetesb, Sabesp, DER, DNER, Palácio dos Bandeirantes e outros lugares... Haja entrevista, e haja luta para fazer falar quem temia isso. Por exemplo: eu precisava ouvir o então presidente da Cetesb, Renato Della Togna, que em 1968 tinha sido o superintendente da Divisão do Vale do Tietê. Era uma das autoridades estaduais que alertou, por escrito, sobre o problema. Ao tentar marcar um encontro, por telefone, percebi que ele fugia da raia. Claro, aquilo era mexer em vespeiro. Fui para seu gabinete na Cetesb, em Pinheiros, e me plantei na ante-sala uma tarde inteira. “Em alguma hora ele terá que aparecer”, era minha idéia fixa. Só quase no final do dia isso ocorreu. “Não posso atender, tenho um coquetel no térreo agora”, me disse. “Vou junto”, respondi, colado ao homem como um carrapato. Descemos o elevador, eu já entrevistando. Depois em pé, no coquetel, entre canapés e coxinhas de frango. Esperava ele dar atenção a alguém e voltava à carga. O homem acabou falando, com certeza não tudo, mas tive que tirar suas declarações como carro que pega no tranco, aos empurrões. E certamente falou, em parte, para se livrar do tremendo chato que era aquele repórter. O nome do jornal pesava, então ele me aturou com paciência, digamos. Eu também não era bobo, fiz pressão insinuando que o seu silêncio seria questionado pelo “Estadão”.  
 Como um quebra-cabeça, tudo ia se encaixando. Depois eu organizava os fatos em ordem cronológica. Esse andamento era animador. De entrevista em entrevista, ora em on, ora em off, mais documentos, foi possível fazer a denúncia. O mais precioso documento era a cópia de um oficio do DAEE, devidamente datado, informando ao Ministério dos Transportes sobre o cronograma de obras da represa.
Além do périplo pelas repartições oficiais, voltei à região dezenas de vezes, para ouvir moradores, empresários, chacareiros. Numa das ocasiões acompanhado do fotógrafo Clóvis Cranchi Sobrinho, que fez fotos dos famosos trilhos e da bacia da barragem do Taiaçupeba, que ilustraram a matéria.
Nos dias seguintes à publicação o jornal deu editoriais sobre o caso e fez matérias de repercussão, aos cuidados da Local, como era chamada a equipe de reportagem de cobertura da Capital.
A censura nesse período já estava quase suspensa, ainda bem. Um pouco antes e não teria saído uma única linha. A denúncia não deu em nada, como sempre acontecia durante a famigerada ditadura. Autoridades reagiam de modo truculento e não davam explicações. Jornalistas insistentes corriam sérios riscos, até de prisão. Mas, pelo menos, minha reportagem alcançou a opinião pública. Só isso já foi uma grande vitória.



  

Atitude

Ano Novo. Novo?
Outro dia eu estava na fila do restaurante a quilo e ouvi duas moças na frente conversando. Dizia uma: “Não vejo a hora em que termine este ano”. Respondia a outra: “Eu também!”
É absurdo como as pessoas vinculam seus fracassos e frustrações às coisas incontroláveis, como o tempo. A mudança do ano no calendário, pelo imaginário popular, é a simbologia de mudanças. Que nunca acontecerão. Porque a vida não depende do fato de ser janeiro ou dezembro, dia 1º ou 31. Não é o calendário que tem que mudar, e sim as atitudes delas.
Lembro-me, há muitos anos, de um colega de trabalho que passou os últimos três meses do ano anunciando que o próximo ano seria o “seu ano”. Nunca entendi direito o que ele queria dizer, exceto que claramente era um anúncio de prosperidade. Mas o fato é que transcorreu o tal ano tão esperado e... nada, absolutamente nada, mudou na vida dele.
66 anos novos depois, sinceramente, estou um pouco cansado desses discursos que prometem o irreal e ficam adiando sonhos. Razão pela qual estou fugindo das festas de ano novo. Quando chega a meia-noite, depois da velha contagem regressiva dos minutos, aquela troca de abraços e de velhas frases, sempre iguais, desejando paz, saúde, dinheiro e o escambau, já me cansam muito. Repito aquilo tudo feito papagaio, sem nenhuma emoção.
Só vejo algum sentido no calendário pelas coisas boas que me acontecem. Mas não agora, já há vários anos, como, por exemplo, a chegada do verão e as viagens nos navios, nos cruzeiros dançantes que ajudo a organizar e a divulgar, através do jornal Dance. É sempre muito bom, e apenas algo gostosamente esperado. Meus projetos não precisam aguardar a virada do ano. Nem a decisão de continuar sendo muito feliz. Ela se renova todos os dias.
Vou aproveitar a calmaria dos feriados para mergulhar na preparação (quase final) do meu livro “Periferia da História”. Sem nenhuma crise existencial, sentimento de exclusão ou qualquer outro bicho. Convites não faltam. É uma opção ficar recluso e me dedicar a um trabalho que me dá extremo prazer. Longe do barulho e de alguns falsos, que infelizmente existem. O livro é um projeto para breve. Ação em curso, no tempo presente. Sem precisar esperar o calendário mudar.
De qualquer forma, bom Natal e feliz Ano Novo a todos!

terça-feira, 20 de dezembro de 2011

Futebol arte

Neymar pode perder chance rara
Não há muito a comentar sobre o jogo Barcelona X Santos. Todo mundo viu, e os grandes comentaristas certamente já esgotaram o assunto. Da minha parte, como torcedor moderado de futebol, sem nenhum fanatismo (sou Inter, de Porto Alegre, desde criancinha, e só), quero apenas dizer que foi o mais lindo jogo de futebol que já vi na minha vida (olhando o Barça, claro). Só acharia paralelo na fantástica Seleção Brasileira que disputou a Copa na Espanha, a melhor de todos os tempos, e justo, oh ironia, uma daquelas que voltou sem o caneco tão cobiçado.
Hoje o Barcelona tem o time dos sonhos de todos os torcedores e de todos os jogadores. Burro do Neymar se deixar escapar essa chance e não ir jogar lá, garantindo para sempre seu lugar na história do futebol mundial. Imaginem a delícia que deve ser jogar ao lado daqueles caras, com aquele toque de bola preciso, rápido, de estontear até os adversários mais experientes. No jogo, a impressão era a de que poderiam fazer novo gol a qualquer momento, quando quisessem. Pareciam treinar. Com empenho e força total teriam enfiado 8 ou 9 gols. E contra um time que tem Ganso, Neymar, Borges... Não é brincadeira.
O mundo teve o famoso carrossel holandês. Eles desciam e subiam em bloco, atacando e defendendo, parecia um pelotão laranja em estratégia de batalha. Mas o Barça de hoje é ainda mais lindo, porque soma ao esquema tático o brilho individual. E Messi, que me desculpem os patriotas de plantão, está muito perto de começar a ser comparado a Pelé, que por enquanto não perdeu o trono, até hoje. “Messi foge da falta”, comentou o deslumbrado goleiro do Santos, Rafael. Ao contrário dos demais atacantes, que cavam faltas e pênaltis na frente da área. Messi jogando é uma pintura. Lembra-me Falcão e Zico nos seus melhores momentos.
Vai, Neymar, não perde teu tempo aqui num futebol onde só se pensa em ganhar dinheiro. E por isso em franca decadência.
Jogar no Barcelona, hoje, é para poucos. Um dia, no futuro, ele poderá se arrepender muito de não ter dado esse salto em sua carreira.

domingo, 18 de dezembro de 2011

Economia doméstica

Abomináveis caixinhas de Natal
Por sugestão do amigo professor João Paulo de Oliveira, de Diadema, hoje vou comentar um pouquinho sobre essas abomináveis caixinhas de Natal. Primeiro, explicando meu critério estritamente pessoal para avaliar o valor das coisas: meu conceito de caro ou barato toma por base quanto ganho por dia, somando aposentadoria com a pequena renda média do meu jornal de dança. Pronto, tenho um critério. Ou seja, quantos dias de “renda” tenho que investir para comprar determinado bem. Pode me custar um dia, ou um mês. Ou vários meses. E assim controlo meu orçamento, sem riscos de dar passos maiores do que minhas reais possibilidades. Graças a isso há muitos anos não sei o que é ter dívidas. E mais: compro tudo à vista, chorando descontos. Até carro compro assim, esperando alguns meses até juntar todo o dinheiro. E minha casa, pasmem, paguei totalmente em apenas dois anos, quitando em 1980. É uma maravilha não ter dívidas, não ficar pendurado no cartão de crédito (fuja dele!), nem no cheque especial com esses juros abusivos dos bancos.
O que tem isso a ver a caixinha de Natal? Tudo. Porque rompe seu orçamento, sua organização. Some as caixinhas do carteiro, do apontador da luz, da água, lixeiro, pedinte na porta, guarda da rua, cunhado desempregado... Vai longe, amigos. Você estará investindo alguns valiosos dias do seu orçamento, se não tomar cuidado. E deixará de atender suas próprias necessidades, entre as quais se inclui família e entes mais íntimos e queridos.
Resumo: não dou caixinhas. Acho isso um péssimo hábito. Porque é inclusive uma forma de corrupção. As pessoas citadas, fora o desempregado, ganham salários. Se não é bom, que deixem de ser covardes e aprendam a lutar por melhorias, como fiz em toda minha vida. Na maior parte das vezes em que arrisquei pedir aumentos, consegui. Se tivesse ficado encolhido, com medo, não teria conseguido. Logo, não vou complementar com caixinhas os ganhos de quem não sabe lutar por seus próprios direitos. Isso gera neles acomodação. Fica prático, os outros pagam!
Não eu.
Prefiro fazer contribuições, dentro das minhas possibilidades, em esquemas de pessoas confiáveis. Neste ano, por exemplo, ajudei num fundo para compra de presentes para crianças carentes. Esse sim é um dinheirinho bem empregado, que me deixa feliz em contribuir. Outra idéia, mais interessante do que dar dinheiro, é comprar um estoque de determinado brinde, de pequeno custo, e distribuir. Alguns não gostam, querem é grana. Mas aí o problema é deles.
Beijos!

  

quinta-feira, 15 de dezembro de 2011

Livre pensamento

O direito de ser ateu
Sou ateu. Mas não se assustem, não devoro criancinhas, nem farei o mínimo esforço para ampliar o número de ateus no mundo. Para mim, tanto faz. Quem quiser passar o dia na igreja, que passe, é problema dele e não tenho nada com isso.
 Quero apenas exercer meu direito ao livre pensar. Sem ser ofendido, como geralmente ocorre. Nós, ateus, somos comparados ou nivelados ao que pior existe na humanidade. Como se os crentes fossem, por acaso, campeões mundiais em virtudes, moralidade e santificação. Tudo que aspiro é que não venham me molestar, tentando me converter. Assim como não perco meu tempo tentando erodir a fé alheia.
Certa vez, num vôo de Brasília para São Paulo, sentei por acaso ao lado de um padre. Puxou conversa e acabei revelando, nem sei por qual razão, que sou ateu. Tremenda mancada. O padre encheu meu saco a viagem inteira, tentando me provar a existência de Deus. Eu teria pelo menos uma centena de contra-argumentos, e outra centena de questionamentos, inclusive invocando grandes pensadores ateus, mas não estava com a menor paciência para esse tipo de diálogo. Principalmente por sua inutilidade: ele não me convenceria, nem eu abalaria sua fé. Quero que ele continue feliz, acreditando. E que me deixe em paz na minha felicidade descrente.
Ainda garoto vivi o castigo de estudar três anos em colégio marista, em Santa Maria (RS). Meu esporte preferido era atazanar os “padres” com perguntas para as quais não tinham respostas. E quando tinham não eram alicerçadas em lógica. A invocação da fé era uma resposta padrão, servia para tudo. O argumento Bom Bril, com mil e uma utilidades. O troco deles foi uma perseguição implacável, que me custou até reprovação. Alguns dos maristas eram famosos no colégio por seus assédios pedófilos. Como eu poderia acreditar na palavra santa de um sujeito que sequer disfarçava sua atração por garotos? Alguns vinham passando a mão mesmo, era preciso correr, e as piadas sobre eles corriam entre a molecada.
Com essa incursão no catolicismo, e filho de família espírita, que misturava numa boa kardecismo com umbanda, acabei derivando para a descrença total de tudo. O mesmo já havia ocorrido com meu irmão mais velho, o Rubem Mauro. É um processo longo se tornar ateu. Desde criancinha ouvindo falar de Deus, você não se separa disso como quem troca de camisa. Tem que passar pela crise da dúvida. Não raro, pelo temor de desagradar e ofender o criador, sendo alvo depois do seu castigo. Mas uma vez instalada a descrença, será definitiva. Histórias de ateus que se converteram na hora da morte, se é que são verdadeiras, nada significam. Crença em momento de delírio ou desespero, ou sob efeito de medicamentos, não é crença. Nessa hora ninguém está na serenidade da reflexão e do juízo. Crer ou não crer só pode ter sentido em estado de absoluto controle das suas emoções e pensamentos. Na sobriedade e paz. Comparando, que valor podem ter as convicções de bêbados e drogados, que não controlam sequer suas atitudes mais triviais?
O caminho para a descrença é quando se percebe que a mesma engenharia que permite construir a idéia de Deus serve também para explicar sua inexistência. Cada argumento que explica Deus pode ser empregado para questionar sua origem. Sem origem, sem um agente, nada existe. Um ser que veio do nada e sempre existiu não cabe na minha cabeça. Até confesso: quando acreditei, seguindo o senso comum e imposto às crianças sem chances de discernimento, me esforcei para isso.
Eu poderia enganar aos outros, mas não a mim próprio. Fingir ter fé, por qualquer tipo de conveniência, ou por mera covardia de assumir a descrença, é safadeza.
       

domingo, 11 de dezembro de 2011

Livros & autores

A escritora argentina Ana María Navés foi agraciada dia 1º de outubro, em Buenos Aires, com o prêmio literário “Estampas de Buenos Aires”. É a primeira vez que se outorga essa honraria por um livro de tango. Ela é autora de “Desde el Alma”e acaba de lançar “Homem Tango Mujer”, que tem este prólogo (em espanhol) assinado de forma inédita por um brasileiro, eu.

Ana María afasta o véu da face do tango

Nós, tangueiros não argentinos, sempre tivemos grande curiosidade sobre as sutilezas, nem sempre perceptíveis, que envolvem a cultura dos bailes de tango, as tradicionais milongas de Buenos Aires.
Os verdadeiros tangueiros estrangeiros costumam visitar a capital argentina para bailar, aprender e ver tango. Europeus, asiáticos, norte-americanos e de outras regiões enfrentam as dificuldades das longas distâncias e dos altos custos. Mesmo assim são comuns na cidade. Já os vizinhos, como os brasileiros, com as vantagens da pouca distância e menores custos, podem pisar em solo portenho com grande freqüência. Posso assegurar que os mais assíduos são os tangueiros. É o meu caso, contabilizando mais de 30 viagens a Buenos Aires desde 1972, quando visitei a cidade pela primeira vez. Isso se intensificou a partir de 1994, quando fundei o jornal Dance, especializado em dança de salão, e hoje conhecido em todo o Brasil e até no exterior.
Nem assim, contudo, nos arriscamos a dizer que conhecemos com intimidade a cultura milongueira portenha, que o Brasil tenta o tempo inteiro imitar. Na nossa visão, reduzida pela barreira do idioma e da falta de vivência cotidiana, tende a prevalecer o estereotipo. Não raro, pecamos pelo excesso de idealização do baile de los hermanos, como se tudo o que acontece nas pistas de danças argentinas fosse perfeito. Todos sabemos que a realidade não é bem assim, por mais que as milongas sejam maravilhosas.
Os livros de Ana María Navés – primeiro “Desde el Alma”, e agora esta obra “Hombre Tango Mujer” – quebram esse paradigma. Com seu texto afiado, repleto de sinceridade, coragem e perspicácia, Ana Maria nos desvenda a milonga. Ela retira o véu que encobre a verdadeira face do baile e dos seres humanos ali imersos na fantasia tangueira. Não é cruel nem generosa. É franca. Vai direto ao ponto. Lança provocações à espera de reações críticas que promovam a evolução das relações sociais. E que despertem as pessoas do sonho utópico e da ilusão para um ideário menos frustrante quando colide com a realidade, esta sim pouco mutável.
Ler Ana Maria é penetrar nesse baile que até então nos parecia tão sedutor e ao mesmo tão misterioso em suas nuances do comportamento humano. É um passo para começar a entender o garanhão em busca de presas; o homem sincero e verdadeiro e o blefe; as mocinhas e senhoras que nos espreitam com seus olhares ora explícitos, ora indecifráveis; os grandes dançarinos e aqueles que esperam algum dia ser como eles; enfim, a alma tangueira, com suas fraquezas e grandezas.
O mundo do tango é cercado de fascínio. Ana Maria Navés fotografa isso com palavras e nos brinda com mais uma obra imperdível, destinada a nos fazer pensar. E principalmente a crescer como bailarinos e como seres humanos.     

terça-feira, 6 de dezembro de 2011

História do Brasil Recente

Cabo Anselmo
O marinheiro de primeira classe que se tornou equivocadamente conhecido como cabo Anselmo está de volta. Primeiro foi num programa da TV Bandeirantes, depois no Roda Vida da TV Cultura, em São Paulo.
 Odiado pela esquerda e sem inspirar nenhum respeito e confiança à direita, tornou-se um homem ilha. Totalmente desprezado. Nem poderia ser para menos, quando se trata de alguém que foi capaz de entregar para morrer nas mãos da repressão da ditadura a própria companheira que havia engravidado. Além de vários companheiros que dedurou, atuando como agente duplo, e que também acabaram assassinados.   
Hoje expondo idéias confusas e tentando se passar como um convicto homem de direita, o que nunca foi de fato, não conta a única verdade: fez um acordo de delação dos companheiros de militância clandestina, com o delegado Fleury, para escapar da tortura e da morte. Só isso, e nada mais. Nunca houve qualquer fiapo de ideologia ou de desilusão na sua adesão ao regime que até então combatia como militante da luta armada.
Desprovido de caráter, Anselmo agora busca a notoriedade perdida também por doentia vaidade e para tentar reaver sua real identidade, aqui não no sentido figurado, a questão é o RG mesmo, com seu nome real, para que possa ter seu pedido de anistia examinado na Comissão do Ministério da Justiça, e que poderá ou não lhe proporcionar proventos indenizatórios até sua morte. Como teve que sumir, ao se tornar agente da repressão, está evidente que fizeram desaparecer todos os seus documentos, inclusive o registro de nascimento em cartório. Enquanto isso a Marinha de Guerra, a qual causou tantos transtornos em sua juventude de soldado rebelde, se recusa a facilitar sua vida. E nisso, ironicamente, ganha a simpatia até de quem combateu o regime militar. Anselmo anistiado e indenizado seria um insulto à legalidade e aos mais elementares princípios de ética e moral. Seria também um desrespeito à memória de quem tombou, de ambos os lados, acreditando estar defendendo algum ideal. Seria realmente uma vergonha. Porque na fase da dupla militância, na oposição e na polícia, ele recebeu pelos dois lados. De um lado o dinheiro dos assaltos a bancos, que sustentavam as organizações de esquerda em sua caminhada óbvia e inevitável para a derrota; de outro lado o dinheiro das verbas secretas da segurança pública e dos empresários que financiavam os torturadores. Anselmo, portanto, nunca foi desempregado, pelo contrário, teve duas fontes de renda durante os anos de chumbo. Com o passar do tempo perdeu a boquinha, mas não perdeu a vergonha de pleitear isso.
O então jovem marinheiro que se tornou famoso em 1964 como presidente da Associação dos Marinheiros e Fuzileiros Navais, no Rio de Janeiro, até então não era sequer um líder entre seus companheiros de farda. Sua colocação no cargo foi quase por acaso, por questões burocráticas e porque os verdadeiros líderes precisavam aliviar a barra junto aos comandos, onde sofriam todo tipo de pressão e perseguição. Anselmo foi colocado no cargo como uma opção branda. Foi, na verdade, o terceiro ou quarto nome cogitado. E subitamente se viu surpreendido pelos acontecimentos que precederam o golpe. Por reivindicações meramente classistas dos marinheiros, como a luta pelo direito de casar, e no começo sem contestações ideológicas, de repente se viram envolvidos na famosa assembléia permanente no Sindicato dos Metalúrgicos, no Centro do Rio. A tropa de fuzileiros navais enviada para prendê-los deixou as armas e capacetes sobre o asfalto, aos cuidados de dois ou três soldados, e entrou em massa no Sindicato, sob gritos de euforia, aplausos e abraços, aderindo ao protesto. Nesse momento o movimento ganhou maior projeção e assumiu conotações políticas, com as manifestações de solidariedade que chegavam de todos os movimentos populares e sindicais que formavam a base de sustentação do governo João Goulart, o Jango, e/ou que dele cobravam as reformas de base. Da noite para o dia Anselmo, erroneamente chamado de cabo pela imprensa, que não sabia interpretar as divisas nas mangas do uniforme, se tornou uma celebridade. A imprensa de todo o país não falava de outro assunto naqueles dias e dedicava também muitas fotos ao episódio. Exageradamente classificada como “rebelião”, a assembléia dos marinheiros terminou com a intervenção da Polícia do Exército, depois de um acordo de retirada pacífica. Eles saíram presos, em caminhões do Exército, se abraçando e chorando e aclamados como heróis. Horas depois estavam novamente nas ruas, prontamente anistiados por Jango. O próprio comandante dos fuzileiros navais, contra-almirante Cândido Aragão, saiu ao encontro dos marujos em solidariedade e foi carregado nos ombros pela avenida Rio Branco. A anistia de Jango e as fotos de Aragão sendo conduzido daquela forma por subalternos insubordinados deixaram furiosos não apenas os almirantes e demais oficias da Marinha, mas também de todas as Forças Armadas. A hierarquia, princípio básico e indispensável da disciplina militar, estava quebrada. Esse fator justificava, na visão militar, a deposição do presidente. O episódio todo foi decisivo para mudar principalmente a cabeça de oficiais até então legalistas ou relutantes à idéia de um golpe. O governo tinha ali selado sua sorte, perdendo grande parte da força que ainda dispunha nos meios militares.
Cabo Anselmo, vamos assumir o apelido, com o golpe foi para a clandestinidade. E passou, já naquele tempo, a ser alvo das desconfianças de muitos, que viam nele um agente provocador infiltrado, a serviço da CIA. Versão que ele até hoje nega, e na qual também não acredito, visto que sua eleição na associação dos marujos foi praticamente um acaso. Como ele, poderia ter sido outro.
O resto da história todo mundo sabe. Anselmo fez curso de guerrilha em Cuba, militou na luta armada, esteve no Chile e outros países, sempre no meio de exilados e refugiados clandestinos, até que certo dia foi preso pelos agentes de Fleury. Para se safar da tortura e morte fez imediatamente o acordo da traição dos companheiros. É longo o histórico de quedas e mortes de guerrilheiros urbanos como fruto das suas delações. Para isso foi recolocado na rua por Fleury, com dinheiro e sob estrita vigilância, claro. Antes de ser desmascarado já havia gente dentro das organizações de esquerda armadas ligando os fatos e desconfiando dele. Chegou a ser denunciado cara a cara, durante uma reunião no Chile, presidida pelo ex-sargento Onofre Pinto. Nesse momento teria entregue a pistola e dito algo mais ou menos assim: “Aqui está minha arma; se vocês acham que sou delator me justicem”. A atitude impressionou e ele ganhou, segundo consta, a defesa de Onofre. Pessoa que também não contava com a confiança de alguns. Onofre acabou morto logo depois de preso.  
A volta de Anselmo ao noticiário agora vai gerar todo tipo de especulação, hipóteses, comentários. Principalmente de gente desinformada de tudo, falando bobagens nas redes sociais.
Se passar à História, ocupará 3 linhas, se tanto, definido como possível agente provocador durante o governo Goulart; e traidor dos seus companheiros na triste fase da luta armada. Um currículo nada invejável.

domingo, 27 de novembro de 2011

Até breve!

Caros amigos e amigas: estarei em Buenos Aires até o dia 5 de dezembro, num festival de tango. Do exterior fica difícil manter postagens. Volaremos a ter contato em breve.
Beijos!
Milton Saldanha

sexta-feira, 25 de novembro de 2011

Novo escândalo

Ufa, finalmente pegaram a Controlar
A Controlar virou sinônimo de martírio para os proprietários de veículos de São Paulo, tomados como bodes expiatórios da poluição da cidade, quando se sabe que o grande poluidor é a indústria, não fiscalizada, ou mal fiscalizada. Ufa, eis que dois promotores resolveram desmascarar e enfrentar a máfia. A Controlar não está apta a fazer os testes que continua fazendo, o que coloca em questão as taxas com valores abusivos que vinha cobrando dos já espoliados contribuintes.
Nas duas vezes em que fui enfrentar o martírio dos testes fui percebendo a sacanagem. Em cada reprovação o proprietário tinha que pagar nova taxa de quase 70 reais, engordando os cofres da Controlar. Então eles reprovavam o maior número possível de carros, claro. Os testes adotavam patamares absurdos, tanto que provou-se que até carros zero, recém saídos da fábrica, eram reprovados. Enquanto isso, os carros muito velhos, os verdadeiros poluidores, sequer eram abrangidos pela lei. Muito menos os veículos dos órgãos públicos, com manutenção precária, que trafegam soltando fumaça preta pelas ruas da cidade.
O prefeito Kassab está sob suspeição e acusado de irregularidades na contratação da Controlar. Não sou eu falando, são os promotores. Hora boa de ir fundo e apurar toda a extensão da pilantragem. E devolver o dinheiro aos lesados, que são todos os proprietários. Não é pouca gente. Para isso é indispensável que a Justiça vá em cima da empresa e dos seus donos, que ganharam montanhas de dinheiro com esse trambique.
Algum dia isso teria que acontecer. Não conheço ninguém que não estivesse de saco cheio com essa Controlar. Encontrei na fila uma senhora que havia sido reprovada cinco vezes. Pagou cinco taxas. Um absurdo. Eles poderiam até reprovar, mas jamais cobrar nova taxa. É muito roubo. A máfia cria as leis e fatura alto com elas. Eis um caso típico.

Educação no trânsito

“Multe” um marronzinho
Excelente essa idéia dos internautas de começar a denunciar os abusos no trânsito dos marronzinhos da CET. Sim, deles mesmo, que nos multam com especial prazer e sem aceitar argumentos na primeira oportunidade. Esses safados se acham acima da lei e precisam ser enquadrados. As fotos postadas na internet e reproduzidas por algumas TVs mostram viaturas cometendo todo tipo de abuso. Param sobre faixas de segurança de pedestres, estacionam em vagas para idosos ou deficientes, dirigem falando ao celular, andam na contramão, etc. Isso quando não param em diagonal numa esquina, prejudicando a visão dos motoristas que precisam atravessar. Quem treinou esses caras? Fizeram alguma prova de habilidade e civilidade? Conhecem legislação de trânsito?
Não tenho a menor idéia de quem seja a idéia de postar essas fotos, parece que foi do próprio UOL, mas merece os cumprimentos. A lei é para nós e para eles também. Ainda que eles nunca acreditem nisso. Outro exemplo de abuso é o uso indevido de sirenes. Nas horas de pico em São Paulo é muito comum ver carros de polícia em alta velocidade, sirene em alto volume, abrindo caminho e... só o motorista a bordo. Esses caras devem ser aqueles heróis de filmes, que agem sozinhos...
A postagem é uma forma de protesto e de exigir respeito no trânsito em primeiro lugar de quem deve dar o exemplo. Sempre que flagrar um abuso, fotografe e denuncie!

terça-feira, 22 de novembro de 2011

Tecnologia & Futuro

Parar ou continuar?
Tenho um jornal impresso, com 17 anos. Trabalhei em jornalismo impresso por mais de 40 anos. Aí começo a ler sobre os dilemas desse tipo de jornalismo, com a migração para os sistemas on line, tablets e outros bichos. Corre um frio pela espinha. A sensação de que algo pode mudar, ou vai mudar. Com revistas é diferente. É outra estrutura de informação. Os jornais terão que virar revistas diárias, se quiserem sobreviver. Só que isso é mais complicado. Fazer um jornal é mais rápido (eu não disse mais simples) que uma revista. A diferença é mais ou menos assim: o jornal informa rapidamente; a revista informa lentamente. Ou seja, a revista aprofunda o jornal. O impulso de querer parar tudo e usufruir de uma tranqüila aposentadoria começa a ficar tentador. Por mais estranho que pareça, é provável que sem o jornal, portanto sem trabalhar, me sobre mais dinheiro no bolso. E mais tempo para usufruir dos anos que me restam a bordo deste planeta. Viajar (sem compromisso com trabalho e prazos), dançar, voltar a freqüentar teatro, ver mais filmes, caminhar e fazer turismo em minha própria cidade, visitar amigos, experimentar restaurantes sem precisar ficar consultando o relógio e a agenda. Tudo isso soa maravilhoso, mas tropeça no medo da frustração, do sentimento de inutilidade, do vazio que é o sofá depois de praticamente meio século produzindo e discutindo idéias, fatos, comportamentos. É uma decisão dura, mas pressinto que em algum momento poderá, ou terá, que acontecer. Não é improvável que os leitores também se cansem. É muita informação circulando, com predomínio maciço da informação de baixa qualidade, é bem verdade. Quando lembro que uma cidade como Porto Alegre chegou a ter cinco jornais diários... Hoje isso seria impossível, com o avanço da rede web. Sobrou praticamente um, a Zero Hora, que domina o mercado. O mesmo aconteceu no Rio, sobrou O Globo. E todos já discutem o futuro. O The New York Times, como sempre, está na vanguarda, revendo seu modelo e experimentando o serviço pago on line. Ainda sem nenhuma certeza de nada. O conflito íntimo começa a se instalar neste escriba. Parar ou continuar? Parar tem seus encantos, mas continuar ainda tem sido imperativo. O jornal Dance, é inegável, me proporcionou muitas alegrias esse tempo todo, além de me abrir portas mágicas. Que dilema...  

domingo, 20 de novembro de 2011

Shows no Dançata Master Tango

Sebastian Arce e Mariana Montes
levam público brasileiro ao delírio

A Dançata e seu evento Tanghetto viveram duas noites históricas em 19 e 20 de novembro, quando ocorreram os bailes do VI Dançata Master Tango: as apresentações arrebatadoras dos mestres argentinos Sebastian Arce e Mariana Montes. Eles reafirmaram aquilo que muitos tangueiros já sabiam e que o jornal Dance vem reafirmando em sucessivas matérias nos últimos anos: estão entre os (poucos) maiores bailarinos da modalidade em nível mundial. O público, mais de duzentas pessoas, aplaudiu com intensidade nunca vista antes em qualquer outro evento de tango em São Paulo e “obrigou” o casal a voltar várias vezes à pista para novas apresentações. Eles atenderam com visível prazer e emoção pela calorosa receptividade dos brasileiros.
Tem se tornado hábito na dança classificar todos os profissionais como artistas. Ainda que isso seja muito simpático, não é justo. Artistas, realmente dignos da definição, são poucos. E Mariana Montes e Sebastian Arce estão entre eles. Mais do que artistas, são duas estrelas que sabem tudo de tango, alternando movimentos de alta precisão e velocidade com momentos suaves e lentos, de rara beleza plástica. A maioria dos seus passos surpreendem, são inusitados e renovadores, fugindo da mesmice e do previsível. Quem nunca viu tango na vida fica de queixo caído. E quem é do ramo e tem noção do grau de dificuldade de determinados giros e movimentos que envolvem muito eixo e equilíbrio sai carregando o espetáculo na memória por longo tempo. Isso faz a diferença entre o que é ou não arte, como eu já disse certa vez no Dance comentando um espetáculo impar da Mimulus, do Jomar Mesquita. O trivial você esquece alguns minutos depois. A arte você carrega, leva para casa e para todos os lugares. Seu impacto custa a se dissipar. E dessa forma o artista transfere a emoção para você, enriquecendo também seu espírito.  

Esta e outras matérias você lerá na próxima edição do jornal Dance, com 10 mil exemplares impressos + integral na Internet + mais de 4 mil despachos em PDF + parceria com redes sociais de dança. Circulará a partir de 7 de dezembro. Não perca!

Celulares versus boa educação (2)

Todo texto analítico é resultado sempre de longa e exaustiva reflexão. A gente pensa no tema antes, durante a produção do texto, e depois da sua publicação, quando começa a repercussão. Nunca é pequeno o peso da responsabilidade. Uma releitura autocrítica do meu próprio texto anterior me leva a voltar a este tema. Recebi muitos comentários pessoalmente apoiando às críticas que fiz ao mau uso e à falta de educação com celulares. Contudo, quero aqui fazer uma ressalva, que deveria ter feito parte do texto anterior: é indispensável e justo reconhecer que algumas pessoas precisam sim estar conectadas o tempo todo. É o caso principalmente de médicos e outros profissionais de saúde, que podem ser acionados para emergências a qualquer momento; pessoas envolvidas com muitas atividades e negócios e agenda sempre lotada; jornalistas que precisam ser convocados para a cobertura de imprevistos; policiais civis e militares; e alguns outros que dependem da comunicação ágil com grande freqüência. Temendo ter sido injusto com essas pessoas, fiquei concentrado em não deixar passar esta pequena, mas muito importante, retificação.
Como última observação ao assunto, encontrei respaldo indireto às minhas críticas em informação que ouvi no Jornal da Band: a noticia sobre uma pesquisa estarrecedora, indicando que alguns milhões de usuários de celulares jamais tiveram uma escova de dentes. Isso diz tudo.




quarta-feira, 16 de novembro de 2011

Está faltando estratégia

Movimento contra corrupção pode cansar.
É isso que os corruptos desejam.
As marchas contra a corrupção tendem a virar rotina e muito em breve ninguém mais dará bola para elas, nem a mídia. Vão encolher cada vez mais em adeptos e no noticiário, pela falta de novidade e, mais do que isso, pela falta de propostas concretas para combater esse mal.
Qualquer pessoa do bem apóia todas as iniciativas anticorrupção. Mas é indispensável que elas sejam mais objetivas, ataquem alvos claros do cenário político e também empresarial, neste último onde estão os corruptores. Da forma evasiva como estão acontecendo acabam repetindo aquelas caminhadas pela paz, com todos de branco, enquanto os bandidos debocham e voltam a atacar até com mais furor.
Esse mal arquitetado movimento anticorrupção, por melhor que sejam suas intenções, pode acabar queimando o filme na hora em que se torne necessária uma mobilização organizada e de grande porte, que sirva de instrumento de pressão. Era o que deveria ter acontecido, e infelizmente não aconteceu, durante a crise do mensalão. E por que não aconteceu? Porque o mensalão não foi um crime isolado do Dirceu e de outros caciques do PT. Envolveu todos os partidos. Todos! Todos levaram o dinheiro do contribuinte. Logo, não havia respaldo para a montagem de um movimento de massas. É importante observar que as entidades que poderiam ter feito isso, como OAB, ABI e UNE, por exemplo, entre outras. estão de alguma forma atreladas a determinados partidos, ainda que não de forma explícita.
O atual movimento pode até ser muito simpático. Mas pode cansar e com o tempo esvaziar uma luta que a cada dia se torna cada vez mais necessária.

segunda-feira, 14 de novembro de 2011

Revendo o velho baú...

Às 6 da tarde um jornal que saiu pela manhã já é velho. No dia seguinte, então, já virou sucata. Agora imaginem um jornal de 30 ou 40 anos passados...
Pois é, fui revirar em meus arquivos para achar uma matéria produzida em 1976, no “Estadão”, como tema de uma crônica que logo vocês poderão ler aqui neste espaço. Numa pilha de recortes, revistas, fotos, cartas, telegramas, telex, o diabo, acabei fazendo uma ligeira viagem no tempo e retornei aos anos ancestrais da minha carreira como jornalista. Reencontrei matérias que nem lembrava mais que tinha feito, e olha que deram muito trabalho e na época me encheram de orgulho. Reencontrei também personagens que sequer imagino se continuam vivos, onde estariam, fazendo o que.
É um arquivo valioso da minha vida, mas quando eu não estiver mais neste mundo alguém jogará isso no lixo, como papel velho. Como aconteceu com aquela montanha de jornais e revistas onde escrevi e vivi grandes emoções. No mesmo dia multidões de leitores usaram para embrulhar qualquer coisa...
Esse é o lado frustrante do jornalista. Sua vaidade só encontra satisfação em algumas horas, esporádicas. Ele se mata trabalhando, para logo ser esquecido. Ao contrário do escritor, e aqui falo apenas do grande escritor, o autor das magistrais obras, que ficam famosas e duram séculos sendo reeditadas. Um Euclides da Cunha será lido para sempre. Já os grandes jornalistas de “O Cruzeiro”, “O Jornal”, “Tribuna da Imprensa”, “Diário de Notícias”, “Última Hora”, etc, por exemplo, nos anos 50 e 60 tão famosos como os atuais grandes Globais, quem hoje lembra deles? Só mesmo quem conheceu, e muito raramente, claro. Façamos um rápido teste: você já ouviu falar em Assis Chateaubriand? David Nasser? Carlos Lacerda? Helio Fernandes? Samuel Wainer? Luciano Carneiro? Mário de Moraes? Odilo Costa Filho? Péricles? Carlos Estevão? Se for jovem, com certeza não. No entanto, alguns destes nomes pontificavam com poder e força, se bobear até influenciando em importantes decisões nacionais. O que resta, então, para nós, simples mortais, quase anônimos? É o destino também traçado para tantas celebridades de hoje, que se julgam imortais, mas serão esquecidas na primeira curva da estrada.
É por isso que convém refletir sobre a inutilidade das grandes e pequenas patifarias que alguns praticam durante sua vida. Para que servem? Nosso trânsito neste mundo é extremamente rápido, essa é a verdade. Vamos sumir como fumaça. Então não vale a pena ser canalha. Melhor que fique algum fiapo de lembrança, por menor que seja, mostrando a grande alma que habitou nossos frágeis corpos.

sábado, 12 de novembro de 2011

Museu Oscar Niemeyer

35 mil metros de emoção a cada centímetro

Curitiba possui um tesouro que todos os brasileiros precisam conhecer. É muito fácil de achar, tem preços populares, e se chama Museu Oscar Niemeyer. Não é um museu qualquer. Enquanto você visita vai sendo surpreendido a cada momento, envolvendo-se em grande emoção.
Ali funcionavam repartições burocráticas do governo do Paraná. O conjunto foi totalmente reformado, com projeto de Oscar Niemeyer, este nome que orgulha o Brasil, por suas obras aqui e em muitos outros países.  
São 35 mil metros quadrados de emoção a cada centímetro. Hoje, abriga exposições de pintura, desenho, escultura, design, fotografia, maquetes, etc., com dois acervos, um sempre temporário e outro permanente. Este último fica alojado no popularmente chamado “Olho”, uma fantástica torre apoiada por uma coluna em forma de parede, que contrasta em porte com a impressionante leveza que transmite. O “Olho” parece flutuar no ar, como uma nave branca que ali estivesse pairando e espreitando a cidade. A inspiração foi na copa da araucária, árvore típica do Paraná, mas o povo, sempre imaginativo, passou a chamar como “Olho”. Síntese de toda a genialidade de Oscar Niemeyer, esse humanista de incrível simplicidade e generosidade, hoje reverenciado pela arquitetura mundial.
Visitar o museu vale a viagem a Curitiba. Nem que seja só para isso. Se o conjunto arquitetônico estivesse vazio já seria, por si só, uma imperdível atração. Com seu conteúdo, torna-se cativante passeio da alma pelas profundezas dos sentimentos mais edificantes e que fazem a vida e o mundo valerem a pena. A defesa do homem e dos princípios que devem reger suas relações estão presentes literalmente nas paredes deste santuário da cultura brasileira. É como um templo que prega em seus escritos e obras a redenção dos oprimidos, fazendo a denúncia da violência, das guerras, ditaduras, fome e miséria. A arte engajada, com seu compromisso único de ser agente de transformação social, mas nem por isso piegas, explicita e óbvia.
Serão inesquecíveis as emocionantes imagens que lá captei: é preciso buscar nos olhos das figuras esquálidas retratadas por um pintor como o equatoriano Guayasamín (1919-1999), por exemplo, a milenar dor legada pela civilização pré-colombiana depois do seu massacre pelo colonialismo ibérico. Em seus traços de gênio da pintura e do desenho, amado por Pablo Neruda, de quem era amigo, estão nítidas as influências dos muralistas mexicanos Orozco e Diego Rivera, Picasso, Portinari, Di Cavalcanti e outros guerreiros das telas, mármore e bronze.  Foi impossível não ficar paralisado na frente dos quadros de Guayasamin, sorvendo cada detalhe dos seus traços, não sendo difícil também ser levado às lágrimas. Pena mesmo é que não foram melhor divulgadas nem ficariam ali por mais tempo, pois são patrimônio artístico do Equador e precisavam voltar para casa.  Só isso já dá uma dimensão do que é essa casa curitibana onde se respira cultura e sensibilidade a flor da pele. Mas havia muito mais. As fotos do peruano Martin Chambi, em preto e branco, feitas com uma câmera rudimentar, de fole, são épicas e remetem ao esplendor e miséria do altiplano andino. Bastou trocar de sala para entrar num mundo totalmente diferente e menos angustiante, com as 25 telas de artistas que retratam a serenidade do porto de Paranaguá e seus navios docemente ancorados. Ou, em outra, na vida mansa e acolhedora do interior mineiro, com aquele estilo puro e inocente, gostoso, cheirando a café com bolo de fubá.
Visitar o Museu Oscar Niemeyer, enfim, é uma necessidade das almas famintas por ternura. Vale a viagem.
Os funcionários são gentis, a organização impecável, banheiros que brilham, há uma cafeteria confortável e irresistível, livraria e loja esbanjando classe e bom gosto. Tudo de primeiríssimo mundo.
Atravessar o túnel branco, em curva, que liga o prédio ao anexo “Olho”, parece uma caminhada pelo espaço sideral. Até quem detesta lugares confinados, como eu, ali nada sente, exceto deslumbramento.
Em ampla área estão as maquetes das principais obras de Niemeyer pelo Brasil e mundo. Vale a pena demorar ali, conferir cada uma, em detalhes, e ler cada texto onde o próprio artista do concreto armado explica sua paixão pelas curvas que marcam intensamente seu estilo. Inspiração que vem de várias fontes, incluindo as sedutoras curvas das mulheres belas. A catedral de Brasília, obra de um ateu assumido, quem diria, com sua estonteante beleza lembram mãos que se erguem em súplica ao céu. Niemeyer é ousado, atrevido, desafiador. Mas acima de tudo um poeta. Sorte nossa que é também brasileiro!

      

quinta-feira, 10 de novembro de 2011

Dança, uma porta para a felicidade

Tango. Amigas e amigos, é impossível descrever a magia e prazer que é dançar isso. É meu principal hobby há 8 anos. Mas se o tango é recente, danço os demais ritmos desde os 14 anos. Estou com 66, logo são 51 anos de baile. O hábito começou nos anos 60, em Santa Maria (RS), cidade cercada de morros, encravada no centro da Depressão Central, bem no coração do mapa gaúcho. Era uma das diversões de toda a família, meus pais e os quatro filhos, que não perdiam os bailes dos clubes Caixeral e Comercial, com suas sedes sociais na praça principal, a Saldanha Marinho. Nome sem qualquer parentesco com este autor, sequer sei quem foi a figura.
Fui também do tempo das reuniões dançantes domésticas, com Hi-Fi, disco de vinil, regadas a cuba libre (Coca-Cola, gelo, rodela de limão e uma dose de run). Naquele tempo a gente ia para esses encontros de terninho escuro e gravata, elas de vestido tubinho e coques altos, onde entrava até bom-bril para ajudar a segurar e dar volume. As mães ficavam tricotando ali por perto, simulando distração, mas de olho ligado na rapaziada, todos loucos por um bom amasso em suas filhas. Dançar de rosto colado era o máximo das ousadias, e as meninas que permitiam isso ficavam logo “faladas”, assunto inevitável de todas as rodinhas das fofoqueiras. As eletrolas, móveis grandes onde rodavam os LPs de vinil, emitiam samba, fox, bolero, tango, valsa e mambo. Com as vozes ou composições de Angela Maria, Elisete Cardoso, Maysa, Miltinho, Frank Sinatra, Nat King Cole, Caubi Peixoto, Lupicinio, Noel Rosa, Chiquinha Gonzaga. Aí surgiu uma novidade, que a gente também dançava, chamada Bossa Nova. Entraram em cena Vinicius de Moraes e Tom Jobim, precursores da safra que viria só bem depois, com Chico, Nara Leão, Edu Lobo, Vandré, Bethânia, Caetano, Gil e outros. As músicas mais conhecidas desse novo estilo de samba eram “O Barquinho” e “Samba de uma nota só”, até que surgiu a magistral “Garota de Ipanema”.
E assim rolavam nossas longas tardes domingueiras... Com a dança a dois, eu diria até precocemente, passando a fazer parte indissociável da minha vida. Quem não dança e nunca experimentou isso dificilmente entenderá tal prazer. Ele está ligado primeiro ao gosto pela música, seguido da satisfação de associar seu corpo a ela, através do movimento. Você então não apenas ouve a música, mas se integra totalmente a ela, descobrindo habilidades que nunca imaginou possuir. Torna-se senhor do seu corpo, faz dele o que bem entender. Vence bloqueios, solta suas amarras, ganha postura e independência. Aquele corpo que refletia uma mente reprimida, encolhido e tímido, de repente se abre, cresce e parece querer voar. Agrega, finalmente, ou em primeiro lugar, tanto faz, o prazer do abraço com o sexo oposto. Cria-se ali uma cumplicidade, seus corpos precisam estar sintonizados na mesma energia e na mesma emoção. Em alguns casos isso é tão forte que desperta também a química da atração sexual, absolutamente normal e saudável, estamos falando de homens e mulheres de carne e osso. O que não significa que os casais vão sair correndo do baile para transar, não é nada disso. O que quero dizer é que a dança, além de ser o mais completo e prazeroso dos exercícios, e de longe a melhor das terapias, é também uma via de acesso a relações que podem transformar vidas. Ali surgem muitos namoros e até casamentos. Contudo, mesmo que não se chegue a tanto, quem dança jamais sentirá solidão. Os bailes e academias, hoje facilmente encontráveis, formam verdadeiras comunidades de amigos. O convite para dançar quebra qualquer gelo. O contato físico abrevia a aproximação e o conhecimento do outro.
Não cansa, enjoa? Perguntará alguém. Taxativamente, não! Quanto mais a gente dança, mais quer dançar. E quanto melhor, mais insatisfeito se tornará com a própria performance, querendo aprimorar dia após dia. Fred Astaire, o fabulso dançarino que celebrizou a dança a dois no cinema com sua parceira Ginger Rogers e se tornou a eterna referência de todos nós, dançarinos do mundo todo, era um perfeccionista fanático. Consta que chegava a fazer mais de 60 vezes algumas cenas, de poucos segundos, para extrair da série e editar aquela mais próxima da perfeição. E quem vê os dois dançando imagina tudo um mar de rosas. Não era bem assim. Brigavam muito nos ensaios, em busca do melhor resultado. Aliás, como acontece com a maioria dos casais profissionais e amadores de hoje. Até engrenar, um tende a culpar o outro pelas dificuldades, que são normais e todas superáveis. Onde estava o segredo da perfeição? Deixemos que ele, Fred Astaire, nos responda: “Tem que parecer que é fácil”, dizia o mestre. Vendo, parece que qualquer um faz. Vá tentar!
  O tango para mim foi o estágio natural da busca da evolução e da novidade. Continuo dançando todos os ritmos, alguns no limitado estilo quebra galho, mas foi no tango que encontrei a suprema emoção. Porque sua música, e a interpretação na dança, refletem o amor, desejo, paixão. A sofisticação e beleza das composições atingem no fundo das almas sensíveis. Só alguém muito inculto, frio e grosseiro não fica extasiado ao ouvir um tango como “Adios Nonino”, de Astor Piazzolla. Mas este é apenas um exemplo, há centenas de outras obras primas, de compositores e intérpretes lendários como De Sarli, Darienzo, Pugliese, Troilo, Oswaldo Fresedo, Mariano Mores e muitos outros. E tem uma sofisticação técnica que raros estilos de dança de salão alcançam, só podendo ser comparado ao samba, igualmente complexo e difícil de aprender. Como danço os dois, considero o samba ainda mais difícil. Ambos oferecem inesgotável repertório de passos e efeitos, muitos deles que você próprio vai criando, com a experiência e a prática.
A beleza plástica do tango e sua música talvez expliquem porque se espalhou de tal forma que hoje é dançado no mundo inteiro, para sorte dos grandes mestres portenhos, disputados para dar cursos e fazer shows nos mais variados continentes. Diversos já estão ricos, são fluentes em inglês e conhecem dezenas de países.
Com o tango descobri um novo caminho para aprimorar minha dança e enveredar por emoções muito fortes, ainda que eu seja um eterno amador, nunca me passou pela cabeça fazer disso uma forma de ganho adicional. Coleciono DVDs de aulas e shows, faço aulas regularmente, danço pelo menos duas vezes por semana, vou com grande freqüência a Buenos Aires (mais de 30 vezes no total) para beber direto na melhor fonte. Vale só o prazer. Uma nova porta para a felicidade plena. Sigam meu exemplo e comecem na dança. Vão descobrir uma nova cabeça e moldar um novo corpo. E acharão uma pena, com certeza, quando descobrirem o que estavam perdendo, não ter começado muitos anos antes.

segunda-feira, 7 de novembro de 2011

Recordações da Ultima Hora: a vingança do Cabral

A Última Hora, fundada e dirigida por Samuel Wainer, formava uma rede nacional. Com o mesmo título, logotipo em azul, identidade visual e seções, até onde lembro era editada no Rio, São Paulo, Recife, Porto Alegre. Depois do golpe de 1964 foi fechada e mais tarde reaberta em São Paulo. Em Porto Alegre resultou na atual Zero Hora. Fui repórter da Última Hora, nesta segunda fase, trabalhando com o Samuel Wainer, nome lendário e polêmico do jornalismo brasileiro, que colecionava tanto amigos como inimigos. Só que nessa segunda fase ele não era mais dono do jornal e sim empregado do Otávio Frias de Oliveira, do grupo Folha de S.Paulo, que havia adquirido o título.
Naquela redação convivi diariamente com nomes notáveis: Plinio Marcos, Antonio Contente, Diaféria, e um vasto time de antigos jornalistas com muita estrada e quilometragem percorrida. Eu estava naquela fase de transição, já um bom repórter mas ainda meio foca. Já estava no jornal quando o Samuel Wainer assumiu a direção. Lembro-me que o Frias chegou com ele na imensa e ruidosa redação, bateu palmas pedindo silêncio: “O bom filho à casa torna”, disse Frias, anunciando o novo diretor.
Ali me aproximei de alguns veteranos, quase tietagem, em busca das suas histórias e experiências. Um deles era Cabral, que fumava cigarro com piteira e gostava de vestir coloridas camisas de seda. Cabral, diziam, foi uma lenda do jornalismo policial. Não sei se era verdade, mas contavam que chegou a localizar bandido em morro antes da polícia. Denunciava e ficava no local esperando a prisão para cobrir como furo.
Dele contavam também o seguinte episódio:
Mulherengo, Cabral gostava de cortejar moças bonitas com belos jantares, em restaurantes sofisticados. Não tomava o cuidado de checar antes os preços, mesmo ganhando mal como todo mundo naquela época. E foi assim que levou mais uma para jantar, com direito a entrada, camarão, vinho italiano, sobremesa. Quando pediu a conta levou um susto. O preço era um absurdo, consumia boa parte do salário que ganhava num mês inteiro de trabalho. Para não dar vexame agüentou no osso. Pagou com cheque, furioso, e se retirou com sua convidada.
Nos dias seguintes aquilo ficou martelando na cabeça de Cabral.   
Estava realmente revoltado com o absurdo da conta. “Isso não vai ficar assim”, pensou, e teve uma idéia.
Chamou um contínuo da redação, prometeu-lhe uma caixinha, e pediu que fosse ao mesmo restaurante para fazer reserva de jantar para quatro pessoas. Mandava até um cheque como sinal, por garantia, e pediu ao rapaz que voltasse com a nota fiscal.
Dia seguinte, quase duas horas antes do horário previsto na reserva, requisitou uma Kombi da frota do jornal e saiu. Mandou que o motorista seguisse para os baixos de viadutos da Zona Oeste onde precariamente se abrigavam grupos de mendigos. Chegou e anunciou: “estou convidando três de vocês que queiram fazer o melhor jantar das suas vidas. É só embarcar, é tudo por minha conta”. O grupo se formou em torno da Kombi, todos queriam ir. Cabral então selecionou os três privilegiados, procurando entre eles os mais feios, esfarrapados e mal-cheirosos.
O restaurante naquele horário já tinha bom movimento e a mesa de Cabral estava prontinha, com cartão de “reservada”. Quando ele entrou com seus convidados foi um choque geral. Silêncio. Garfos e facas pousaram silenciosos nas mesas. Olhares incrédulos de todos os lados.
Cabral acomodou-se com os mendigos e pediu o cardápio para os pedidos. O dono, ou gerente, surgiu do nada: “O que o senhor está fazendo? Não pode ficar aqui com essas pessoas. Vou chamar a polícia”. E Cabral: “Isso, chama a polícia, é isso que eu quero, escândalo. Vou chamar também meus colegas dos jornais. Discriminação racial e social é crime. Estes senhores são meus convidados, cidadãos como qualquer brasileiro, e parte do jantar já está até paga, está aqui a nota fiscal”.
Nesse meio tempo, vendo a encrenca armada, e não agüentando o odor que se espalhou pelo recinto, mais da metade dos clientes já se retirava, uns rindo, outros furiosos.
O gerente capitulou. Mandou servir, postando-se de braços cruzados e cara amarrada a alguns metros da mesa. O jantar foi uma cena dantesca, de bocas abertas desdentadas mastigando vorazes, líquidos e babas escorrendo pelos cantos dos lábios, mãos imundas avançando sobre copos e travessas cintilantes. Os garçons ficaram num grupo à distância, alguns usando lenço para tampar o nariz, outros de costas para a mesa, repugnados. E Cabral recostado na cadeira, fumando com sua piteira, sorrindo, feliz.
Quando terminaram, fartos, e sozinhos na casa, o gerente se aproximou. “Senhor Cabral, pelo amor de Deus, nunca mais faça isso de novo. O senhor pode nos arruinar. Só hoje perdi vários clientes. Mas a conta está certa, o senhor não precisa pagar mais nada. Volte quando quiser, traga sua noiva, será convidado da casa”.
“Jamais – replicou Cabral – vocês me roubaram descaradamente da outra vez e agora dei o troco. Estamos quites. Agora fique tranqüilo, nunca mais pisarei nesta casa”.

domingo, 6 de novembro de 2011

Uma pista para entender o apoio dos camponeses à guerrilha em Cuba

Há muitos anos venho lendo sobre a Revolução cubana que levou Fidel Castro ao poder. Um detalhe sempre me intrigou: o que explicaria o tão grande e decisivo apoio dos camponeses à guerrilha, na Sierra Maestra?
Nem mesmo quando viajei com meu irmão Rubem Mauro, ambos como repórteres, por mais da metade da ilha, durante 16 dias, em setembro de 2004, consegui uma resposta, ou sequer uma pista, para entender isso. 
Esqueça dos idealistas, poetas e sonhadores que acham que camponeses, pela vida dura que levam, são aliados naturais das revoluções. A realidade não é aquilo que eles gostariam que fosse. É bem diferente. Camponeses são pessoas simples, sem escolaridade, geralmente manipulados por religiosos e caudilhos, e com tendência a desconfiar de estranhos. Com miséria ou sem miséria, tendem a ser conservadores, como a maioria dos pobres, em decorrência da ignorância. Claro que isso não é uma regra, estou falando em tendência.
Os camponeses bolivianos, por exemplo, vivem na extrema miséria e, no entanto, apoiavam os regimes militares de direita. Eu estava em Cochabamba, em 1972, no dia do aniversário da cidade. Era feriado e havia uma festa, com a presença do ditador do período, o general Hugo Banzer, cercado de guardas-costas. Desfilaram militares, pessoas bem vestidas e brancas, da alta sociedade local, e finalmente os camponeses, todos maltrapilhos, com panos enrolados nos pés (fazia muito frio) porque sequer tinham sapatos e botas. E olha que era a roupa que tinham para ir à festa na cidade. Eram apoiadores do regime e um dos grupos, os milicianos, desfilou portando armas, inclusive uma metralhadora pesada apoiada em tripé sobre a cabine de um caminhão. Eu estava com um amigo suíço, loiro, e por nossos tipos e roupas ficava evidente que éramos estrangeiros. Isso provocava em alguns olhares hostis, beirando a agressividade. A gente fingia não perceber.
Esse conservadorismo dos camponeses de Cochabamba é totalmente oposto ao que se verifica entre os mineiros, os trabalhadores das minas de estanho de Siglo XX, que são politizados e contestadores, além de muito organizados. A explicação para isso começa em 1952, na revolução do nacionalista e populista Victor Paz Estenssoro, o Getúlio Vargas da Bolívia, que promoveu a nacionalização das minas de estanho e a reforma agrária. Estenssoro inclusive legalizou e armou as milícias camponesas e mineiras. A direita boliviana conseguiu um importante aliado, mas sua malandragem foi manter as terras boas nas mãos dos grandes proprietários, enquanto aos camponeses cabiam pequenas glebas de terras ruins, pouco produtivas. O que por sua vez explica a permanência deles na miséria, mesmo depois de uma reforma agrária com tantos anos. Nesse tempo todo foram maquiavelicamente levados a acreditar que o “comunismo” lhes tiraria suas propriedades. Vá tentar convencê-los de que isso não tem sentido...
Já os mineiros, morrendo de intoxicação aos 35 anos de idade, e cercados também de extrema miséria, nada têm a que se apegar. Não lhes resta uma mínima ilusão. Seus sindicatos são de esquerda.
Um dos fatores da derrota e morte de Che Guevara na Bolívia, além da sabotagem do Partido Comunista local, em outubro de 1967, foi não ter conseguido o apoio dos camponeses. Por medo ou safadeza alguns até simulavam isso, mas assim que chegava o exército apontavam a direção que Che tinha seguido com seus guerrilheiros.    
Voltando a Cuba, finalmente achei a grande pista que começa a me levar ao entendimento do que aconteceu. O apoio dos camponeses a Fidel Castro foi realmente muito grande e ocorreu com extrema rapidez. Ocorreram traições e vacilações, é bem verdade, como mostra a literatura sobre a guerrilha. Mas foram poucos os casos quando comparado com o decisivo apoio, que permitiu inclusive formar e treinar colunas guerrilheiras para a luta.
Essa pista está em poucas linhas, sem nenhum aprofundamento, no livro de Anthony De Palma: “O Homem que Inventou Fidel”. É a história da vida e da aventura do célebre jornalista norte-americano Herbert L. Matthews, do New York Times. Mattews foi o jornalista plantado pela própria guerrilha na Sierra Maestra para provar à opinião pública cubana e mundial que Fidel Castro estava vivo, organizado e lutando com seus guerrilheiros. Ao contrário do que alardeava a ditadura de Fulgência Batista, apontando Fidel como morto, logo depois do desastroso desembarque do iate Gramma (encalhado no lugar errado) e dos combates na parte oriental da ilha.
E vejam, aqui com minhas palavras, o que o autor nos conta: havia naquela região um conflito de latifundiários com antigos posseiros. Quando a guerrilha se instala nas selvas das montanhas, e todos achavam que logo seria esmagada, os pistoleiros pagos pelos fazendeiros aproveitaram para fazer a limpeza. Os camponeses eram expulsos das casas e terras onde viviam e plantavam há muitos anos, sem que o Exército ou a polícia de Batista lhes dessem qualquer proteção. Pelo contrário, acobertavam os crimes. Os guerrilheiros, por outro lado, prestavam toda assistência e proteção possível aos posseiros. Eram como anjos que ali tinham chegado do céu para ajudá-los e protegê-los.
Os fazendeiros, com seus crimes; e Batista e seu exército, com sua conivência; tinham, sem nenhuma percepção do que se passava, jogado aqueles pobres coitados nos braços da Revolução.
Alguns daqueles camponeses, que na época sequer eram alfabetizados, depois tiveram acesso à educação e hoje fazem parte dos quadros do governo, em importantes cargos.
Uma das primeiras e mais drásticas medidas da Revolução foi a reformar agrária, atingindo inclusive as terras da própria família Castro. Fidel não teve a menor gratidão pelo presente que recebera dos ambiciosos fazendeiros. Todas as suas terras foram loteadas e divididas em cooperativas de produção.
Hoje, discutir a questão agrária cubana virou uma questão polêmica. Na verdade, ocorreram acertos e erros. O açúcar, por exemplo, que por muito tempo foi a pedra basilar da economia da ilha, juntamente com a mineração do zinco, caiu em desgraça com a super oferta mundial do produto. Em certo momento o governo percebeu que quanto mais produzia, mais perdia dinheiro, porque o custo era maior que a receita. Além disso, a antiga União Soviética, para ajudar Cuba, comprava o açúcar a preços fora de mercado, pagando mais.
Viajando através do país de automóvel, como fizemos, sempre à luz do dia, pudemos observar a ociosidade de extensas regiões rurais cubanas, um desperdício num território tão pequeno e com tantas bocas a alimentar, fora os problemas causados por décadas de severo bloqueio econômico norte-americano. O modelo rural cubano precisa se repensado, disso não tenho dúvida. Como também não tenho nenhuma dúvida de que sem o apoio dos camponeses a guerrilha jamais teria vencido.